Edição 94
Ambiente-se
A emoção vai à escola: educação socioemocional
Rosangela Nieto de Albuquerque
O novo paradigma mundial é efêmero, tudo parece passar tão rapidamente que as pessoas não conseguem vivenciar as emoções. O mundo tem pressa, e as mudanças são velozes, as palavras mais clamadas são mudar, modificar, transmutar, transformar, e tudo numa velocidade incrível. Os estudos acerca do comportamento humano são um desafio neste modelo contemporâneo. As transformações biopsicossociais são evidentes e tudo se torna imprevisível. Situações como desigualdades, discriminação, preconceito, movimentos fanáticos, terrorismo, etc., que a humanidade vivencia, deixam sequelas emocionais, como o medo, a desconfiança e a insegurança, e tendem a atingir a todos. Um novo panorama mundial, econômico, político, social e comportamental se estabelece, e esse modelo pós-moderno, que estimula a competitividade, o consumo desenfreado, que oferece uma avalanche de estímulos através dos meios de comunicação, a transição do conceito de família para um com novos modelos, a escala de valores constituídos nas famílias, o trabalho fora de casa dos pais (que muita vezes terceirizam a educação dos filhos), entre outros, contribuem para o desequilíbrio emocional das pessoas e dificultam o convívio social. Desse modo, há novos sujeitos, novos comportamentos, que exigem uma transformação e participação ativa da escola na formação das crianças e dos jovens. Esta, responsável pela sistematização de conhecimentos e desenvolvimentos pessoal e social dos indivíduos. A escola busca, há décadas, caminhos para uma educação articulada à realidade — temporal e histórica — voltada para esse novo sujeito. Assim, é fundamental que a função da escola e do professor seja ampliada para uma dimensão afetiva, pautada na educação socioemocional com a qual se possam experimentar as emoções e construir sujeitos pensantes capazes de administrar os pensamentos, as ações, as emoções, e construir uma sociedade mais justa, igualitária, empática e humana.
Emoções e inteligência na escola
É evidente que o homem tem a necessidade de relacionar-se com o seu semelhante e consequentemente adaptar-se ao meio ambiente onde está inserido, estes fatores primários são fundamentais para o desenvolvimento humano como um todo.
As emoções, portanto, constituem a fonte mais poderosa de autenticidade, orientação e energia humana e, se bem direcionadas, podem proporcionar uma sabedoria intuitiva, informação vital e potencialmente proveitosa no existir das pessoas. Nesse contexto, a escola é o espaço para a permissão e o desenvolvimento da competência emocional, entretanto deve-se considerar que, para tal, o professor também precisa desenvolver essa competência considerando as suas frustrações e dificuldades que lhe são peculiares no exercício da profissão, observa-se então que é uma necessidade emergente. (GOLLEMAN, 1995).
O ambiente escolar é uma experiência fantástica de vida, tanto para alunos quanto para professores. É nesse espaço que se refletem os relacionamentos social e emocional que influenciam na formação do ser humano tanto enquanto pessoa quanto profissional. Nesse convívio diário, professores e alunos experimentam a alternância das emoções que leva a mudanças de humores e à necessidade de desenvolver capacidades de autocontrole emocional.
As emoções estão diretamente ligadas à dinâmica cerebral, e esse processo mental está articulado às estruturas cerebrais. O cérebro humano possui três zonas situadas umas sobre as outras: o bulbo raquidiano, o sistema límbico e o neocórtex, ou córtex cerebral, que perfazem a trindade do cérebro, formando uma total interação, segundo Mártin e Boeck (2002).
As emoções se originam no sistema límbico e são trabalhadas pelo cérebro, isto é, no momento em que surgem os sinais emocionais, uma estrutura no sistema límbico proclama uma emergência, e aciona o resto do cérebro para uma decisão imediata; em seguida, é tomada pela amígdala cortical, que é a grande responsável pelas questões emocionais, inclusive pelas lágrimas, um sinal emocional exclusivo dos seres humanos.
Valle (1997) cita a existência de cinco emoções básicas: o medo, a raiva, a tristeza, a alegria e o afeto, que se manifestam independentemente e são responsáveis por gerar novas facetas emocionais. Certamente, uma emoção ocorre a partir de um estímulo que causa a detonação da carga emocional no tronco encefálico, passando por três processos distintos: o sentir — processo intrapsíquico; o expressar — tradução da emoção por palavras, que é um processo verbal; e o atuar — que se traduz pela expressão corporal das emoções sentidas e verbalizadas.
Na visão de Cury (2001, p. 34),
A emoção é um campo de energia em contínuo estado de transformação. Produzimos centenas de emoções diárias. Elas se organizam, se desorganizam e se reorganizam num processo contínuo e inevitável.
E, neste vai e vem de energia e emoções, experimentamos sensações e sentimentos agradáveis e desagradáveis.
Segundo Golleman (1995, p. 70):
Não se trata de evitarmos os sentimentos desagradáveis, para que fiquemos satisfeitos, mas de não permitir que sentimentos tempestuosos nos arrebatem, atrapalhando o nosso bem-estar.
Assim,
A inteligência emocional abarca qualidades como a compreensão das próprias emoções, a capacidade de nos pormos no lugar de outras pessoas e a capacidade de controlarmos as emoções de forma a melhorar a qualidade de vida (MÁRTIN E BOECH, 2002, p. 17).
Neste momento, em que a educação de crianças e jovens é algo tão complexo para os pais, educadores e escola, urge buscar estudos e pesquisas científicas que contribuam para “formar” seres independentes, que compreendam o ponto de vista do outro, com capacidade de controle emocional, para então se reverter o quadro contemporâneo.
A escola ainda proporciona uma aprendizagem voltada ao desenvolvimento do pensamento puramente cognitivo, e em contrapartida grande parte do pensamento exigido fora dela exige do sujeito capacidades muito mais voltadas para a gestão de situações adversas, de gerenciar pessoas, com desenvolvimento das inteligências intra e interpessoais. Portanto, a escola precisa sair da posição de uma visão uniforme de educar para uma visão muito mais ampla, conceituada por Gardner (2000) como uma escola mais humanista, centrada no indivíduo, e que desenvolva todos os âmbitos, não somente o aspecto cognitivo dos alunos.
Diante da realidade contemporânea, evidenciada pela complexidade de educar numa sociedade ansiosa, consumista, com crianças e jovens que valorizam o “ter” (brinquedos, celulares, roupas de marca, objetos), com informações rápidas e relações fugazes, é importante compreender o novo papel da escola, esta como um espaço educacional multiplicador de pessoas que pensam, que vivem em um momento histórico e social de “vida tecnológica”, de seres que necessitam de qualidade de vida e saibam gerenciar esses pensamentos, essas situações e reações emocionais.
Observa-se que a sala de aula hoje permeia um espaço de pessoas ansiosas, tensas, sem relacionamentos mais profundos, superficiais, produto da mudança de valores desse novo milênio e das novas configurações que originaram um novo comportamento; portanto, é importante que a emoção vá à escola, e as instituições de ensino desenvolvam em seus alunos a arte de conviver com suas emoções, e não apenas passar conhecimento técnico, não se pode perder de vista a sensibilidade humana. Para tal, é necessária a inclusão de um currículo voltado também para o desenvolvimento da inteligência multifocal, base para o desenvolvimento da competência emocional do indivíduo.
Segundo Cury (2001), para reverter essa situação, não é preciso tomar remédios ou fazer terapia. Se os jovens tivessem aulas específicas de educação socioemocional, o panorama seria totalmente diferente. A ideia principal é ensinar aos estudantes a lidar melhor com suas emoções e com sua inteligência. A aptidão emocional influi em todos os aspectos básicos da vida.
Certamente, cada vez mais se exige do professor que desenvolva em seus alunos a capacidade de controle emocional; para tal, a relação pedagógica torna-se cada vez mais de ordem afetiva. É fundamental a transformação de uma concepção do professor de uma perspectiva intelectual para uma perspectiva afetiva; assim, é necessária uma restauração da afetividade no espaço escolar na relação humana; inclusive na relação professor-aluno, não há como separar mais a razão dos sentimentos e das emoções.
Augusto Cury traz a educação socioemocional como o futuro da educação mundial. Para o autor, a teoria sobre inteligência multifocal ajuda a desenvolver a educação socioemocional. As instituições de ensino devem oportunizar, além da construção de lições de conhecimento técnico, construções de lições mútuas da vida, que permitirão que seus alunos convivam com suas emoções.
Professores e alunos convivem juntos durante anos sem cruzar suas histórias. Os alunos saem das escolas e universidades com diplomas nas mãos, mas despreparados para lidar com desafios, confrontos, decepções e fracassos. Em geral, têm dificuldades em interpretar as imagens, libertar a criatividade e apresentar a liderança do Eu nos focos de tensão. Para Postic (1990, p. 115).
O docente que oferece ao jovem a possibilidade de se empenhar nas atividades e, por isso, de ultrapassar a fase familiar da reciprocidade afetiva para chegar a um investimento de si mesmo na situação irá adquirir a sua autonomia.
Para Cury, na aplicação da teoria da inteligência multifocal, os alunos podem ser estimulados a se colocar no lugar do outro, a expor suas ideias, a pensar antes de reagir, a filtrar os pensamentos não positivos, a prevenir o estresse e fundamentalmente a trabalhar perdas e frustrações. O desenvolvimento dessas funções é primordial para o não adoecimento; certamente, é quase impossível não adoecer nessa sociedade já adoecida coletivamente, na qual tudo é fugaz, rápido e urgente.
A educação emocional voltada para a formação de pensadores, portanto pautada no desenvolvimento da inteligência multifocal, na ampliação da consciência crítica na construção de relações interpessoais e na formação da personalidade, visa também à prevenção de doenças psíquicas de nossas crianças e jovens e certamente irá produzir uma sociedade mais justa, igualitária, empática e humana.
Assim, pais e professores, escola e comunidade, famílias e sociedade, podem, juntos, construir um novo paradigma que será passado de geração para geração promovendo a sustentabilidade do ser humano saudável, capaz de administrar os pensamentos, ações, as emoções, reconhecer os erros e ressignificar o caminho. Certamente, a transformação da escola oportunizará a mudança das atitudes e construirá a arte de pensar e a autonomia que humaniza. É importante que educadores tenham a consciência de que educar crianças e jovens é penetrar um no mundo do outro. A educação socioemocional pauta-se na EMOÇÃO na escola… em permitir que a EMOÇÃO chegue na escola e seja vivenciada… diariamente…
Considerações finais
Rosangela Nieto de Albuquerque é Ph.D. em Educação, pós-doutoranda em Psicologia Social, doutoranda em Psicologia Social, Mestra em Ciências da Linguagem, professora universitária de cursos de graduação e pós-graduação, coordenadora de cursos de pós-graduação em Educação, psicopedagoga clínica e institucional, analista em Gestão Educacional, pedagoga. Autora de projetos em Educação, autora da implantação de uma clínica-escola de Psicopedagogia como projeto social. Autora de três livros: Neuropedagogia e Psicopatologias, Psicoeducação e Neuropsicologia. E-mail: rosangela.nieto@gmail.com
A escola e os educadores devem repensar sua práxis educativa em relação à importância de promover o ajustamento emocional de seus alunos. Dessa forma, torna-se fundamental a educação emocional, que consiste na compreensão das emoções individuais, na percepção dos fatores motivacionais de tais emoções e na análise de como foram adquiridas. Trata-se, portanto, de uma nova visão educacional que tem como objetivo conhecer o mundo das emoções a fim de proporcionar o bem-estar e consequentemente a melhoria de qualidade de vidas das pessoas.
Educar as crianças e jovens com atenção às competências emocional e social estabelece uma medida preventiva para os indicadores do mal-estar da modernidade. É imprescindível a inserção de uma educação emocional no currículo, principalmente nas escolas públicas, onde os alunos são vítimas da desigualdade social, sendo alvos de alienação e pressão que poderão lhes causar sérios colapsos nas relações com a sociedade.
A escola não deve se limitar a simplesmente transmitir conhecimentos sistemáticos e desenvolver somente o aspecto cognitivo, é necessário refletir o panorama educacional brasileiro que clama por mudanças significativas. É fundamental que a escola tenha como metodologia básica uma educação emocional; esse espaço funcionará como multiplicador de pessoas que pensam, com reflexão crítica, que aceitam as diferenças, que saibam tomar decisões em prol do bom convívio social, que saibam refletir antes de agir, que tenham qualidade de vida, enfim, de pessoas que compreendam, expressem e avaliem suas emoções, identificando-as e controlando-as a fim de solucionarem problemas e conflitos surgidos nas mais variadas situações cotidianas de sua vida, seja no ambiente familiar, escolar, na comunidade ou no trabalho, e que principalmente valorizem a vida.
REFERÊNCIAS
ACIOLLY, Jessé. ATHAYDE, Angelina de. Educação emocional – o caminho para a competência emocional. Salvador: Santa Helena, 1996.
ANTUNES, Celso. As inteligências múltiplas e seus estímulos. 6. ed. Campinas, SP: Papirus, 2000.
_______Novas maneiras de ensinar, novas formas de aprender. Porto Alegre: Artmed, 2002.
CODO, Wanderley (Org.). Educação: carinho e trabalho. Burnout: a síndrome da resistência do educador que pode levar à falência da educação. Petrópolis: Vozes, 1999.
CURY, Augusto. Treinando a emoção para ser feliz. São Paulo: Academia de Inteligência, 2001.
FAZENDA, Ivani (Org.). A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. 2. ed. Campinas: Papirus, 1997.
GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas – a teoria na prática. Tradução de Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
GOLLEMAN, Daniel. Inteligência emocional – a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. 37. ed. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
MÁRTIN, Dóris. BOECK, Karin. QE – o que é a inteligência emocional – como conseguir que as nossas emoções determinem o nosso triunfo em todas as situações. 2. ed. Tradução de Manuel J. F. Bernardes. Cascais, 2002.
POSTIC, Marcel. A relação pedagógica. Coimbra: Coimbra Editora, 1990.
SILVA, Antonio Carlos Ribeiro da. Metodologia da pesquisa aplicada à contabilidade: orientações de estudos, projetos, relatórios, monografias, dissertações. São Paulo: Atlas, 2003.
VALLE, Edênio. Educação emocional. 2. ed. São Paulo: Olho d’Água, 1997.