Edição 70

Espaço pedagógico

A importância de se avaliar a competência de quem ensina

Pedro Demo

entrevista

Primeiro, é importante avaliar o professor porque seria contraditório ao extremo avaliar e evitar ser avaliado. Tais contradições são, porém, comuns em nossa vida concreta. Por exemplo, não se pode contestar e impedir que nos contestem nem podemos querer inovar os outros sem que nós mesmos nos inovemos. Os lógicos querem inovar os outros sem que nós mesmos nos inovemos. Os lógicos chamam a essa contradição de contradição performativa, sugerindo que, com ela, desfazemos o que propomos, por ser contraditório. Assim, um professor que foge de ser avaliado não pode avaliar, porque nega para si o que pretende fazer com os alunos. Hipocrisia grossa! Quando questionamos os outros e impedimos que os outros nos questionem, não estamos propriamente molestando os outros; estamos, mais propriamente, anulando nossa condição de questionar. É um bumerangue: volta contra nossa própria cara.

Segundo, fugindo da avaliação, o professor tenta ignorar — muito inutilmente — que chegou a ser reconhecido como professor porque, entre outras coisas, foi sistematicamente avaliado durante seu período formal de formação. Por isso mesmo não “elegemos” o professor em assembleia, por exemplo, pois valorizamos nele a competência técnica própria, amealhada no processo de estudo bem avaliado.

O professor não se reduz à competência técnica (há outras muito decisivas, como competência emocional, política, pedagógica), mas é referência fundamental. Um alfabetizador que, por acaso, não soubesse alfabetizar, teria sido reconhecido como professor sem devida avaliação, assim como um cirurgião que não soubesse fazer cirurgia. Na verdade, a autoridade reconhecida para avaliar provém, em grande parte, de ter sido bem avaliado. Quando se convida um palestrante, esse convite está muito proximamente vinculado à avaliação que se faz dele. Seria procedimento estranho e incorreto convidar um palestrante sem avaliar se merece ser convidado.

Terceiro, observando os dados de rendimento escolar produzidos sistematicamente, por exemplo, pelo Sistema de avaliação da educação básica (Saeb – Inep/MEC), que são muito amargos — sugerem que a aprendizagem é péssima —, somos induzidos fortemente a não só lamentar o baixíssimo desempenho dos alunos, mas principalmente a questionar o desempenho dos professores. Quando quase 20% dos alunos, estando já no 5º ano, não sabem ainda quase nada, duas coisas vêm à cabeça: nunca foram avaliados minimamente; e o professor não dá conta de sua tarefa de alfabetização. Por certo, a baixa aprendizagem não depende apenas da escola ou do professor. Seria absurdo colocar isso apenas nos ombros da comunidade escolar. Há fatores externos poderosíssimos, como pobreza das famílias e suas crianças, neoliberalismo, políticas educacionais ineptas, desvio de recursos da educação, etc. Entretanto, se o aluno frequentar os 200 dias de aula previstos desde 1997, não poderá, mesmo sendo muito pobre, chegar ao 5º ano não sabendo quase nada. Aí há um problema também com os professores alfabetizadores. Isso precisa ser aberto e sistematicamente avaliado, não encoberto. Os dados produzidos pelo Saeb são, como todos os dados, questionáveis. Eles não refletem diretamente a realidade, mas apenas um olhar interpretativo limitado e contextualizado. Por isso, os dados do Saeb são ilustrativos, não compulsórios.

Quarto, avaliar o professor é indispensável por uma razão muito maior: cuidar do professor. Não se avalia para humilhar, excluir, maltratar, mas cuidar tanto mais e melhor. Compreende-se o medo da avaliação, porque pode facilmente desandar em arma contra o professor.

Todavia, se o objetivo é garantir a aprendizagem dos alunos, a avaliação do professor insere-se nesse mesmo objetivo. É feita em favor, não em desfavor do professor.

Pedro Demo é Ph.D. em Sociologia pela Universidade de Saarbrüchen, Alemanha. Pós-doutor pela University of California at Los Angeles (UCLA) e professor-titular da Universidade de Brasília (UnB).

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