Edição 129

Espaço pedagógico

A utilização do software logo para o ensino de geometria e a introdução à linguagem computacional

Hugo Santos Duarte
Ítalo D’Artagnan Almeida

RESUMO

Este artigo tem como proposta apresentar a visão de um estudo de caso feito em uma turma do 1º ano do Ensino Médio do Colégio Zuleide Constantino, localizado na cidade do Jaboatão dos Guararapes/PE, sobre a utilização do software Logo para o ensino de Geometria. A pesquisa se delineou em razão da ideia de trazer para a sala de aula um momento em que os educandos poderiam estar em contato com o conteúdo vivenciado na disciplina e, ao mesmo tempo, ter um primeiro contato com a ideia de linguagem computacional. A coleta de dados foi realizada em dois momentos: no primeiro, foi apresentada a plataforma que seria empregada e alguns comandos; no segundo, foi destinada, aos educandos, uma atividade em que realizaram a construção das figuras propostas. Os resultados revelam que o interesse dos alunos aumentou com a utilização do software que potencializa o aprendizado da linguagem computacional, visto que é uma área que está crescendo atualmente, favorecendo a compreensão dos conteúdos. Portanto, é possível utilizar ferramentas de diferentes propostas para o ensino da Geometria e, consequentemente, da Matemática, de forma a sair do ensino tradicional, incentivando os educandos que passaram muito tempo em contato com a tecnologia devido à situação recente da pandemia de Covid-19.

Palavras-chave: Software, Logo, Geometria, Matemática.

INTRODUÇÃO

A necessidade de adaptação devido à pandemia de Covid-19 trouxe, ainda mais para dentro da educação, a utilização de ferramentas tecnológicas. Essas ferramentas, que serviram para manter as aulas durante o período pandêmico, hoje servem de estratégias de ensino e, cada vez mais, tornam-se importantes para o aprendizado, principalmente com o crescente contato dos educandos com a tecnologia e a alta do mercado tecnológico.

Nisso, a linguagem Logo, criada por Seymour Papert, possibilita ao educando se desenvolver de forma autônoma, pois tem como proposta principal trabalhar em cima do erro; com a filosofia baseada no Construtivismo de Piaget, o educando consegue estudar por meio de um software de introdução à linguagem e lógica computacionais, trabalhando conceitos geométricos.

No livro Paulo Freire e Seymour Papert: educação, tecnologias e análise do discurso, Flavio Rodrigues Campos destaca a ideia de Papert sobre a utilização do computador como uma ferramenta de educação que deve ser explorada pelo educando a fim de fazê-lo pensar através do fazer. Assim, o autor nos traz “[…] que o computador deve permitir a construção de conhecimento através do aprender fazendo e do pensar sobre o que está fazendo […]” (CAMPOS, 2013, p. 68).

Hoje existe a percepção de um maior desinteresse dos educandos no que diz respeito às aulas tradicionais — aborda-se aqui as aulas que não utilizam os recursos digitais — devido às inúmeras possibilidades que eles têm com os smartphones, o que se torna um grande atrativo. Dessa forma, é necessário montar estratégias que dialoguem com o momento vivido, fazendo com que o estudante volte a demonstrar interesse no que está sendo transmitido pelo professor com o auxílio das ferramentas tecnológicas digitais.

Esse diálogo pode ser feito com a utilização de programas computacionais, a exemplo do Logo, que trazem para a sala de aula uma proposta de aprendizagem e ensino que vai além do conteúdo, introduz uma linguagem computacional, fazendo com que o educando demonstre um interesse maior naquilo que está sendo apresentado, visto que estará produzindo algo com suas próprias ideias e corrigindo seus próprios erros com o intuito de chegar a um objetivo.

METODOLOGIA

Pensando em criar um momento em que os educandos pudessem sair do método tradicional de ensino na disciplina de Geometria, realizou-se uma atividade no Colégio Zuleide Constantino, que fica localizado na cidade do Jaboatão dos Guararapes/PE, com os educandos do 1º ano do Ensino Médio, 23 alunos do turno matutino e 25 do vespertino. Para a realização da atividade, a escola disponibilizou a Sala Conexões — sala de informática com acesso a notebooks e rede —, de forma que os educandos pudessem, de fato, participar ativamente, em sua individualidade, do aprendizado.

Após a explicação do conteúdo de polígonos — que faz parte da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como conteúdo de Geometria, de acordo com a habilidade EF07MA27 – Calcular medidas de ângulos internos de polígonos regulares, sem o uso de fórmulas, e estabelecer relações entre ângulos internos e externos de polígonos, preferencialmente vinculadas à construção de mosaicos e de ladrilhamentos —, realizou-se uma análise de como o assunto poderia ser trabalhado de forma lúdica para que os educandos desenvolvessem habilidades paralelas.

Dessa forma, pensando no desenvolvimento de habilidades voltadas à área da computação — de acordo com a competência específica 4 – Compreender e utilizar, com flexibilidade e precisão, diferentes registros de representação matemáticos (algébrico, geométrico, estatístico, computacional, etc.), na busca de solução e comunicação de resultados de problemas —, foi escolhida, para a condução da atividade, a plataforma AF Logo, a que se tem acesso de forma online, sem a necessidade de download de programas, o que facilita o acesso dos educandos na escola e, posteriormente, em casa (a plataforma AF Logo pode ser acessada pelo link: https://www.adrianofreitas.com/mnu-projeto-af-logo).

Desse modo, na plataforma AF Logo o cursor é representado por uma tartaruga. O cursor realiza todas as ordens dadas com base em referências matemáticas, como: para girar a tartaruga, é necessário indicar direita ou esquerda e a angulação em que ela deve efetuar o giro, possibilitando o desenvolvimento matemático e geométrico.

A atividade se desenvolveu em dois momentos, com propostas definidas para o melhor aproveitamento. No primeiro momento, os educandos participaram de uma aula expositiva como ouvintes ativos, para, dessa forma, conhecerem a plataforma e suas especificidades.

Ainda no primeiro momento, os educandos questionaram se havia um jeito mais prático de fazer a construção do quadrado, sem a necessidade de repetir várias vezes o mesmo comando, já vislumbrando o trabalho que seria para construir figuras regulares com uma maior quantidade de lados. Assim, foi demonstrado o comando REPITA, onde a tartaruga iria repetir um comando dado uma quantidade de vezes indicada. Sendo assim, foi efetuado o comando REPITA 4 [FRENTE 100, DIREITA 90].

Para o segundo momento, a turma foi dividida em grupos com dois ou três educandos, e foram distribuídos polígonos regulares para que eles pudessem desenvolver a construção com a utilização do AF Logo. Dessa maneira, figuras como triângulo, pentágono, hexágono, octógono, entre outros, todos regulares, foram propostas para cada grupo, sendo, inicialmente, construídas separadamente, uma de cada vez, com o intuito de desenvolver uma estratégia que pudesse servir para a construção de todos os polígonos propostos.

Para o encerramento da atividade, no final do segundo momento, foram discutidas algumas questões que surgiram como dúvidas ao longo do percurso para que o assunto pudesse ser bem fixado pelos educandos.

Assim, realizou-se uma revisão com base nas estratégias utilizadas na atividade e como elas se encaixavam nos assuntos que haviam sido abordados como conteúdo curricular. Além disso, também foram debatidas e discutidas as funcionalidades de um programa e seu funcionamento, como a questão de usar o computador para comandar, e não apenas para realizar atividades prontas, trazendo à tona um pouco de como a lógica computacional funciona.

REFERENCIAL TEÓRICO

Com o intuito de ser utilizado por pessoas de todas as idades, o Logo é uma ferramenta construtivista desenvolvida pelo sul-africano Seymour Papert, que trabalhou com Piaget e usou conhecimentos do construtivismo para chegar ao software, que é utilizado em diversos países. O software em questão tem como fundamentos a linguagem que leva o mesmo nome: Logo, desenvolvida pelo próprio Papert, e tem como proposta ser uma ferramenta de fácil uso, para que possa ser manipulada por qualquer tipo de público.

Nesse sentido, o Logo é uma linguagem de programação focada no ambiente escolar/educacional e em pesquisas na área da Inteligência Artificial (IA) que pode ser adaptada a qualquer metodologia aplicada pelo educador. A princípio, por ser baseado no erro, e é nesse aprendizado que o educando desenvolve a reflexão decorrente dos comandos dados (LOGO, 2022).

Vendo a necessidade de inovação e melhor utilização da tecnologia em sala de aula, Papert desenvolveu a ideia que objetivava o computador como uma ferramenta para o aprendizado, não apenas como fornecedor de informações, mas, sim, um receptor, em que o educando é colocado no controle da máquina e diz a ela o que fazer. Em consonância com o autor supracitado, “[…] ao ensinar o computador a ‘pensar’, começa a explorar como ocorre seu próprio pensamento” (SEYMOUR, 1985, p. 35).
De acordo com os princípios desenvolvidos por Papert, o Logo possibilita ao educando, com base no erro, refletir sobre o que deseja formar e, baseado em seus conhecimentos, desenvolver estratégias de construção até conseguir reproduzir o que havia imaginado previamente. Isso coloca o educando como protagonista, visto que ele vai precisar, em caso de erro, identificar e desenvolver uma estratégia para que possa reparar tal erro, conseguindo, assim, concluir o pensamento inicial.

Essa estratégia viabiliza o ensino e o aprendizado do educando, principalmente porque se baseia nas concepções construtivistas de Piaget. Para Piaget (1972/1973, p. 32), “O ideal da educação não é aprender ao máximo, maximizar os resultados, mas é antes de tudo aprender a aprender; é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver depois da escola’’.

Para Fossile (2010), a aprendizagem não pode ser compreendida como o resultado do desenvolvimento do educando, mas, sim, como o desenvolvimento do educando propriamente dito. Ou seja, todo o processo se faz dentro do desenvolvimento pedagógico para o crescimento reflexivo. É notório que muitos professores ainda se mantêm resistentes às inovações tecnológicas, pautando sua didática e práxis pedagógica num cerne mais tradicional, contudo a inovação se faz necessária para que consigamos atrair a atenção dos educandos e envolvê-los num aprendizado mais significativo, principalmente nas disciplinas de Exatas, que tradicionalmente se repetem na resolução de questões, mas não na sua compreensão.

Para Papert (1985, p. 54):

[…] O contexto para o desenvolvimento humano é sempre uma cultura, não uma tecnologia isolada. Na presença de computadores, as culturas podem mudar e, com elas, as maneiras de as pessoas aprenderem a pensar. Mas, se quisermos entender (ou influenciar) as mudanças, temos que focar nossa atenção na cultura, não no computador.

Ademais, cabe ao professor desenvolver estratégias que possam desenvolver habilidades e estratégias para a solução dos problemas, mesmo que ocorram erros, e não criar uma mecânica de resolução em que o educando apenas irá seguir um passo a passo para resolver um determinado problema, porém sem o entendimento do que está sendo realizado, mas, sim, dando a autonomia necessária para o desenvolvimento do pensamento crítico necessário para a resolução.

Para isso, Boaler (2018, p. 11) nos traz que “Toda vez que um educando comete um erro de matemática, ele cria uma sinapse […] É em um momento de dificuldade, no qual o cérebro é desafiado, que ele cresce”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com o constante aumento do uso diário da tecnologia, foi notória a satisfação inicial dos educandos quando o modelo da aula planejada foi informado. Primeiramente, por estar tirando-os de uma rotina de aulas de modelo tradicional; além disso, pelo uso da tecnologia para trabalhar o assunto, introduzindo também um pouco dos conceitos e das ideias da programação.

É importante frisar que o ensino tradicional (lousa, livro didático e resolução de problemas) não deve ser retirado da práxis pedagógica do professor de Matemática, mas, sim, deve ter um aliado na tecnologia para o melhor desenvolvimento da capacidade dos educandos de resolverem problemas.

No primeiro momento, buscou-se como exemplo a construção do quadrado, e foi questionado aos educandos o que deveriam fazer para que a tartaruga construísse tal figura. Esse questionamento possui como intuito o desenvolvimento e a percepção espacial de movimento e as reflexões que a implicam. Dessa forma, foi concluído que deveriam fazer a tartaruga andar e efetuar um giro de 90º utilizando os comandos FRENTE 100 (andar 100 passos para frente) e DIREITA 90 (girar 90º graus para a direita), quatro vezes (ver Figura 01).

Figura 01. Construção do quadrado no Logo

Fonte: Os autores (2022).

No momento prático da construção das demais figuras, foram relatadas algumas dificuldades, como a angulação que deveria ser utilizada para efetuar o giro, o que reafirmou a proposta do programa de construção a partir do erro. Tal dúvida fez com que os educandos desenvolvessem uma estratégia que funcionou para todas as figuras que foram construídas. Essa estratégia foi criada com base no fato de a soma dos ângulos externos de um polígono ser sempre igual a 360º, o que os levou a sempre efetuar a divisão entre 360º e a quantidade de lados do polígono regular em questão.

Alguns educandos, ainda com a demonstração de como utilizar comandos onde a figura já estaria sendo mostrada de forma direta, preferiram utilizar o método do comando após comando, para que, assim, pudessem ver o que estava sendo realizado, permitindo uma correção imediata em caso de erro (ver Figura 02).

Figura 02. Atividade prática de construção dos polígonos

Fonte: Os autores (2022).

Tal estratégia se mostrou eficaz no início, até existir um entendimento do padrão que deveria ser seguido na construção dos polígonos regulares, o que desenvolveu nos educandos a autonomia da escolha do melhor método para o seu aprendizado. Dessa forma, os educandos faziam as figuras passo a passo e, posteriormente, utilizavam os comandos imediatos para a construção (ver Figura 03).

Figura 03. Construção de mosaico feita no Logo por um educando

Fonte: Os autores (2022).

A construção da Figura 03 foi realizada por um educando, que conseguiu unir seis polígonos com o tamanho dos lados em comum no mesmo mosaico, utilizando a estratégia do REPITA X [FRENTE 100; DIREITA Y], que foi utilizada para a construção individual dos polígonos regulares, onde X seria o número de lados do polígono regular; e Y, o valor do ângulo externo, de acordo com os passos abaixo:

• Passo 01: REPITA 3 [FRENTE 100; DIREITA 120]

• Passo 02: REPITA 4 [FRENTE 100; DIREITA 90]

• Passo 03: REPITA 5 [FRENTE 100; DIREITA 72]

• Passo 04: REPITA 6 [FRENTE 100; DIREITA 60]

• Passo 05: REPITA 8 [FRENTE 100; DIREITA 45]

• Passo 06: REPITA 10 [FRENTE 100; DIREITA 36]

A utilização de tal estratégia faz com que o educando possa desenvolver seu raciocínio perante a soma dos ângulos externos de um polígono, no caso os regulares, além de executar os comandos de forma mais simples e direta, utilizando ideias da computação, tornando a realização da atividade mais fácil.

Durante a atividade, foi notória a empolgação maior de alguns educandos. Estes, após algumas conversas, declararam o interesse em trabalhar futuramente na área da tecnologia e que a atividade utilizando o programa Logo fez com que essa vontade ficasse maior.

Em contrapartida, devido à utilização de conceitos geométricos para o desenvolvimento da atividade, percebeu-se o desânimo de parte de alguns educandos, que declararam não ter tanto interesse nas disciplinas de Exatas por diversas razões, como, por exemplo, dificuldade de entendimento e por “ser ruim” nesse tipo de disciplina desde criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização de programas como estratégia educacional é um ponto que ainda gera resistência em grande parte dos profissionais da área da educação. Porém, além de proporcionar ao alunado uma experiência fora do âmbito tradicional de aulas, podem ser feitas atividades a fim de dialogar com outras áreas de aprendizagem e, até mesmo, com o ensino tradicional — livro didático, lousa e resolução de problemas.

O aplicativo Logo proporciona ao educando uma experiência que, por muitas vezes, não se tem ao longo dos anos escolares, que é a de trabalhar de forma ativa com a utilização de computadores, não apenas os utilizando como fonte de pesquisa, mas, também, formando e criando aquilo que se deseja, de forma simples e direta, o que torna o programa bastante fácil de ser utilizado e atrativo aos que têm maior dificuldade na utilização de computadores.

É perceptível o interesse por parte dos educandos quando podem exercer alguma atividade em que vivenciam algo diferente do tradicional. No final, até os educandos que se mostram mais resistentes ao processo tendem, pelo menos, a efetuar uma tentativa do que está sendo proposto. Isso faz com que trabalhem diferentes áreas do aprendizado que não são proporcionadas tão bem com a sala de aula tradicional.


Hugo Santos Duarte é professor de Matemática, Matemática Aplicada à Computação e Geometria, no Colégio Zuleide Constantino e no Colégio Núcleo.
E-mail: hsduarte27@gmail.com.

Ítalo D’Artagnan Almeida é doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professor de Geografia no Colégio Zuleide Constantino e na Rede Municipal do Recife.
E-mail: italo.dalmeida@ufpe.br.

Referências

BOALER, J. Mentalidades matemáticas. Instituto Sindarta: São Paulo, 2018.

CAMPOS, F. R. Paulo Freire e Seymour Papert: educação, tecnologias e análise do discurso. Curitiba: CRV, 2013.

FOSSILE, D. K. Construtivismo versus sociointeracionismo: uma introdução às teorias cognitivas. Revista Alpha, Patos de Minas: Unipam, 2010.

INHELDER, B.; PIAGET, J. Trad.: Dante Moreira Leite. Da lógica da criança à lógica do adolescente: ensaio sobre a construção das estruturas operatórias formais. São Paulo: Pioneira, 1976.

PAPERT, S. M. Tradução e prefácio de José A. Valente Logo: Computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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