Edição 93
Profissionalismo
Arte na Educação Infantil
Paty Fonte
O trabalho artístico possibilita ampliar as formas de expressão e o universo criativo e imaginário das crianças.
“A arte capacita um homem ou uma mulher a não ser um estranho em seu meio ambiente nem estrangeiro no seu próprio país. Ela supera o estado de despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual pertence, reforçando e ampliando seus lugares no mundo.”
Ana Mae Barbosa
A arte é uma linguagem especial. É utilizada para que o ser humano possa mergulhar dentro de si mesmo, trazendo à tona emoções do próprio ser. Por isso, quando um homem quer falar ao coração dos outros homens, ele o faz pela linguagem da arte. Quando isso acontece, naquele homem sente e age o ARTISTA.
O ensino atual, conteudista, fragmentado e massificante, não explora todas as possibilidades que existem dentro e fora da instituição escolar e de si mesmo.
O grande desafio é caminharmos para uma educação eficaz e de qualidade, que integre todas as dimensões do ser humano. Para tal, precisamos de pessoas que façam integrações de si mesmas no que concerne aos aspectos sensorial, intelectual, emocional, ético e tecnológico. Além disso, que transitem de forma fácil entre o pessoal e o social, que expressem através de palavras e ações que estão sempre evoluindo, mudando e avançando.
Nas produções artísticas das crianças, são comuns alguns desenhos estereotipados, como a casinha, a árvore de maçãs, o “homem palito”, pássaros em forma de um “v” e sol com carinha, pois são essas figuras que as crianças veem espalhadas pelos murais da própria escola, em revistas ou até mesmo na TV.
A ideia de variar os instrumentos para criação artística auxilia o pensar em novas possibilidades. Como desenhar usando spray, roll on ou conta-gotas? Além de desenvolver a coordenação motora fina e ampla de forma divertida, são propostos desafios para os alunos pintarem e desenharem, descobrindo, com o professor, novas maneiras de realizar esses desenhos ampliando o conhecimento e desenvolvendo a expressão. O ensino de Arte aborda uma série de significações, tais como: o senso estético, a sensibilidade e a criatividade.
“O desenho é um pedacinho da alma criança deitado num papel.” Claparède
Cabe ao professor pensar na criança em um universo amplo, onde não seja estereotipada; mas, sim, estimulada a criar e respeitar as suas produções e as dos colegas, enxergar o mundo com seus olhos, mostrar-lhe vários caminhos que a levará a um aprendizado maior.
Pensar na criança como um ser inocente e sem critérios estéticos é seguramente ignorar e menosprezar sua capacidade. Devemos percebê-las, sim, como construtoras de seu próprio universo, onde suas atitudes e observações são parte deste mundo próprio, onde há a concessão de participarmos dele. É nessa independência e atemporalidade que o universo infantil se baseia, nos interesses rápidos e vorazes, nas criações e no faz de conta dessas criaturas ávidas de prazer e vida.
O educador deve estimular, encorajar e apreciar o resultado do esforço infantil. Jamais procure coisas “erradas” para apontá-las ou modificá-las. A criança que é sensibilizada em suas relações com o meio enriquece suas observações e experiências.
Jamais interferir, ajudar ou modificar o trabalho de uma criança. A expressão gráfica livre é o registro da personalidade infantil. Cabe aqui uma frase de D. Helder Camara: “Ótimo que sua mão ajude o voo, mas que ela jamais se atreva a tomar o lugar das asas”.
Quando as habilidades infantis são estimuladas, ajudam no processo de aprendizagem, pois desenvolvem a percepção e a imaginação — recursos indispensáveis para a compreensão de outras áreas do conhecimento humano. Estabelecendo, sempre, um diálogo entre todos os participantes da turma — que é uma questão fundamental para que haja uma comunicação ampla —, que será estendida, desenvolvido, trabalhado, estimulado, aprimorado e praticado com constância para que a criança tenha o máximo desempenho de sua capacidade cognitiva.
Aprendemos a olhar o mundo de várias maneiras. Mais ou menos sensíveis, críticos, distraídos, autoritários, etc. Essa percepção carrega uma enorme contribuição daqueles que nos ensinaram a contemplar esse universo de informações que absorvemos durante a vida. Dependendo de como cada coisa, ser ou espécie nos foi exposta, do respeito que recebeu, dos atos que observou, do tom de voz que foi usado para esse contato, das interpretações que ocorrem.
Segundo Dewey, enquanto experiência, a arte faz parte das relações que o homem estabelece com seu entorno, isto é, a arte ganha um caráter prático e articula-se com a vida e a cultura.
A criança trabalha com as mãos, aprendendo e apreendendo o mundo; vê através delas, manipulando e modificando, destruindo e construindo, observando, mas, sobretudo, criando. Através das atividades lúdicas, a criança consegue se exprimir; entretanto, também se torna necessário mostrar-lhe alternativas, perspectivas e concepções: a arte como coautora da nossa sociedade — ampliando, assim, sua visão de possibilidades, na experiência entre o real e o imaginário, do comparativo e do demonstrativo da realidade humana.
A arte, ou expressão artística, é um dos maiores instrumentos de avaliação com que o educador pode contar. Através dela, pode-se avaliar o grau de desenvolvimento mental das crianças, suas predisposições, seus sentimentos, além de estruturar a capacidade criadora, desenvolver o raciocínio, a imaginação, a percepção e o domínio motor.
A criança, mesmo antes de aprender a ler e a escrever, reage positivamente aos estímulos artísticos, pois ela é criadora em potencial. Nessa fase, as atividades de artes fornecerão ricas oportunidades para o desenvolvimento das crianças, uma vez que põem ao seu alcance os mais diversos tipos de material para manipulação.
Na escola, quanto maiores forem as oportunidades de descobertas, manipulações e construções que o educador oferecer às crianças, maiores serão as chances de um desenvolvimento harmonioso e compatível com suas possibilidades. Sendo assim, entre os cantinhos exploratórios, não pode faltar um dedicado às artes. Quando se desenha ou se desenvolve uma atividade artística criativa, podemos dizer que se vive um momento de introspecção. Um tempo para si, de reflexão e de expressão sobre si mesmo e o mundo que o cerca. Dentro do processo de construção de conhecimentos e significados, é evidente que desenvolver a percepção é um objetivo importantíssimo. E, para concretizá-lo, é preciso que a escola, entre outras coisas, dedique mais tempo e abra mais espaço às artes.
É necessário atentar para como as crianças se aproximam e agem em relação ao aspecto artístico do conhecimento, essas observações ajudarão o professor a planejar, sabendo como propor experiências, atividades e situações que façam avançar as percepções e observações das crianças, bem como seu repertório de saberes.
Um cantinho artístico exclusivo na sala de aula favorecerá as práticas interdisciplinares dentro de uma proposta construtiva, em que o educador poderá atuar de um modo mais criativo e direto, oferecendo às crianças oportunidades para que expressem seus sentimentos e anseios, através de atividades de pintura, modelagem, expressão corporal, músicas e brincadeiras diversificadas.
O uso constante do cantinho das artes desenvolverá nas crianças sua imaginação e sua sociabilidade, além de dominar as angústias e os medos que aparecem mesclados de fantasia e realidade. Destaco aqui a importância de oferecer os mais diversos materiais a fim de transformar a sala de aula e seu cantinho num ambiente realmente estimulante e significativo, propício às descobertas e à construção de conhecimentos.
Dentre os objetivos do cantinho das artes, destaco:
Produção de trabalhos artísticos utilizando a linguagem do desenho, da pintura, da modelagem, da colagem, da construção, desenvolvendo o gosto, o cuidado e o respeito pelo processo de produção e criação.
Levar o aluno a se expressar e se comunicar em artes mantendo uma atitude de busca pessoal e/ou coletiva, articulando a percepção, a imaginação, a emoção, a sensibilidade e a reflexão ao realizar e fluir produções artísticas.
Promover espaço de interação com materiais, instrumentos e procedimentos variados em artes, experimentando-os e conhecendo-os de modo a utilizá-los nos trabalhos pessoais.
Edificar uma relação de autoconfiança com a produção artística pessoal e o conhecimento estético, respeitando a própria produção e a dos colegas, no percurso de criação que abriga uma multiplicidade de procedimentos e soluções.
As artes também comunicam e expressam volume, espaço, cor e luz na pintura, no desenho, na escultura, na gravura, na arquitetura, nos brinquedos, nas dobraduras, nos bordados, etc… Encontramo-las em toda a vida infantil cotidiana, ao rabiscar o papel ou desenhar na areia e nas paredes, utilizar materiais da natureza, pintar o corpo ou os objetos, em tudo que serve para expressar experiências sensíveis.
Sendo uma forma de linguagem, a arte justifica sua forte presença na Educação Infantil como importante meio de expressão e comunicação humanas. Assim sendo, as salas de aula devem ser “laboratórios” para as crianças, pois é o local propício para exploração, reflexão, ação e elaboração dos verdadeiros sentidos de suas experiências.
Através das diversas manifestações artísticas, as pessoas podem se expressar de uma forma própria e singular e superar as mais diversas barreiras da comunicação.
O período dos 2 aos 7 anos é de descoberta com relação a como atuar por meio de representações, no sentido do uso de linguagens. A criança nessa faixa etária se encontra em fase de pensamento concreto e faz largo uso de seus sentidos para enriquecer suas experiências. Enquanto seres em processo de humanização, constroem-se como tal nas relações com a natureza, com seus semelhantes, consigo mesmo e com sua cultura. Nessa fase, as atividades artísticas fornecerão ricas oportunidades para o seu desenvolvimento, uma vez que põem ao seu alcance os mais diversos tipos de material para manipulação.
O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI) trata a arte como uma das formas de linguagem e de contato com objetos de conhecimento importantes no desenvolvimento das capacidades de expressão e comunicação das crianças.
Na Educação Infantil, não deve haver a preocupação com a formação de artistas que dominam com autonomia a sintaxe das linguagens, mas, sim, em favorecer o acesso às linguagens com o intuito da formação de leitores, usuários do simbolismo presente nas representações de arte.
“É na arte que o homem se ultrapassa definitivamente.”
Simone Beauvoir
Paty Fonte é educadora especialista em Pedagogia de Projetos; Autora dos livros Pedagogia de Projetos – ano letivo sem mesmice e Projetos Pedagógicos Dinâmicos: a paixão de educar e o desafio de inovar, publicados pela Wak Editora; e idealizadora e diretora dos sites www.projetospedagogicosdinamicos.com e www.cursosppd.com.br.
Referências
BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez,2002.
BRASIL, Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil: conhecimento de mundo. Brasília: MEC/SEF, 1998. 243p. (Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil). v.3.
CARVALHO, Astrogildes Delgado. Treinamento para educadoras de Centros infantis-Planejamento Pré-escolar. São Paulo: Paulinas, 1981.
DEWEY, John. O ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001.
PAREYSON, Luigi. Os problemas da Estética. São Paulo: Martins Fontes, 1997.