Edição 33

Matérias Especiais

Brincar x Brigar: O que o recreio tem a ver com isso?

Ana Célia de Brito
Vanessa de Oliveira
Maria Jaqueline Paes Carvalho

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Apresentação

Este estudo teve como finalidade investigar a relação existente entre a brincadeira e a agressividade na dinâmica de duas escolas da rede municipal de ensino (uma com recreio e outra sem recreio) e a postura do educador frente a essas situações. Buscamos investigar se a criança que tem um espaço na escola para brincar é mais ou menos agressiva, visto que, em algumas escolas públicas, o recreio não faz parte da rotina. Então, que implicações esse fato pode trazer para o desenvolvimento da criança?

Metodologia

O principal instrumento de pesquisa utilizado foi a observação, registrada no diário etnográfico, sobre a rotina de duas turmas de Educação Infantil que atendiam crianças de 5 a 6 anos. Foram feitas dez observações: cinco dias consecutivos numa escola sem recreio e cinco dias consecutivos numa escola com recreio, perfazendo um total de 35 horas (3h e 30 min cada dia). O enfoque se deu diante dos tipos de brincadeiras, sinais de agressividade das crianças e intervenção do professor frente a essas situações, realizando uma análise comparativa dos dados. Para a coleta de mais informações, realizamos entrevistas do tipo semi-estruturada com os professores das turmas observadas. As entrevistas foram categorizadas em três blocos: brincadeira, agressividade e a relação entre o brincar e o brigar. As informações coletadas foram analisadas ao longo da pesquisa e confrontadas com o marco teórico estudado diante da prática pedagógica observada.

Desenvolvimento

Para se ter uma idéia da importância do ato de brincar na construção do desenvolvimento integral da criança, é preciso observá-la, contudo a escola deveria aproveitar o potencial educativo próprio dessa atividade que proporciona a abertura necessária para o educador esclarecer suas dúvidas, observando a personalidade e conhecimentos prévios das crianças. É importante que os educadores e profissionais da Educação reflitam sobre a necessidade de um olhar especial sobre o recreio, processo educativo agradável, através do qual o conhecimento sobre cada criança se torna mais evidente diante da observação das situações de brincadeira e agressividade.

É através do brincar, como aponta Lima (1991), que a criança vai conhecer, aprender e se constituir como um ser pertencente ao grupo, ou seja, o jogo e a brincadeira são meios para a construção de sua identidade cultural. Enquanto ações humanas, o jogo e a brincadeira são também situações de construção de significado, de indagação e transformação do mesmo. Longe de promover unicamente uma conquista cognitiva, essas atividades envolvem emoções, afetividade, estabelecimento e ruptura de laços e compreensão da dinâmica interna que perpassa a ligação entre as pessoas.

Segundo o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (1998), o brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio de gestos, sons e, mais tarde, representar determinado papel na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras, as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas capacidades de socialização, por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais.

A brincadeira, além de promover prazer físico e emocional, de certa forma, faz com que a criança domine os impulsos agressivos naturais da espécie humana, os quais devem ser controlados e manipulados por ela, para que não sofra uma carga de angústia. A agressão entre crianças parece ser, inicialmente, uma resposta à frustração. Bee (1986) diz que muitos pesquisadores distinguem duas formas de agressão. A agressão instrumental é dirigida para alcançar uma recompensa que não seja o sofrimento da outra pessoa. A criança que toma o brinquedo de outra criança está mostrando uma agressividade instrumental se sua intenção foi ficar com o brinquedo, e não ferir o companheiro. A agressão hostil, em contraste, tem como objetivo atacar a outra pessoa.

brigas_02Para Machado (2002), a agressividade da criança é inata, no entanto a ação das pessoas com as quais convive pode intensificá-la ou moderá-la, ou seja, a educação imprópria provoca o seu descontrole. Emoções que afloram na agressividade podem ser consideradas normais, positivas e saudáveis, se levarem a criança à independência pessoal. Caso essa agressividade não seja bem elaborada, a criança começa a apresentar atitudes negativas, que chocam e até mesmo magoam. Tais atitudes podem ser resultantes de problemas emocionais não resolvidos e de orientações inadequadas.

Conclusão

Diante de atitudes agressivas e da necessidade natural da criança brincar, vivenciada em momentos de atividades livres, verificamos o quanto essas experiências se entrelaçam no cotidiano escolar, favorecendo o desenvolvimento integral das crianças, e quanto os educadores podem usufruir dessa atividade. Verificamos na escola com recreio: concentração na realização das atividades, menor incidência de conflitos, exploração do espaço com criatividade, desenvolvimento da autonomia e do autocontrole na troca de experiências e a possibilidade do professor conhecer melhor a criança através da observação. A ausência de recreio gerava inquietude em sala de aula, freqüência de conflitos, dispersão nas atividades, refúgio na imaginação e uma menor exploração das crianças em um espaço livre.

Se a criança necessita brincar para ser ela mesma, para desenvolver-se, para construir conhecimentos, expressar suas emoções, entender o mundo que chega até ela, pode-se afirmar que a criança tem o direito de brincar e que os adultos (principalmente os educadores) têm o compromisso de possibilitar o exercício desse direito, assegurando a sobrevivência dos sonhos e promovendo uma construção de conhecimentos vinculada ao prazer de viver. Dessa forma, entendemos que, se quisermos conhecer cada criança, temos de começar por percebê-la a partir do ponto de vista dela própria, reconhecendo a necessidade de um momento para atividades lúdicas na escola, onde acontecem diferentes formas de comunicação, uma vez que é através das brincadeiras que a criança se conhece, relacionando-se com os outros, explorando objetos, experimentando situações de vida, ora de competição, ora de cooperação.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Ana Célia é pedagoga (UFPE), especialista em Formação de Educadores (UFRPE) Mestranda da Pós-graduação em Ensino de Ciências e professora do Instituto Capibaribe em Recife/PE.

Vanessa de Oliveira é pedagoga (UFPE), Coordenadora Pedagógica do Projeto Brasil Alfabetizado e Auxiliar de Desenvolvimento Infantil da Prefeitura do Recife.

Maria Jaqueline Paes Carvalho é pedagoga (FAFIRE), Mestre em Educação da UFPE, Assessora Pedagógica da Secretaria de Educação do Jaboatão dos Guararapes e Coordenadora Pedagógica da Escola Pontual.

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