Edição 32

Matérias Especiais

Como usar VIDEOCLIPE na sala de aula?

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Será que os professores se deram conta do sucesso, entre os jovens, das redes de TV que apresentam videoclipes em sua programação? A confirmação dessa pergunta pode ser percebida pela ampla escolha dos jovens em assistir à programação de canais como a MTV brasileira. Então, por que não usar os videoclipes como recurso didático para estimular as aulas?

Segundo Bartolomé (1987), a linguagem audiovisual (utilizada pelos videoclipes) não é apenas composta de imagens e sons. Ela é mais ampla, e precisa existir uma interação entre os dois elementos: som e imagem. Enfim, essa linguagem contempla tanto a linguagem verbal (musical) como a linguagem visual e, por vezes, a linguagem escrita (quando há legendas, palavras, etc.). O mais importante dessas colocações é que ambas, verbal e visual, podem ser aprendidas.

Referindo-nos à música, podemos dizer que ela faz parte do ser humano durante toda a vida, desde seu nascimento (quando chora) até sua morte. As pessoas já vivem com ela, mas sem percebê-la. A música estimula a concentração e o raciocínio. Além disso, ela sempre esteve ligada às manifestações culturais das pessoas. Usamos a música para dançar, embalar, distrair, louvar, festejar, estudar e até nos momentos de morte. Enfim, ela está presente constantemente na vida dos seres humanos.

No caso da linguagem visual, podemos dizer que ela “obedece” a regras próprias. A leitura de imagem é pontual, diferentemente da linguagem escrita, que é linear. O pensamento da pessoa “seleciona” alguns pontos da imagem que considera importantes ou que chamam a atenção por serem elementos desconhecidos. Essas características se apresentam porque o nosso olhar não capta a enorme quantidade de informações que existe em uma imagem.

A linguagem audiovisual é um instrumento de formação do pensamento. O homem se caracteriza por ser histórico e social, constrói seus significados (metalinguagem) com base no meio cultural em que está inserido e nas representações sociais que faz de si mesmo, do outro, das coisas e do sistema em que vive. A metalinguagem está relacionada diretamente com a construção do pensamento e, portanto, com os processos básicos do comportamento humano, ou seja, com a percepção, a motivação, a emoção, a inteligência e a aprendizagem. Aprendizagem que o indivíduo vivencia e constrói ao longo de sua vida, através da apropriação dos significados e nas interações sociais. Assim, os videoclipes produzidos e veiculados refletem a sociedade e a cultura, apresentando-se como expressão e representação das pessoas e do mundo onde vivem.

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Outro ponto a ser observado na construção do pensamento a partir da linguagem audiovisual é que, necessariamente, existe uma mensagem subliminar em cada videoclipe, que pode apenas mostrar o lado belo de algo, ocultando o feio, dependendo do “ângulo” e da interpretação dada à produção. Essa mensagem subliminar constrói o pensamento indiretamente, ou seja, as idéias que ela passa são apreendidas de forma dissimulada. Muitas vezes, dessa forma é que as ideologias se perpetuam. Tomemos, como exemplo, a relação entre a sonoridade e o visual das pessoas que participaram do movimento Tropicália (que resgatou os valores éticos e políticos), da Bossa Nova (que, através da beleza e do romantismo, fazia com que as pessoas esquecessem os problemas econômicos e sociais do País, embora as composições tenham sido de grande valor musical) ou da Jovem Guarda (que era uma forma de protesto, pois mandava “tudo pro inferno”).

Valdellós (2002) coloca dois grandes objetivos para a alfabetização audiovisual: “A evidência da imagem como idioma, como dispositivo arbitrário e deliberado de significação, e a sua utilização como forma de manipulação, pelos grupos do poder, com fins propagandísticos, publicitários, de imposição de modas, estilos e comportamentos, visando a consolidação de uma certa ordem social, institucional ou política”. Partindo desses pressupostos, propõe objetivos mais concretos:

“Analisar a influência da imagem audiovisual em nosso ambiente e a necessidade de distinguir a imagem e a realidade.
Descrever exaustivamente as características do idioma das imagens e dos sons e as significativas conotações da interação dos seus diferentes elementos.
Discriminar as funções descritivas e expressivas das imagens e a relação entre essas funções.
Compreender as fórmulas narrativas que articulam diferentes espaços (a representação, o trabalho da máquina, as variações de ponto de vista) e tempos diversos (a edição e a sincronização sonora).
Explicar as características objetivas dos sinais e dos signos básicos da imagem e do som.
Refletir criticamente sobre a relação entre as fórmulas visuais ou icônicas contemporâneas com sua finalidade comercial ou publicitária e a relação de tudo isso com os grupos de poder econômico, político e social de nossa sociedade globalizada”.
É importante salientar que, ao trabalhar com videoclipes, estamos lidando com elementos simbólicos e carregados de significado. Portanto, existem momentos específicos e apropriados para o seu uso. Tudo em demasia é prejudicial. Arreguin (Bartolomé, apud Arreguin, 1981), inclusive, elaborou duas tabelas comparando o rendimento das linguagens verbal e visual. Dependendo da competência a ser desenvolvida pela atividade, a primeira tabela indica a adequação e o rendimento do trabalho com cada linguagem:

 

Atividade / uso Linguagem verbal Linguagem visual
Científico com função enunciadora Ótima Nula
Expressão de emoções do emissor Mediana Mediana
Indutor de emoções no receptor Ínfima Ótima

A segunda tabela apresenta a variação do rendimento dos alunos diante de atividades de associação:

Modos de associação Linguagem verbal Linguagem visual
Por representação Inadequado Adequado
Por convenção Adequado Inadequado (com exceções)

Ao ler a primeira tabela, podemos perceber que, para as atividades mais ligadas à construção de conceitos e de idéias, o rendimento da linguagem verbal é melhor. No caso do trabalho com o lado emocional dos alunos, a prioridade é da linguagem visual. A segunda tabela indica quais os momentos em que as linguagens devem ser empregadas. Isso nos leva a concluir que, no caso dos videoclipes, há um equilíbrio dessas duas linguagens, o que assegura melhor rendimento.

Os videoclipes podem ser importantes catalisadores da construção do conhecimento. Atualmente, com o processo de globalização, estão mais acessíveis às pessoas e vêm passando por transformações políticas, sociais, culturais e econômicas, que também se refletem na educação, assim como em todas as épocas da História, pois a música e a imagem sempre foram formas de retratar a realidade. Porém, a mídia de massa vem impondo valores que estimulam o consumo, a falta de educação, a distância da ética e a não-reflexão sobre as atitudes. Utilizar esse mesmo instrumento para reverter essa situação rende bons resultados.

Mas é preciso ter uma idéia de como analisar os videoclipes. Essa reflexão é composta de duas etapas, objetiva e subjetiva, e prioriza um trabalho inter ou transdisciplinar. Na primeira etapa, a objetiva, devemos observar: a iluminação, a montagem, o ponto de vista, o vestuário, a maquiagem e o nível de formalidade da mensagem (culta ou informal). A luz deverá ser estudada e percebida como elemento que determina diferentes conotações da mensagem através da sua manipulação. O ponto de vista e a montagem podem definir a sensação psicológica do receptor pela seleção de imagens, figuras, personagens e elementos. O vestuário e a maquiagem, em geral, caracterizaram o espaço geográfico e o tempo histórico que estão implícitos. Assim como o nível de formalidade da mensagem (culta ou informal) pode definir o público-alvo.

Só depois de aprender a realizar a análise objetiva é que devemos passar para a etapa subjetiva. Nela, o senso crítico é priorizado analisando-se as codificações e as combinações dos elementos já mencionados. Aqui, buscamos os aspectos ideológicos, o conteúdo emocional, a construção e a representação dos grupos sociais, econômicos e políticos.

A exploração dos conteúdos dos videoclipes é orientada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e pode ser feita com as seguintes atividades:

Identificar os movimentos musicais e as obras de diferentes épocas e culturas.
Reconhecer os videoclipes como fontes de registro e de preservação da cultura.
Pesquisar a biografia dos músicos (vida, época e produções).
Pesquisar as transformações de técnicas, instrumentos, equipamentos e tecnologia na história da música.
Refletir sobre a importância da música para a sociedade e na vida dos indivíduos.
Reconhecer os sons ambientais, naturais e outros, de diferentes épocas e lugares, e sua influência na música e na vida das pessoas.
  Apreciar as apresentações musicais e as produções artísticas da comunidade, das regiões e do País, considerando e respeitando a diversidade cultural, em outras épocas e na contemporaneidade.

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Perceber e identificar os elementos do videoclipe (motivos, forma, estilos, gêneros, sonoridades, dinâmica, texturas, etc.) em atividades de percepção por meio da voz do cantor, do corpo dos personagens, de materiais sonoros e visuais disponíveis, de notações ou de representações diversas.
  Identificar instrumentos e materiais sonoros associados às idéias musicais de arranjos e composições.
  Refletir sobre os videoclipes de produção regional, nacional e internacional.
  Discutir e levantar critérios sobre a possibilidade de determinadas produções sonoras serem consideradas música ou não.
  Discutir a adequação, a utilização e a finalidade da música do videoclipe: trilhas sonoras, jingles, dança, etc.
  Discutir sobre as características expressivas e a intencionalidade de compositores e intérpretes.
  Explicar as reações sensoriais e emocionais durante a apreciação do videoclipe e a associação dessas reações aos aspectos da obra apreciada.
  O papel da escola, atualmente, nas situações de poluição sonora e conflito musical, tem fundamental importância para possibilitar discernimento, reflexão e crítica sobre os valores impostos pela produção musical contemporânea de massa. Até mesmo pela música ter sido criada, antes da própria linguagem oral, como diz Davis (1990): “A combinação de música e fala na expressão do canto tem um poder inigualável, transmitindo sentimentos de grande elevação, e um compartilhamento desses somente as palavras não poderiam atingir”. Nesse sentido, o trabalho dos professores é primordial, pois ele será o mediador entre as músicas de qualidade e os alunos, sem esquecer o currículo e os conteúdos.

Essa idéia vem, ainda, favorecer e validar a importância de um trabalho didático que utilize os videoclipes, sendo mais uma maneira de estimular a aprendizagem, porém não sendo a única nem a mais completa: é outra possibilidade que teremos para facilitar nosso trabalho e que busca estimular o raciocínio por meio de vários esquemas cerebrais (comparação, associação, relação, etc.).

Sabemos que existem divergências quanto à construção do pensamento e da linguagem. Segundo Piaget, o ser humano primeiro organiza o pensamento para a construção da linguagem. Para Vygotsky, a linguagem se estabelece primeiro para, depois, estruturar o pensamento. A linguagem e o pensamento, na verdade, estabelecem, entre si, uma relação helicoidal e infinita. Acreditamos que o pensar é uma atividade que pode e deve ser estimulada, desenvolvida, estruturada e, até mesmo, aprendida, como exemplo: Sócrates, que fez isso melhor do que ninguém, pois, só com o diálogo, fazia “apenas” as pessoas pensarem. Ainda bem que, hoje, temos muitas outras linguagens… É só aprendermos a usá-las!

Referências bibliográficas:

BARTOLOMÉ, Antonio R. Lenguaje audiovisual – mundo audiovisual. Disponível em http://lmi.ub.es/ personal/bartolome/articuloshtml/bartolome_lav_87/. Arquivo capturado em 18 de janeiro de 2004.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 2000. v. 6 – Arte.

BRESSAN, Wilson J. Educar cantando – a função educativa da música popular. Petrópolis: Vozes, 1989.

SEDEÑO, Ana María. Inserción de formatos visuales en la escuela: videojuego y vídeo musical en el aula. In: Edutec. Revista Electrónica de Tecnología Educativa. nº 15. mai. de 2002. Disponível em http:// www.uib.es/depart/gte/edutec-e/revelec15/sedano.htm. Arquivo capturado em 20 de maio de 2004.

VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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