Edição 73

Gestão Escolar

Coordenador pedagógico: um profissional em busca de identidade

Paola Gentile

Pesquisa da FVC conclui que a formação de professores começa a ser o foco da atuação do coordenador, mas ele ainda sofre com a falta de apoio

Em algumas redes de ensino, ele é chamado de orientador, supervisor ou, simplesmente, pedagogo. Em outras, de coordenador pedagógico, que é como a Gestão Escolar sempre se refere ao profissional responsável pela formação da equipe docente nas escolas. Nas unidades que contam com sua presença, ele faz parte da equipe gestora e é o braço direito do diretor. Num passado não muito remoto, essa figura nem sequer existia. Começou a aparecer nos quadros das Secretarias de Educação quando os responsáveis pelas políticas públicas perceberam que a aprendizagem dos alunos dependia diretamente da maneira de como o professor ensinava.

Diante desse cenário, a Fundação Victor Civita (FVC) decidiu descobrir quem é e o que pensa esse personagem relativamente novo no cenário educacional brasileiro, escolhendo-o como tema de uma pesquisa intitulada O Coordenador Pedagógico e a Formação Continuada de Professores: Intenções, Tensões e Contradições. Realizado pela Fundação Carlos Chagas (FCC), sob a supervisão de Cláudia Davis, o estudo teve a coordenação de Vera Maria Nigro de Souza Placco e de Laurinda Ramalho de Almeida, ambas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e de Vera Lúcia Trevisan de Souza, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Graças a ela, fizemos esta edição especial, com reportagens e seções tratando de temas relativos à coordenação pedagógica.

Uma das principais conclusões da pesquisa é que, apesar de ser um educador com experiência, inclusive na função (saiba mais sobre o perfil desse profissional no quadro abaixo), ainda lhe faltam identidade e segurança para realizar um bom trabalho. Ele se sente muito importante no processo educacional, mas não sabe ao certo como agir na escola frente às demandas e mostra isso por meio de algumas contradições: ao mesmo tempo que afirma que sua atuação pode contribuir para o aprendizado dos alunos e para a melhoria do trabalho dos professores, não percebe quanto isso faz diferença nos resultados finais da aprendizagem (veja mais no quadro da próxima página). “A identidade profissional se constrói nas relações de trabalho. Ela se constitui na soma da imagem que o profissional tem de si mesmo, das tarefas que toma para si no dia a dia e das expectativas que as outras pessoas com as quais se relaciona têm acerca de seu desempenho”, afirma Vera Placco.

Quem são os coordenadores pedagógicos no Brasil

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Dia a dia atribulado e legislação confusa contribuem para a atuação sem foco

Analisando cada um dos elementos dessa somatória, percebe-se que, no quesito tarefas, a rotina desse educador é uma bagunça: 72% costumam acompanhar a entrada e a saída dos alunos diariamente, 55% conferem se as classes estão organizadas e limpas, 50% atendem todos os dias telefonemas de pais e de outras pessoas que procuram a escola (e 70% acreditam que isso é adequado), e 19% assumem alguma classe pelo menos uma vez por semana quando falta um professor. No meio disso tudo, temos ainda 9% que admitem não desempenhar nenhuma atividade regular relativa à formação de professores e 26% que se ressentem por não dispor de tempo suficiente para se dedicar à elaboração ou à revisão periódica do projeto político-pedagógico (PPP).

Quando se analisa a expectativa que a direção, a equipe docente e a comunidade têm dele, percebe-se a diversidade de posições: os diretores esperam que o coordenador pedagógico cumpra bem todas as determinações vindas da Secretaria de Educação; os professores, que ele seja um apoio nas dificuldades em sala de aula; e os pais, por sua vez, anseiam ser bem atendidos — ao mesmo tempo que não sabem muito bem quais são suas funções (na verdade, o atendimento aos pais deveria ser feito pelo orientador educacional, quando há esse profissional na escola, ou pelo diretor, em horários previamente definidos).

Há também as atribuições legais, que poderiam ajudar na definição do papel do coordenador. Contudo, pela leitura atenta feita pelos pesquisadores das regulamentações de cinco Secretarias Estaduais, elas só acrescentam mais confusão ao quadro: das 256 funções listadas para o cargo, apenas 20% são explicitamente formativas.

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Como os coordenadores pedagógicos se veem

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Porém, quando se comparam com outros agentes, eles se colocam na sexta posição em importância:

Problemas envolvem desde infraestrutura até falta de tempo

Ao ser indagado sobre as questões que mais atrapalham sua rotina, o coordenador lista uma série delas. A infraestrutura precária é a que mais incomoda, e o excesso de atribuições é, muitas vezes, citado como justificativa para não fazer o que deve — a formação de professores.

Dificuldades com a equipe? Sim, elas existem para 31% dos entrevistados, que não sabem como fazer o professor desmotivado trabalhar, não conseguem ajudá-lo a cumprir as metas e ainda afirmam não saber como se firmar como líder dos docentes e exercer sua autoridade perante os colegas.

É claro que todos esses dilemas poderiam ser resolvidos se o coordenador pedagógico tivesse uma boa formação para exercer o cargo: 96% garantem que a graduação foi boa ou excelente, e, em média, os entrevistados já frequentaram 6,3 cursos específicos (21% em gestão escolar e 18% em outras áreas do conhecimento). Fica a dúvida: se esse profissional, segundo a própria avaliação, teve ou está tendo orientação para executar bem seu trabalho, por que não consegue focar a sua atuação na principal atribuição? A conclusão da pesquisa é que a falta de identidade profissional, já citada no início, e o fato de ser tão solicitado por todos para fazer de tudo na escola o levam a sentir-se importante, mas sem perceber o quanto isso o afasta de ser um bom formador de professores.

Nas leis, muitas tarefas

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Nada menos do que 256 atribuições para o coordenador pedagógico foram encontradas nos regimentos de cinco Secretarias Estaduais. Destas:

Supervisão insuficiente da rede sobre o trabalho do formador

Outro estudo realizado pela FVC também no ano passado ajuda a entender melhor essa realidade do coordenador. Exclusivamente qualitativo, ele procurou conhecer as práticas formativas das redes públicas de ensino. A pesquisa, denominada A Formação Continuada de Professores no Brasil: uma Análise das Modalidades e Práticas, obteve respostas de dezenove Secretarias de Educação — seis estaduais e treze municipais — das cinco regiões do País. Em todos os casos, foram feitas entrevistas com o secretário de Educação (ou seu representante), com o coordenador da formação continuada na rede e com o responsável por um projeto em andamento. Concluiu-se que, apesar de todos os esforços para que a formação em serviço ocorra com mais frequência e seja focada na necessidade dos professores em sala de aula, há a carência de programas voltados especificamente para aprimorar a prática do coordenador pedagógico.

“Falta suporte adequado para que ele possa efetivamente exercer o papel de articulador das ações formativas de caráter colaborativo na escola”, afirma Cláudia Davis, que, com Marina Muniz Rossa Nunes e Patrícia Cristina Albieri de Almeida, todas da FCC, também supervisionou essa pesquisa. Uma das secretarias que empreendeu esforços — em termos de lei e de infraestrutura — para valorizar a função do coordenador foi a de Governador Valadares, em Minas Gerais.

Para completar esta edição especial sobre o coordenador pedagógico, encomendamos à educadora uruguaia Denise Vaillant um artigo, no qual ela discorre sobre a formação continuada de professores na América Latina — que pode ajudar a traçar um panorama do que dá certo e do que deixa a desejar em termos de políticas públicas nessa área.

Esperamos que esse material contribua para a escola discutir internamente como aproveitar melhor a figura do coordenador pedagógico a fim de melhorar a qualidade da prática dos professores. E, ainda para que as redes estaduais e municipais, com os dados colhidos na pesquisa, planejem maneiras de atender melhor esse profissional, que cada vez mais se mostra peça-chave na aprendizagem dos alunos.

Metodologia da pesquisa

O estudo O Coordenador Pedagógico e a Formação dos Professores: Intenções, Tensões e Contradições, que contou com o apoio do Itaú BBA, do Instituto Unibanco e da Fundação Itaú Social, foi feito em 2010 e 2011. Na fase quantitativa, os pesquisadores entrevistaram por telefone quatrocentos coordenadores de treze capitais brasileiras. Já a qualitativa envolveu entrevistas pessoais mais aprofundadas com vinte coordenadores das cinco regiões do País, os diretores das unidades de ensino onde estão locados e quarenta professores.

Revista Gestão Escolar. São Paulo: Abril. Junho/Julho 2011.

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