Edição 24

Pintando o 7

Dalí

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Salvador Domenec Felip Jacint Dalí Domenech nasceu às 8:45 da manhã de 11 de maio de 1904, no nº 20 da Rua Monturiolin, da Vila de Figueres, Catalunha, Espanha. Era filho do notário Salvador Dalí y Cusi e de Felipa Domenech. O primogênito dessa família, também chamado Salvador, morreu nove meses antes do nascimento do artista. Além de colocar-lhe o mesmo nome do irmão, sua família referia-se a ele como reencarnação do irmão morto e esperava que ele trouxesse prestígio à família Dalí. O nascimento da irmã, quatro anos depois, não provocou nenhum afastamento do lugar de privilégio que tinha o artista.

Embora tenha adquirido mais do que a sua cota de neuroses infantis e fixações sexuais, Dalí veio de uma família sólida de classe média. Eles tinham amigos ricos e cultos que incentivavam o jovem Dalí e o mantinham extraordinariamente bem informado sobre os dramáticos desenvolvimentos no mundo das artes.

O pai de Dalí organizou uma exposição dos desenhos a carvão do filho na casa da família. Dalí teve a sua primeira exposição pública no Teatro Municipal de Figueres, em 1919. Em 1921, a sua mãe morreu de cancro, e o seu pai casou-se com a sua tia, o que, até certo ponto, magoou o jovem Dalí.

Em 1922, aos 17 anos de idade, ingressou na Escola Nacional de Arte em Madri – Academia San Fernando, onde ganhou vários prêmios. Já então Dalí chamava a atenção como um excêntrico, usando cabelo comprido e suíças, casacos, meias e calças de montar, num estilo que estava na moda um século antes. O que lhe granjeou maior atenção por parte dos colegas foram os quadros em que fez experiências com o Cubismo (embora na época desses primeiros trabalhos cubistas, ele provavelmente não compreendesse por completo o movimento, dado que tudo o que sabia de arte cubista provinha de alguns artigos de revistas e de um catálogo que Pichot lhe oferecera, visto não haver artistas cubistas, ao tempo, em Madri).

Durante o período em que passou na escola, Dalí descobriu os escritos de Sigmund Freud (1856–1939), cuja teoria do inconsciente mais tarde influenciou o seu estilo. Foi influenciado também por artistas e escritores surrealistas, especialmente o poeta André Breton (1896–1966). Hostilizado pelas autoridades da escola, foi acusado, em 1924, de ter criado um motim estudantil e foi suspenso por um ano. Em maio desse mesmo ano, foi preso por breve período em Figueres, sob alegação de que estaria envolvido em atividades políticas contra o governo da Espanha. Dalí voltou para a escola um ano depois, mas foi expulso definitivamente, por seu “comportamento extravagante”. De acordo com Dalí, a expulsão foi resultado de sua recusa em fazer uma prova de História da Arte Aplicada por professores que ele julgava intelectualmente inferiores a ele.

Foi nesse mesmo ano que Dalí fez a sua primeira viagem a Paris, onde se encontrou com Pablo Picasso, que era reverenciado por ele. O artista mais velho já tinha ouvido falar bem de Dalí, através de Juan Miró. Nos anos seguintes, Dalí realizou uma série de trabalhos fortemente influenciados por Picasso e Miró, enquanto ia desenvolvendo o seu estilo próprio. Algumas tendências no trabalho de Dalí que iriam permanecer ao longo de toda a sua carreira já eram evidentes nos anos 20, mas ele devorou influências de todos os estilos de arte que conseguiu encontrar e produziu trabalhos do classicismo mais acadêmico à vanguarda mais avançada, por vezes em obras separadas, por vezes combinados na mesma obra. As exposições dos seus trabalhos em Barcelona despertaram grande atenção e uma surpresa mistura de elogios e debates por parte dos críticos.

Dalí fez também experiências com o Dadaísmo, que provavelmente influenciou todo o seu trabalho. Nessa altura, tornou-se amigo íntimo do poeta Federico García Lorca e do cineasta espanhol Luis Buñuel. Mais tarde, tornar-se-ia amante de Lorca.

O ano de 1929 foi importante para Dalí. Foi nesse ano que ele colaborou com Luis Buñuel no curta-metragem Un Chien Andalou e que conheceu a sua musa e futura mulher, Gala Eluard, ou Helena Deluvina Diakinoff (nome de batismo), uma imigrante russa sete anos mais velha que Dalí que estava, na época, casada com o poeta surrealista Paul Eluard. No mesmo ano, Dalí teve exposições profissionais importantes e juntou-se oficialmente ao grupo surrealista no bairro parisiense de Montparnasse (embora o seu trabalho, já há dois anos, estivesse sendo fortemente influenciado pelo Surrealismo).

O encontro com Gala, em 1929, incendiou-o de paixão. Começou a conviver com ela após seu divórcio, mas isso provocou uma rejeição do pai de Dalí, que nunca voltou a falar com o filho.

Sob uma perspectiva psicanalítica, podemos pensar que ter de carregar o peso do irmão morto (em 1963, pintou Retrato de Meu Irmão Morto), junto com as aspirações e os ideais de toda a sua família, provocou nele uma reação do tipo “ego ideal-onipotente”. Ou cumpria com as aspirações familiares ou teria de morrer como seu irmão. O fato de o pai não aceitar sua relação com Gala, com certeza, provocou nele uma forte frustração, mas ele insistiu nessa relação, apesar da oposição do pai. Isso determinou o forte vínculo do quadro A Persistência da Memória, que foi realizado quando Gala, tendo ido a um encontro social sem ele, demorou a voltar. Por isso, aparece um relógio pendurado, como se o tempo fosse elástico.

Em 1934, Dalí e Gala, que já viviam juntos deste 1929, casaram-se numa cerimônia civil.

Em 1939, os membros do grupo surrealista expulsaram oficialmente Dalí por motivos políticos. O marxismo era a doutrina preferida no movimento, ao passo que Dalí se declarava “anarco-monárquico”. Dalí respondeu à sua expulsão declarando “O Surrealismo sou eu”. Os outros surrealistas passaram então a referir-se a Dalí no passado, como se o pintor estivesse morto.

Depois de a guerra ter rebentado na Europa, Dalí e Gala mudaram-se para os Estados Unidos, em 1940, onde viveram durante oito anos. Em 1942, Dalí publicou a sua divertida autobiografia A Vida Secreta de Salvador Dalí.

Foi na sua amada Catalunha que Dalí viveu o resto da vida. O fato de ter escolhido viver na Espanha, enquanto o país era governado pelo ditador fascista Francisco Franco, trouxe-lhe críticas dos progressistas e de muitos outros artistas. Alguns pensam que o desprezo comum pelo trabalho tardio de Dalí tem mais a ver com política do que com os verdadeiros méritos desse trabalho.

Em 1958, Dalí e Gala voltaram a se casar, dessa vez numa cerimônia católica romana.

Nos últimos anos de vida de Dalí, jovens artistas como Andy Warhol proclamaram-no uma influência importante na pop art.

Em 1960, Dalí começou a trabalhar no Teatro-Museo Gala Salvador Dalí, na sua terra natal de Figueres. Foi o projeto de maior vulto de toda a sua carreira e o principal foco da sua energia até 1974. Continuou a fazer até meados dos anos 80.

Depois da morte de Gala, em 10 de junho de 1982, Dalí perdeu muito da sua vontade de viver. Desidratou-se deliberadamente — talvez numa tentativa de suicídio ou talvez tentando colocar-se num estado de animação suspensa, pois lera que alguns animais microscópicos conseguiam fazer isso. Subseqüentemente, crescia a preocupação com a quantidade de obras falsas circulando atribuídas a Dalí. Ele perdurou como um espectro vivo até sua morte.

Mudou-se de Figueres para um castelo em Pubol, que comprara para Gala e onde ela morrera. Em 1984, deflagrou um incêndio no seu quarto em circunstâncias pouco claras — talvez tenha sido mais uma tentativa de suicídio de Dalí, talvez tenha sido uma tentativa de homicídio de um empregado cobiçoso ou talvez simples negligência pelo seu pessoal —, mas Dalí foi salvo e levado para Figueres, onde um grupo de amigos, patronos e artistas se assegurou de que o pintor viveria confortavelmente os seus últimos anos no teatro-museu.

Salvador Dalí morreu de problemas cardíacos a 23 de janeiro de 1989, em Figueres, Catalunha, Espanha. Foi sepultado na cripta do seu Teatro-Museo, em Figueres.

Dalí produziu mais de 1.500 quadros ao longo da sua carreira e também ilustrações paranários e trajes de teatro, um grande número de desenhos, dezenas de esculturas e vários outros projetos.
dal__criCristo de San Juan de la Cruz – 1951
Óleo sobre tela

Um quadro famoso e popular, embora tenha havido muitas controvérsias quando a Glasgow Art Gallery resolveu comprá-lo, em 1952. Sua principal fonte foi um desenho feito pelo místico espanhol San Juan de la Cruz depois de uma experiência visionária. Mostra a crucificação, de maneira bastante inusitada, vista de cima e, segundo Dalí, isso fundia o seu próprio “sonho cósmico”, envolvendo uma esfera dentro de um triângulo (a cabeça de Cristo e o triângulo formado pelos braços e a linha da cruz). A crucificação ocorre no alto das rochas, à beira-mar, perto da casa de Dalí; mas esta mudança, “pouco histórica” no tempo e no espaço, é comum e aceitável na arte religiosa, servindo para acentuar o caráter intemporal e universal da narrativa do Novo Testamento.

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