Edição 131

Construindo mais conhecimento

EDUCAR PARA SER FELIZ

Clay Brites e Luciana Brites

“NÃO EXISTE UM CAMINHO PARA A FELICIDADE. A FELICIDADE É O CAMINHO.”
Thich Nhat Hanh

Se perguntarmos aos pais sobre o que é mais importante para seus filhos, muitos dirão: “Quero que eles sejam felizes”. Por que isso é tão importante para os pais e como impacta a vida dos filhos?

Felicidade é um estado de contentamento e bem-estar, é uma forma de alegria que tem durabilidade, isto é, acontece em períodos determinados. A felicidade utiliza a alegria como forma de expressar um momento da vida, uma situação vivida. É aquele cenário em que estamos tão engajados que não queremos que acabe. Só sabemos o que é felicidade porque experimentamos estados em que ela não está presente ou momentos de infelicidade.

Contudo, a felicidade pode fazer parte de nossa vida na maioria do tempo, em vez de apenas em ocasiões esporádicas. A arte de tornar a felicidade uma constante pode fazer toda a diferença em como lidamos com ela. Entretanto, precisamos dizer que não estamos defendendo que devemos ser felizes o tempo todo ou que, se em algum momento não estivermos felizes, alguma coisa pode estar errada conosco… Momentos de tristeza, de raiva e de angústia podem e devem existir, o que não pode acontecer é que esses momentos sejam únicos e dominantes em nosso dia a dia. Podemos estar tristes, bravos, chateados, mas o segredo está quando viramos esse jogo e quando essas situações não abalam nosso ser e nos servem de combustível para aprendermos, sermos melhores e mais felizes.

É por meio da resiliência que seremos estimulados, de maneira construtiva e consistente, a encarar as adversidades. Várias pesquisas mostram que as pessoas resilientes, isto é, pessoas maleáveis, conseguem, numa situação-problema, entender o que está em questão e fazer do limão uma limonada.

Existe uma série de habilidades que podemos e devemos desenvolver em nossas crianças para que possam ser pessoas mais felizes, independentemente da circunstância. Podemos classificar essas habilidades em quatro:

1. Habilidade de criar vínculos sadios: é muito importante que as crianças se sintam apoiadas e seguras com alguém, que tenham um bom vínculo e se sintam amadas e protegidas, pois, quando existe esse sentimento de cuidado indiretamente, as crianças sentem que alguém gosta delas; afinal, cuidado significa preocupação (não em excesso), e só nos preocupamos com quem nos é caro.

 

2. Habilidade de explorar seus pontos fortes e fracos: estimule os pontos fortes da criança, pois todos temos habilidades em que somos bons; incentive esse sentimento de competência dando exemplos seus. Pode ser algo como “Talvez eu não seja tão bom em desenhar, mas sou muito bom em futebol”. Esse tipo de argumento ajuda a canalizar esforços, além de auxiliar a elevar a autoestima e a percepção de que cada um tem algo em que é bom. Não precisamos ser bons em tudo.

 

3. Habilidade de ajudar as pessoas: estimule a criança a ajudar sempre que puder. Pesquisas americanas mostram que esse espírito colaborativo deve ser incentivado desde cedo, pois, quando isso acontece, existe um processo que possibilita experimentar a felicidade, a alegria e a gratidão para com o outro. Essa habilidade pode ser exercitada em coisas simples, como doação de brinquedos, um abraço no amigo, visitas a abrigos e asilos ou ainda fazendo desenhos e outras atividades como forma de agradecimento. Estimule seu filho a essas práticas.

 

4. Habilidade de responsabilidade: toda ação tem uma reação. Quando ajudamos a criança a exercitar isso, ela vai percebendo que está inserida num mundo dinâmico no qual ela também faz diferença. Mostre que ela não está sozinha e que todas as suas ações — ou ausência de ação — influenciam seu meio de forma positiva ou negativa. Essa é uma constatação que estimula muito a participação da criança, pois a faz perceber desde cedo que ela, mais que os outros, é responsável por seus sentimentos, afetos, e isso é algo que somente ela e mais ninguém pode administrar. Ser responsável pela própria vida é importante para saber que a felicidade depende de você, e não do outro, pois é você que vai permitir ou não esse sentimento, colocar nele a intensidade e o valor devidos. Quando a criança toma ou deixa de tomar alguma atitude, ela exerce um impacto na própria vida. Então, é fundamental mostrar que, quando ela não faz nada, também está sendo impactada e deve assumir os riscos dessa atitude.

A chave é a simplicidade

Outro ponto muito importante é o tipo de situação em que desenvolvemos nossa felicidade. Uma das chaves para isso é a simplicidade! Isso mesmo! As crianças, em seu desenvolvimento, já fazem isso naturalmente. Sua felicidade se expressa em momentos singelos de interação e exploração. Contudo, infelizmente, nós, na condição de adultos, imprimimos nossos “conceitos” de felicidade e acabamos distorcendo o que é ser feliz; transmitimos a ideia de que ser feliz é ter alguma coisa, ganhar um presente caro, colocando a importância no ter, e não no ser.

Esse é um aspecto fundamental e que faz toda a diferença no que diz respeito àquilo a que devemos dar valor em nossa vida! Frequentemente, vemos pais comprando coisas ou promovendo experiências como festas de aniversários luxuosas e caras para deixar os filhos felizes, mas, muitas vezes, é comum as próprias crianças nem aproveitarem a experiência, que é muito mais para satisfazer os desejos dos pais que os dos filhos…

Temos certeza de que muitos filhos prefeririam a presença da família ou vivências mais intimistas a eventos muitas vezes feitos para ostentar. Não queremos dizer com isso que não devemos fazer festas de aniversário ou comprar brinquedos para as crianças, mas que a vida e as situações não devem girar em torno disso! Não temos de mostrar que somos felizes, temos de ser felizes!

É engraçado quando observamos esses momentos de felicidade de nossos filhos em seu desenvolvimento. Quem nunca viu uma criança ganhar, no aniversário de 1 ano, um presente imenso? Todos os adultos ficam admirados, e a criança, em vez de brincar com o brinquedo, muitas vezes vai brincar e explorar o papel de presente, deixando de lado o brinquedo em si. Sucatas, potes, colheres, panelas, tampas, enfim, são objetos que, aos nossos olhos, não têm valor como brinquedo, mas para a criança são brinquedos maravilhosos, pois o mais importante não é o objeto, e sim a experiência que se tira dele. A criança é simples, somos nós que, muitas vezes, contaminamo-nas com nossos valores.

Algumas perguntas que sempre devemos nos fazer são: “O que estou fazendo é um desejo meu ou de meu filho? É para me deixar feliz ou para deixar meu filho feliz?”.

Conhecemos pais que compram sempre presentes para os filhos, toda semana aparecem com uma lembrancinha. Isso é algo sobre o qual precisamos refletir! Presentes devem ser dados em épocas específicas, como aniversários, dias festivos (Dia da Criança, Natal). Se tornarmos isso comum, o caráter de algo especial acaba. Quase sempre que compramos uma roupa para um filho, um livro ou algo de que ele precise, o vendedor pergunta se queremos que embrulhe para presente. E a resposta é sempre não, pois aquilo é uma necessidade, e não um presente! Presente deve ter contexto, sentido!

Caso contrário, estaremos estimulando o consumismo das crianças e formando adultos que só conseguem se realizar tendo coisas, tornando-se, assim, vazios, pois a felicidade em adquirir coisas passa quando já não são novidade. Isso cria uma sensação de que só é possível ser feliz tendo mais e mais coisas, o que pode até se tornar um vício.

Muitos pais usam a desculpa de que “Ah, ele merece, é bonzinho, educado, obediente!”. O jeito certo de reforçar esses bons comportamentos em seu filho é agradecer e elogiar, pois o maior presente para ele é ser uma pessoa do bem, respeitada e admirada por outras pessoas, ser íntegro e fazer aquilo que fala. Existem atitudes que são naturais e esperadas, e o fato de ser assim já é uma grande realização para a própria pessoa, é o combustível que a faz ser feliz e a estimula a ter esse comportamento.

Educar para as frustrações, as decisões, os conflitos, a realização, o diálogo e a aprendizagem tem como consequência a educação para a felicidade. Educar para ser feliz é o resultado de um trabalho que exige dedicação, amor, respeito e consistência. É um esforço constante não só pela felicidade de nossos filhos, mas pela felicidade de todas as pessoas. Isso porque não somos uma ilha, somos seres sociais imersos em muitas relações dinâmicas. Nossa felicidade passa pela felicidade dos outros.

Luciana Brites é especializada em Educação Especial na área de Deficiência Mental e Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo Centro Universitário Filadélfia (UniFil), em Londrina. É Especialista em Psicomotricidade pelo Instituto Superior de Psicomotricidade e Educação (Ispe – Gae), em São Paulo, além de coordenadora do Núcleo da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins (Abenepi) em Londrina. É fundadora do Neurosaber, instituto cujo objetivo é compartilhar conhecimentos sobre aprendizagem, desenvolvimento e comportamento da infância e da adolescência, tendo como base profunda fundamentação teórica, com uma linguagem simples e um grande diferencial: aplicabilidade prática. Luciana também é palestrante.

Clay Brites é formado em Pediatria e Neuropediatria pela Santa Casa de São Paulo, é membro titular da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), doutorando em Ciências Médicas pela Universidade de Campinas (Unicamp) e vice-presidente da Abenepi no Paraná.

 

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