Edição 48

Matérias Especiais

Faltam limites? De quem: crianças ou adultos?

Marcelo Cunha Bueno

 adultos

De quem: crianças ou adultos? Faltam limites?

Muitas famílias me procuram para conversar a respeito de limites e de uma tal de “agressividade” infantil. Trazem os mais diferentes relatos de espancamento, cusparadas, mordidas e empurrões. Falam dos escândalos em lugares públicos, em festas de criança, na porta da escola… Sempre se perguntam se a criança tem algum problema, se esse comportamento acontece também no espaço escolar. Sempre trazem a mesma questão: como colocar limites? Como fazer para a criança obedecer e se tornar educada?

São dois pontos importantes e que estão ligados a dois aspectos: um de ordem conceitual, pois existe um modelo de criança esperado pelas famílias, portanto, uma concepção de infância; e outro, de ordem “prática”, que está relacionado ao conceitual, que dirá o que fazer nessas situações.

A primeira coisa que a escola pode fazer para ajudar as famílias é mostrar que é bem possível que o que se espera do filho ou da filha seja demais para eles. É tentar fazer com que as famílias construam uma imagem do filho sem estar colada à imagem da criança ideal. Sai a pressão, a conformidade da conduta, entra a criança, colocada na família específica.

Uma vez feito isso, é muito importante que desfaçamos algumas ideias de autoridade. Autoridade não é uma relação construída sem respeito, sem integridade. Autoridade é firmeza, paciência e persistência nas palavras.

Muitas famílias outorgam às crianças poderes de adultos de forma que elas escolhem se vão viajar ou não, se vão sair à noite ou não, escolhem os próprios castigos e até se querem ir à escola. Criança não pode fazer isso. Não pode porque é função do responsável por ela. Isso não é criar uma relação democrática, entre iguais. Isso é colocar um peso que o corpo e a mente da criança não suportariam! Isso é deslocar o papel de pai e mãe para uma instância fora do que seria uma referência para as crianças. Outra coisa: pais e mães, e professores também, devem aprender o valor afetivo do “não”. Um “não” que acolhe, um “não” que oferece limites, um “não” que educa. É mais fácil para as crianças conviverem com o “não” do que com a ausência dele. Já vi diversas vezes mães e pais, depois de uma cena de escândalo de seus filhos, que não conseguiram o que queriam, voltarem atrás e dizerem: “Só dessa vez!”. Isso é ausência de autoridade.

Muitos familiares, para evitar cenas de birra em público, acabam cedendo às pressões dos filhos e das filhas e, com isso, prestam um desserviço à educação deles. Depois de um tempo, de tomar tanto na cara, pais e mães perdem a paciência e partem para a autoridade que não queriam ter: revidam a desobediência com os mesmos tapas e gritos das crianças.

Na escola, é bem comum ver aquelas crianças que batem mais, que resolvem seus conflitos de forma mais corporal, ou seja, com tapas e pontapés. Ou crianças que tentam, por meio de gritos e choros, conseguir o que querem. Isso não pode ser “uma coisa de criança”, simplesmente permitida, pois seria pensar na criança como aquele ideal infantil. Isso deve ser resolvido. Se ela sempre bate nos amigos, o professor deve fazer algo com ela. Sem castigos ou coisa do gênero. Limites! Sinto que muitas escolas e muitos professores têm medo de dizer “não” e de colocar limites também. Isso não pode acontecer. Se escola é um espaço repleto de regras, é repleto, portanto, de transgressões; então, ela deve se preparar para lidar com isso de forma clara e direta, sem rodeios.

Clareza é a chave para o sucesso! Ser franco e direto alivia a criança da angústia das decisões tardias dos adultos. As crianças precisam de limites no momento que os pedem. Fica mais fácil para aprender, fica mais fácil para crescer. Colocar limites é fundamental para que construam um espaço, digamos assim, “geográfico” das relações sociais.

À medida que as crianças crescem, percebo que as intervenções das famílias precisam ser repetidas diversas vezes. É isso mesmo, repetir até ficar diferente. O fato de a criança voltar, vez ou outra, à mesma atitude pode não significar que ela não aprendeu ou não entendeu, mas, sim, que ainda precisa checar algumas situações e ver como o pai e a mãe se colocam diante dela e como as pessoas reagem quando ela age dessa forma. Não adianta fazer ameaças e ceninhas, as crianças precisam de ação. O que pode pode, o que não pode não pode e pronto. Elas esperneiam, choram, mas todos sabem o fim, é preciso ser firme e ter paciência.

Criança gosta de repetir as coisas. Assiste ao mesmo filme diversas vezes, pede para ouvir a mesma história sempre, gosta de brincar das mesmas brincadeiras. Repete para aprender, para elaborar e construir uma ideia de mundo. Muitos familiares dizem que já tentaram de tudo para fazer com que seus filhos ou suas filhas parem de bater, de falar palavrões, de dar pontapés. Perguntam-me qual é o problema… querem levá-los ao médico, fazer ressonância da cabeça. Digo que o problema é que tentaram de tudo… e não uma coisa apenas.

Não adianta fazer malabarismos na educação de crianças. É preciso ter firmeza nas palavras, fazer-se valer diante das situações. Colocar a regra e que tipo de intervenção irá acontecer quando ela for descumprida. A criança vai checar para ver se ela continua valendo, se o pai e a mãe realmente sabem o que fazem e dizem. Existe família que acha que repetir a mesma bagunça é pouco caso… mas não é, não, muito pelo contrário… é por fazer muito caso, é por dar muita importância, que a criança repete as cenas.

Na verdade, podemos dizer que a tal “agressividade infantil”, ou coisa que o valha, é, muitas vezes, um pedido de socorro. Um pedido pela presença do adulto, um pedido que deve ter começado lá atrás, desde cedo, e que as famílias não souberam ou não quiseram ler. É preciso também colocar limites nas ações dos adultos, pois eles são os únicos responsáveis pelas crianças de que cuidam.

Quando aprendemos a ler as crianças e colocar as coisas no lugar, conseguimos identificar melhor o que acontece realmente com elas, ou seja, quando é um pedido de socorro e quando é um ato violento. Por isso, pais e mães devem se aliar às escolas para entenderem e se informarem melhor quando o assunto é limites. Devem conversar bastante com professores para perceber quais comportamentos também fazem parte da vida da criança, pois, se na escola é tão diferente do que acontece em casa… algo está dissonante!

Marcelo Cunha Bueno é educador e diretor pedagógico da Escola Estilo de Aprender, em São Paulo.

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