Edição 127

Profissionalismo

Gordofobia: precisamos falar sobre isso

“Gordinha linda!”, “Você é tão fofinho que sinto vontade de pegar, apalpar, abraçar, apertar, morder…!” Os enrustidos agridem com tamanha sutileza que os golpes são aplicados como gestos e reações de amor e carinho. “Olá, baleia! Será que vou encontrar um espaço para um mergulho nessa piscina?” Os revelados não economizam atitudes e palavras para acometerem, salientando a falta de respeito para se relacionarem com as diferenças!

127-profissionalismoNa verdade, a sociedade contemporânea é instável, apesar de muitos camuflarem e outros dissimularem! Entretanto, é necessário eliminar o outro impelido por um sentimento, incitado pela aversão à diferença?

Nesse processo ininterrupto de eliminação, superar é a única alternativa das vítimas para subsistirem! Pois, para sobreviver nesse espaço cada vez mais digitalizado, é preciso se ajustar aos moldes e, assim, transitar por plataformas que alocam olhares e delineiam perfis que sobrepujam aspectos culturais, sociais, religiosos e econômicos. O porquê que ecoa sem resposta pergunta até onde a estética corporal abre ou fecha portas.

No palco dessa sociedade, curvas delineadas e corpo bombado asseguram o sucesso para ostentar essa patente. O novo se vê instigado a inovar ininterruptamente para subsistir, arrebatando momentaneamente para descontinuar a cadência e, assim, ajustar-se aos novos arquétipos.

Nessa transição, multidões são arremessadas por esse vento e transportadas pela trilha que conduz aos padrões, que decretam: na era das coisas conectadas, tudo é estandardizado para acatar as condições de um mercado cada vez mais exigente, principalmente no que se refere à estética.

É preciso padronizar o corpo para que o modelo de beleza estabelecido pelo mercado seja ajustado? Então é assim! O mundo evolui, e o corpo tem que sofrer mutações para atender às suas exigências?

Até os que não se prendem a esses detalhes admitem que o corpo humano nunca foi tão controvertido como produto de exposição quanto na era contemporânea, a ponto de o “marketing” corporal decretar que estética é tudo! Quem não se ajustar a esse molde tem que ser, automaticamente, descartado?

127-profissionalismo-1É excêntrico como tudo é permitido para alcançar o corpo perfeito. O que antes era inovador se tornou ultrapassado. Pois caminhada é passo de tartaruga ante o poder dos bisturis; regime é mito para enganar a mente; academia, bem, auxilia, mas pode não resolver.

Para quem tem pressa, é preciso ações impactantes, como cortar, para disseminar os excessos, e, se necessário, enxertar, para repor ou complementar o que a natureza esqueceu.

Nessa corrida, muitos economizam, privam-se, para pagar o processo de adquirir um corpo escultural. Como a onda é turbinar, modelar, remodelar, os caminhos se bifurcam: abdominoplastia, lipoescultura e lipoaspiração. As cirurgias plásticas têm tanto poder nessa arte de reconstrução que operam milagres a ponto de recriar silhuetas para atenderem a ambições e desejos, pois suas ferramentas redefinem contornos. Tira aqui e insere ali até chegar ao produto final: o corpo idealizado.

A sua eficácia é de tal grandeza que detalhes inimagináveis são traçados numa originalidade que converte “canhão” em “avião” e, ainda, delineia as coordenadas do aeroporto em que se ambiciona aterrissar para ser o centro das atenções.

O fato é que essa obsessão é tão grande que, em acontecimentos radicais, desintegra corpo de alma dos que são vítimas de resultados desastrosos e até corpo de espírito, quando erros, excepcionalmente, médicos acarretam em mortes.

É tanto querer que o afã de ter o corpo perfeito não interrompe a caminhada dos que se autoprotegem. Pois essa ambição determina alvos, e, assim, investe-se em profissionais, adotam-se hábitos saudáveis, submetem-se a dietas que ocasionam danos irreversíveis ao corpo. Contudo, o que é um corpo perfeito? Saudável e rechonchudo ou esteticamente perfeito e, muitas vezes, dependente de substâncias químicas? Por que tamanha obsessão?

Eleve o olhar, mire o horizonte que você se deparará com a resposta em letras garrafais:

AS INFLUÊNCIAS DA MÍDIA NA PROMOÇÃO DO CORPO.

 

A realidade é que o contemporâneo, que escolta a evolução da moda com as suas ferramentas inovadoras, não se importa em diluir os velhos padrões e, mesmo apresentando a alfaiataria “Mais Tamanho” — Plus Size — para dissimular o preconceito, não abre mão da obra esculpida por Deus ou pelo ser humano para expor em seu mostruário cognominado sociedade o que acredita ser o padrão ideal.

De tão radical, constitui regras, como a energização do erudito ao corpo; e a mídia não deixa passar nada desapercebido, pois se prende aos mínimos movimentos das transições de mudanças e aguça o culto à beleza, salientando que imagem e estética é o “abracadabra” para dilatar as passagens das realizações pessoais e elevar a autoestima num nível que satisfaça um eu que ambiciona brilhar nas passarelas sociais.

Televisão, revistas e até jornais dilatam espaços para que o marketing comercial opere com suas ferramentas para acatar uma indústria que não desacelera, alienando a beleza perfeita aos caprichos pessoais e, assim, fingindo atingir o propósito de alavancar o eu aos nós de nós: sucesso e felicidade.

No set dessa cidade cenográfica em que se desenrola o enredo “viver em fuga”, personagens são projetados para brilhar, e é nesse cenário que a vilã gordofobia entra em cena.

Sabemos que o corpo perfeito é para poucos. Quem não consegue nem tempo para uma simples caminhada paga um preço duplo: uma parcela no corpo, que infla, e outra no coração, quando se converte em alvo dos gordofóbicos.

O QUE É GORDOFOBIA?

Para facilitar, vamos partir da origem: o medo. Medo de quê? Satisfazer a gula até chegar a ser encaixado no molde reservado aos gordos. Gordo vem de “lipofobicidade”. Para os reservados, lipofobia, que, na verdade, é a caraterística química de compostos químicos cujas reações declaram, sem poupar as vítimas, a “rejeição por gordura”, mas não a gordura vegetal ou animal; a da obesidade, da banha com fartura.

Essa odiosidade patológica à gordura faz com que o intolerante desconsidere que o gordo pode ser metabolicamente saudável, pois a resistência atinge tamanha altivez que basta uma bolinha cruzar o seu caminho que a extraordinária pretensão é meter o pé com toda a força e chutar para bem distante, pois os gordofóbicos não pensam antes de repudiar, inferiorizar, oprimir e até agredir para satisfazer um preconceito alimentado pela raiva.

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Dito isso, como transitar nas passarelas de uma sociedade arquitetada para magros?

A primeira ação é arrombar as barreiras que impedem os acessos. E esses acessos não são impedidos apenas pelos gordofóbicos. Pois ações preconceituosas acontecem em todos os lugares. Refiro-me ao acesso mesmo. Acesso a departamentos que estabelecem uso de elevador, assentos em espaços de espera e até em transporte público, cujas roletas são desproporcionais, por serem instaladas para magros.

Tais obstáculos impedem muitos de ter um emprego, pois, do caminho de casa até o local de trabalho, a maioria utiliza transporte público, e as dificuldades de acesso tornam a trajetória um circuito de barreiras. Para os gordofóbicos, é motivo de graça; para a vítima, que luta contra o corpo para sobreviver num mercado de trabalho cada vez mais competitivo, é compressão.

Compressão porque é nesse alvo que são miradas e desfechadas as setas do preconceito. O gordofóbico é cruel. De tão implacável, atende aos impulsos do ódio e, sem misericórdia, bombardeia a vítima, chegando a acusá-la de ter se permitido chegar a esse ponto.

De tão insensível, não quer nem saber se o seu problema é físico, patológico, genético … Simplesmente pisoteia, fere e até mata o sonho, tão somente por sua vítima ser gorda.

Como são poucos os que aceitam o próprio corpo, muitos silenciam, permitem ser massacrados ao se submeterem ao holocausto, que, para uns, são brincadeiras divertidas: gordinho, bolinha; para outros, uma demonstração de carinho: montanha de fofura, potinho de amor! Há ainda os que dizem que é só zoação.

Todavia, são indiretas que, aparentemente, soam inofensivas, mas toam para refletir intenções irruptivas. Porque gordofobia é como o racismo: só quem sente na pele pode dizer o poder do impacto dessas flechadas no íntimo, no eu. O aniquilamento é de uma altivez que esfacela o ego e dilacera a autoestima.

E esse preconceito, por ser levado como tratamento normal àqueles que estão “fora do padrão”, alastra-se exatamente porque, para muitos, não é preconceito, tampouco crime, porque ser fofinho nem sempre é doença.

O fato é que, a cada dia, o preconceito contra pessoas gordas se eleva gradativamente.

KJT, de 15 anos, foi atacado desde a creche. Ao ingressar no Ensino Médio, sofreu tanto que a mãe exigiu que ele reagisse aos ataques.

Tudo iniciava ao transpor o portão de casa e se deparar com aquela vizinha que se levantava cedo para varrer a calçada e contemplar os movimentos: “Bom-dia, meu gordinho cheiroso!”.

No percurso era ainda pior, pois, toda vez que passava diante de uma lanchonete, o proprietário o cumprimentava: “Bom-dia, bolinha! Não tem medo de um jogador o encontrar pela frente e o chutar para fazer um gol de placa?”.

Foram dias, semanas, e nada mudava.

Para esquivar, alterou o trajeto e passou a chegar em casa mais tarde. Até que a mãe não suportou apreciar a angústia do filho e determinou que ele tinha que reagir.

Quando o preconceituoso o cumprimentou numa manhã de quarta-feira, a resposta ensaiada estava na ponta da língua: “Bom-dia, chifrudo. Já descobriu o nome do Ricardão que está pegando a sua mulher?”.

Foi um disparo certeiro, com retorno instantâneo, impelindo o agressor a se dirigir à casa do adolescente para reclamar, crente de que a mãe o puniria. Quando bateu no portão, foi recepcionado pela dona da casa, que o acolheu com um sorriso que o desarmou. Só que a raiva era tamanha que não refreou o intento, porque todos os clientes que estavam no recinto ouviram, e muitos saíram trocando olhares e sorrisos maliciosos.

Após o relato, a mãe respondeu na maior naturalidade: “Meu filho não é um delinquente nem um mal-educado. Fui eu quem o mandou responder!”. “Mas eu só estava brincando!”, ele justificou, “Ele também!”, disse a mãe. Resultado: nunca mais chamou KJT de bolinha!

A mãe agiu errado? Agiu! Mas qual é a mãe que se silenciaria ao ver o seu filho se isolar no quarto por ser perseguido por preconceituosos, a ponto de não querer sair à rua nem mesmo para ir à escola, tão somente porque o seu padrão físico, consequente de um problema patológico, não se encaixa nos moldes sociais?

Na sua dor, a mãe se adaptou ao preceito de que cada um chora de acordo com a dor que sente e corre atrás do antídoto para se abrandar.

Não adianta dissimular, fechar os olhos ante um problema que se converteu numa seta que alcança as suas vítimas por onde quer que transitem. O caos estabelece mais que conscientização, e, assim como com o racismo, que não despertou essa ciência nos preconceituosos, punições são necessárias para reprimir ações que são, explicitamente, manifestadas em atitudes camufladas como carinho e brincadeiras.

A situação abrangeu um nível de gravidade tão elevado que preocupou gestores a ponto de alguns municípios traçarem estratégias de combate com aprovação de medidas para refrearem o preconceito.

127-profissionalismo-3Outros se armaram e partiram para o ataque, como o Recife, que é referência internacional no combate à gordofobia. Executivo e Legislativo chegaram à conclusão de que campanhas para conscientização não estavam sendo o bastante para reprimir a gordofobia. Foi necessário o Legislativo municipal aprovar uma lei, de autoria da vereadora Cida Pedrosa, para resguardar a integridade dos gordos.

Tais iniciativas fizeram com que o Recife sobressaísse como município que adotou políticas públicas para promover a igualdade, tanto que não permite mais jargões como “Viva o gordinho lindo”, mas “Viva o cidadão”, e que viva com respeito e integridade.

Essa lei não apenas reprime os gordofóbicos, como abarca e resguarda o gordo como cidadão, exigindo o cumprimento da democracia, pois a liberdade para ir e vir não é privilégios para magros.

O Recife desobstruiu ruas, praças e avenidas para promover acessos a gordos, magros, negros e brancos, por igualá-los como cidadãos. E a queda dessas restrições permitiu que gritos ecoassem e, nessa trajetória, que gordos fossem respeitados como humanos. Tanto que, no Calendário de Eventos Oficiais do município, o dia 10 de setembro é o Dia da Luta contra a Gordofobia.

O interessante é que essa lei não apenas pune, como também proporciona condições dignas aos que necessitam de acessos especiais, pois ela se estende a todos os espaços, inclusive os educacionais — públicos e privados —, cujas carteiras , desde a creche ao Ensino Superior, são feitas para atender aos biotipos corporais magros. E mais: essa lei não permite discriminação e tampouco práticas gordofóbicas.

Tais ações não promoveram apenas conforto, mas também estabeleceram respeito e segurança à vítima que não tinha a quem recorrer para usufruir do direito de ser respeitada como cidadã.

YGR, que é feliz com a vida e não tem preconceito contra o próprio corpo, foi abordada na rua por uma atleta que se espantou ao vê-la com roupas de ginástica: “Nossa! Como conseguiu ajustar o Atlântico numa banheira?”. A reação foi instantânea: “Com a mesma destreza com que se adapta o cérebro de uma anta no crânio de uma serpente”. A reação não podia ser diferente, porque os preconceituosos adoram uma plateia para contemplar os seus atos. O provocador foi vaiado, insultado e só não foi agredido porque os afoitos foram contidos.

Nem todos têm a mesma reação. Em caso de supressão, muitas vezes o ataque se torna a melhor defesa.
É surpreendente como, no país das cores e dos contornos, jaz tanta intolerância: racial, social, religiosa, cultural, do corpo e, se sobrar espaço para descrevermos, sexual e de gênero. E o mais extraordinário, tudo é crime.

127-profissionalismo-4Por que tanto martírio? Martirizamos cor, raça, credo, cultura, posição social, orientação sexual… É pouco? Ainda temos que desfechar extremismo ao corpo?

Temos consciência de que a discriminação é uma parceira medieval. Porque, no código judaico-cristão, gula é um dos sete pecados capitais.
Assim, ser gordo é pecado? Ante tamanha discriminação, busquei resposta na Palavra da Verdade e perguntei ao Livro Sagrado: “Ser gordo é pecado?”.

Este volveu suas páginas e me conduziu ao Velho Testamento para afirmar que, naquele período, ser rechonchudo era sinal de sucesso pessoal por refletir abundância. Tanto que Eglom, rei dos moabitas, foi um exemplo disso.

Assim, quem é capaz de atirar a primeira pedra e declarar que ser gordo é pecado? Por que os gordos são excluídos, julgados e condenados? Quem conhece a Verdade sabe que Deus não avalia o alimento, iniquidade, tampouco o corpo, mas, sim, os glutões. Muitas vezes, ser gordo não significa ser glutão! Por que supliciar o gordo?

O GORDO TEM CULPA DE SER O QUE É?

No eco do questionamento, a ciência contrapõe que ser gordo pode ser consequência de inúmeras causas, como biológica e patológica, que podem originar doenças que ocasionam a obesidade. Mas certifica que nem todo gordo é doente.

Abarquei que não importa como o mercado dos padrões esboça o corpo perfeito como requisição para existir num espaço artificial. Compreendi que o corpo perfeito é aquele que é saudável e que, mesmo avaliado pelos gordofóbicos como doente, deve ser admirado pelo seu dono.

Assim, ame-se como um ser único, porque a sua essência, o sopro divino que foi alocado dentro de você, tem que ser o que você é, não o que o outro diz ou a sociedade determina.

Se for preciso correr, caminhar, exercitar… Faça-o! Mas faça por você, com a consciência de que exercícios trarão benefícios ao corpo, não porque outros desejam que você transforme o seu corpo. Aprenda que o primeiro movimento para ser feliz é se voltar para dentro de si e confrontar com um ser que não se culpa, pois o corpo perfeito é o que esbanja vigor!

127-profissionalismo-5Corpo vigoroso proporciona o que muitos considerados perfeitos não têm: bem-estar. Quando o bem-estar proporciona estar bem consigo mesmo, o peso não é nada ante a leveza de um coração feliz.

Portanto, viva o seu corpo sem sentir o peso da culpa e não permita que o peso de atos e ações preconceituosas lhe impeça de viver sua vida. Porque mais importante que um corpo perfeito é estar em sintonia com um coração que exala amor, paz, alegria e vida!

Essas essências são raras na era da perfeição corporal. Só amamos nosso corpo, independentemente do padrão, quando se está conectado consigo mesmo e de bem com a vida.

E estar de bem com a vida é permitir a si mesmo o direito de usufruir da felicidade. Aceitar-se é prosseguir na busca dos sonhos, consciente de que perfeição é somente do Criador, e não daqueles que acreditam conseguir mudar o que foi criado por Ele.

Assim, seja! Seja feliz! Seja você mesmo! Porque o corpo perfeito é o seu corpo. Ele é o seu real. Real que reflete o que há de melhor dentro de você: paz, alegria, vida e um amor capaz de amar até mesmo os que o cancelam.

Essa beleza encanta o seu eu a ponto de elevar sua autoestima. Mesmo sem atrair olhares, despertar desejos e paixões, certamente, aliciará a atenção daquele que o escolheu e descartará os que buscam um padrão de beleza.

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