Edição 81

A LEI Nº 11.645/08

Histórias e indígenas no Brasil africanas

Celso Sisto

As histórias de transmissão oral atravessaram o tempo e chegaram até nós. Com as histórias africanas e indígenas não foi diferente. Desde as primeiras coletâneas publicadas no Brasil, estão lá as narrativas recolhidas, no início, pelos denominados folcloristas.

Vêm à tona os nomes de Sílvio Romero, com o seu Contos Populares do Brasil, e de Câmara Cascudo, com o seu Contos tradicionais do Brasil. Ainda que em número menor, as histórias africanas e indígenas dessas coletâneas testemunham a força do imaginário coletivo e a necessidade que existe, em qualquer época, de documentar com histórias os fatos extraordinários ou mesmo da vida cotidiana.

Documento vivo

É o próprio Luís da Câmara Cascudo quem diz que a história popular é um documento vivo da produção coletiva e anônima, além de ser um testemunho das atividades espontâneas, diárias e regulares e ainda revelar costumes, ideias, mentalidades, decisões e julgamentos. Essas histórias estão repletas de informação histórica, etnográfica, sociológica, jurídica, social, etc. O que ele aponta como características principais das histórias populares tem larga aceitação: antiguidade, anonimato, divulgação e persistência. Mas as histórias de origem europeia foram sempre muito mais difundidas do que as de origem africana e indígena. E, em se tratando das culturas formadoras da brasilidade, é um espanto esse desequilíbrio. Por isso, hoje em dia, há uma grande movimentação para suprir essa lacuna no mercado editorial, com coletâneas que deem a essas culturas o lugar de destaque que elas merecem.

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Toda e qualquer história popular de transmissão oral pode nos mostrar, principalmente, um universo em três dimensões: cultural, ética e estética. No universo cultural, ainda podemos ver traços simbólicos, coletivos, hierárquicos, sociológicos, econômicos, familiares, religiosos, etnológicos, históricos. No ético, há os resquícios de uma fala proverbial, o exotismo, a violência, os elementos físicos do cotidiano, a questão ritual, a hierarquização do poder, as regras sociais de conduta, a exemplaridade. No estético, podemos ver a preocupação temática e estrutural, a linguagem que vira arte, a poesia do texto. Caminhos de leitura que só enriquecem a nossa percepção das histórias populares.
Somos indígenas e africanos

Foi preciso formatar uma lei (no 10.639/2003) para lembrar, à escola brasileira, a necessidade e urgência de incluir no currículo oficial a temática História e Cultura Afro-brasileira e Indígena, para que se vá muito além do Dia do Índio (19 de abril) e do Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro).

Embora as histórias africanas de transmissão oral circulem pelo País desde que se instalaram aqui os negros africanos, pouco sabemos da rainha Nzinga, de Sundjata e até mesmo de Zumbi dos Palmares. A África, diversa e múltipla em etnias, geografias e histórias, pode ser recuperada em dois livros que circulam no Brasil desde os anos 1960: Contos Populares de Angola, de José Viale Moutinho (Editora Landy) e A Gênese Africana, de Leo Frobenius (Editora Martin Claret). Nos últimos tempos, a obra de maior impacto para o leitor jovem é, sem dúvida, o livro Meus Contos Africanos, com 32 histórias selecionadas por Nelson Mandela.

Já as histórias indígenas, que nos ligam aos viajantes estrangeiros e às expedições “científicas” que atravessaram o território nacional desde o “descobrimento”, brindam-nos com assuntos como criação, morte, ressurreição e com seu conceito-chave: a ancestralidade. Hoje há toda uma preocupação dos narradores indígenas de não idealizar e não homogeneizar essas histórias, mas usá-las também como manutenção da memória secular, da história de seus povos, da consciência do lugar que ocupam, com sabedoria e poesia. Daniel Munduruku é atualmente o grande nome dessa literatura, mas é Alberto Mussa, em Meu Destino É Ser Onça (Editora Record), que faz um resgate dos mitos indígenas por meio dos relatos dos viajantes que por aqui estiveram na época do “descobrimento”.

O caráter dinâmico das histórias da tradição oral, a diversidade, o multiculturalismo presente (e urgente!) nessas narrativas são fundamentais para a nossa identidade. Afinal, somos também bem africanos e indígenas, ainda que não se possa ver a olho nu!

Celso Sisto é escritor, especialista em Literatura Infantojuvenil e Doutor em Teoria da Literatura.
Endereço eletrônico: csisto@hotmail.com

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