Edição 80

Matérias Especiais

Igrejas, unidade e compromisso social

igrejas_1O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) visa à unidade para o testemunho cristão na sociedade brasileira. Fundado em 1982, é hoje constituído pelas igrejas Episcopal Anglicana do Brasil, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Síria Ortodoxa de Antioquia, Presbiteriana Unida e Católica Apostólica Romana.

As assembleias gerais do Conic, em seus 32 anos de existência, procuram dar uma autêntica resposta cristã às questões sociais do Brasil. Destacamos aqui a parte conclusiva do documento final da 15ª Assembleia Geral Ordinária, ocorrida em março de 2013.

O compromisso de nossas igrejas frente ao Estado e à sociedade

As religiões e, dentre elas, as igrejas cristãs representadas pelo Conic são parte das questões sociais do nosso tempo. Tais questões se intensificam quando tendências religiosas voltadas ao fundamentalismo propõem uma espécie de teocracia moral, com um discurso antimoderno e sacralizador da ordem vigente, ou quando assumem posições nacionalistas de caráter identitário. As religiões vivem, portanto, a ambiguidade de atitudes que variam entre permitir a morte e promover a vida.

Procurando superar essa ambiguidade, as igrejas não podem assumir uma ideologia estatal. Elas são instâncias críticas na relação do Estado com a sociedade e, por isso, questionam os elementos que expressam relações de injustiça social legitimadas por projetos ou posicionamentos estatais. Dentre os compromissos que as igrejas precisam assumir para cumprir melhor seu papel na relação com o Estado, destacamos:

Recuperar a função social da religião: as religiões possuem uma função social de coesão e coerção. Mesmo se os mecanismos que regem a atual sociedade secularizada prescindam da religião, ela ainda detém o poder para forjar identidades socioculturais. Sem monopolizar esses âmbitos da vida social, as religiões aparecem como fonte de transcendência e de sentido, que oferecem modelos de comportamento para os indivíduos.

Aqui, a principal função da religião é apresentar ao mundo o sentido da existência humana, sobretudo frente às situações existenciais de pessimismo e desânimo causadas pela violência, pelas guerras e pela prática da injustiça. É dever das igrejas fortalecer o significado e o valor da vida das pessoas, ajudando-as a superarem os problemas que as afligem no cotidiano, tanto os de caráter socioeconômico e político-cultural como os de caráter psíquico e espiritual.

No contexto de pluralismo, essa função não é monopólio de um sistema religioso específico. A procura de coesão social exige das religiões a capacidade de cooperar em projetos que possibilitem a convivência pacífica das pessoas que professam credos diferentes. A elas cabe exercitar e educar a sociedade para a prática da tolerância, do diálogo, da acolhida mútua e da cooperação na diversidade.

Função crítica diante da globalização: estamos convictos de que as igrejas devem ser instâncias críticas em relação às ideologias globalizantes. Elas não podem legitimar tudo o que é proposto pelo sistema econômico, cultural e político. A elas cabe ajudar na identificação e no questionamento das ambiguidades da globalização, nas suas contradições, nos seus interesses concentradores e nas suas tendências exclusivistas, que empobrecem nações inteiras. Para isso irão desconstruindo os discursos que atribuem às crenças e aos deuses a causa do sofrimento, da dor e do empobrecimento injusto.

O sistema econômico globalizado possui uma religiosidade difusa, um sagrado camuflado no marketing dos produtos de consumo. Isso tende a secularizar a própria religião pela instrumentalização comercial de seus símbolos e suas imagens. No mercado, as pessoas não compram meros produtos, mas símbolos, e, para tal, fazem sacrifícios. Com isso, há uma desapropriação simbólica de tradições religiosas, substituídas por uma espécie de espiritualidade, pela mística do capital globalizado. Frente a isso, o compromisso das igrejas se afirma quando elas não se deixam usar como suporte ideológico do sistema econômico, desmistificando a imagem idolátrica do capital e superando o fetiche mercadológico que propõe fazer o elo entre a vida real e o mundo religioso.

O sistema socioeconômico em que vivemos produz a exclusão, a marginalização e o empobrecimento injusto de grande parte da população brasileira. Essa realidade impulsiona as igrejas à prática da solidariedade evangélica. Em tal prática, as circunstâncias exigem a promoção da cidadania, a afirmação da dignidade da pessoa e dos seus direitos, acima de interesses econômicos e políticos. Onde houver alguém sofrendo injustiça, ali devemos estar. Em especial, faz-se mister a nossa presença junto aos povos indígenas e às comunidades quilombolas, contribuindo para a garantia da defesa de seus territórios e das suas tradições. Igualmente, é fundamental intensificar a nossa presença e ação junto às crianças e aos adolescentes, sobretudo em relação àqueles que não possuem um abrigo familiar ou que estão sujeitos a vários tipos de carência na vivência de seus direitos básicos.

Para isso, dispomo-nos a assumir os compromissos oriundos do acordo estabelecido entre o Conic e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e assinado nesta assembleia.

O uso indevido dos recursos naturais faz emergir, em nosso tempo, problemas ambientais, como o abate das florestas, a escassez dos recursos hídricos, a desertificação, o aquecimento global, que se manifestam como sérias ameaças à vida do planeta. Tais questões mostram a gravidade de uma crise ecológica que se acentua sempre mais como resultado de relações sociais distorcidas, que rompem com os princípios de justiça social e ambiental. É imprescindível um reordenamento dessas relações através de novas formas de vínculos entre as pessoas e do cuidado que elas devem ter com o meio ambiente.

Nossas igrejas contribuem para isso, educando para novos comportamentos em relação ao meio ambiente, desenvolvendo uma espiritualidade que integre a vida humana com a criação como um todo e promovendo processos participativos que cobrem do governo a implementação de políticas públicas que garantam o manejo responsável dos recursos naturais, sua conservação, sua recuperação e seu uso adequado.

Serviço e testemunho: Como igrejas cristãs, sentimos o forte chamado para a promoção de uma sociedade diferente, com um Estado que esteja a serviço do povo, onde se afirmem a solidariedade, a justiça e o respeito aos direitos humanos. Nossas igrejas são propiciadoras do serviço da caridade, da solidariedade, da promoção da dignidade das pessoas, de uma economia solidária, da educação, do trabalho, do acesso à terra, à cultura, à habitação e à assistência em todas as necessidades dos indivíduos. Muito temos a contribuir para a reconciliação de pessoas e de povos, atuando de modo a fazer com que nossas igrejas sejam reconhecidas como instâncias de confiança e de credibilidade no meio social.

Conheça o Conic e acesse o documento integral: www.conic.org.br/documentos.

 

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic). In: Revista Diálogo. São Paulo: Paulinas, ano XIX, n. 76. Outubro/dezembro de 2014. pp. 30/31.

cubos