Edição 42

Matérias Especiais

Índios Brasileiros de Latifundiários à sem Terras

Nildo Lage

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Falar dos povos indígenas e seus problemas é submergir na história do Brasil num mergulho profundo, seguir a rota dos grandes navegantes para aportar no Ponto Zero, cravado na abençoada Terra de Santa Cruz, onde numa manhã ensolarada, um estranho objeto que fl utuava no mar foi avistado pelos tupisguaranis, moradores daquela região.

Desse ponto de chegada, parte-se em busca de uma referência na história que gerou tantas “estórias” no decorrer de mais de meio século de crises, fracassos e abusos. Para explorar as novas terras achadas pela Coroa portuguesa, seria imprescindível algo precioso: a mão-de-obra, tão escassa naquela época. Então, os jesuítas foram designados para domesticar e alfabetizar os selvagens.

E assim teve início a devastação das fl orestas, dos costumes, das tradições, das crenças… Os índios passaram a ser caçados como feras para trabalhar na construção de igrejas e nas lavouras e tratados com tamanha violência, como se não pertencessem à espécie humana.

A violência e a injustiça intensifi caram os confl itos nas aldeias, principalmente por questões fundiárias e por causa do preconceito, porque, apesar de os índios terem o direito à terra assegurado pela Constituição Federal, são vistos, por latifundiários, garimpeiros e madeireiros, como uma ameaça. São expulsos da terra e amontoados nas reservas como um fardo, provocando a superpopulação, que leva muitos ao suicídio e crianças a morreram desnutridas.

Os que ainda acreditam na terra foram recuando para regiões longínquas impelidos pela necessidade de garantir a sobrevivência. Os que resistiram, como os vorazes botocudos, que habitavam a região da Bacia do Rio Mucuri, no extremo sul do Estado da Bahia, foram exterminados para garantir a passagem do progresso nas terras da província de Minas Gerais. Ali, exploradores como Martim Carvalho, Sebastião Fernandes Tourinho e Antônio Dias Adorno acreditavam que, na Serra das Esmeraldas, existiam veios inesgotáveis de ouro e pedras preciosas.

Apesar de constituir uma grande parcela na formação da cultura brasileira, o índio jamais foi reconhecido, respeitado. Ele vive na berlinda, imerso no seu universo de humilhações e perseguições, ao contrário do negro, que chegou para substituir o trabalho indígena, mas não resistia às intermináveis jornadas de trabalho nem se deixou escravizar por muito tempo: gritou, rebelou-se, fugiu… e fez valer os seus valores. E, entre vexações e desonras, construiu a ferro, fogo e chibatadas o seu espaço na cultura, na culinária, na sociedade… na própria história do Brasil. Enquanto isso, os herdeiros das terras brasileiras estão sem terras para plantar, sem rios para pescar, sem matas para caçar, sem espaço para ostentar sua cultura, suas tradições… Estão à mercê dos descendentes de imigrantes exploradores e limitam-se a vegetar nas reservas que são invadidas e saqueadas.

Os poucos que sobreviveram migram para a cidade sem nenhuma estrutura profi ssional e vivem em condições miseráveis, dormindo em calçadas, praças, tornando-se alvos vulneráveis a todos os tipos de violência e preconceito, como o caso do índio Kaingang Leopoldo Crespo, 77 anos, morto a chutes e pedradas em Miraguaí, no Rio Grande do Sul. Os responsáveis simplesmente alegaram que queriam despertá-lo.

A Fundação Nacional do Índio (Funai), que prometia ser a solução do colapso, não minimizou o problema, pois, desde a sua criação, em 1967, o dúbio órgão indigenista sempre esteve envolto em intermináveis crises, escândalos, e pouco ou quase nada tem sido feito para defender os direitos dos herdeiros e resolver os permanentes confl itos, a exemplo da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, que é a prova do desrespeito, do descaso ao direito à própria vida humana, porque mantém obstinação em demarcar as terras indígenas.

Para dissimular o problema, lançaram uma tal de Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas como um jato de água fria sobre a fogueira, no desespero de moderar a situação. Mas a farsa continua, porque permite que empresas internacionais de mineração violem a intregridade territorial, com autonomia de passar por cima da própria lei, afi nal é o que diz a “Declaração dos Devastadores da Vida”: Agronegócio da soja, pecuária, madeireiras têm autonomia de devastar as florestas em áreas de preservação, destruir aldeias, expulsar os índios e extinguir a biodiversidade.

Os gritos de justiça e de direito à vida ecoam em todas as direções, em todas as línguas: tupi, macro-jê, aruaque, caribe, pano, macu, yanomami, mura, tucano, catuquina, txapacura, nambiquara e guaicuru, mas nenhuma é ouvida, compreendida pela raça da mesma espécie que não reconhece o índio como ser humano, como cidadão, destacando o caso do índio Galdino, queimado vivo por pessoas que desrespeitam a identidade, a etnia, por não compreenderem que o respeito à vida e a preservação da cultura são direitos adquiridos.

É lamentável que a morte do índio Galdino tenha sido o pontapé inicial para uma série de violências contra o índio, que sofre todos os tipos de agressão. De abril de 1997 a abril de 2007, foram mais de 257 índios assassinados, entre crianças, jovens adolescentes e adultos, nos confl itos pela defesa da terra. E, por incrível que pareça, todos os casos continuam impunes.

É como se fosse uma maldição dos deuses: Surgirão, além mar, seres ambiciosos que se apossarão das nossas terras, escravizarão o nosso povo, levarão as nossas riquezas, destruirão o nosso mundo, e perderemos a terra, a liberdade, a honra, a dignidade… A vida…

Mas o índio, como qualquer cidadão dessa nação, não necessita de leis que demarquem divisas, determinem deveres, proporcionem direitos, protejam valores… Precisam de justiça para que possam viver com liberdade, com segurança e, acima de tudo, com dignidade.

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