Edição 113

Espaço pedagógico

Inteligência, um olhar reflexivo para o professor

Kelly Cartaxo

“A Inteligência Emocional se revela primordial na atividade dos professores, pois pode promover melhores resultados, aumentar a capacidade para lidar com as tensões vivenciadas na escola, assim como melhorar as competências de relacionamento interpessoal.”

Nunes-Valente e Monteiro, 2016

O mundo está caótico: consumismo desenfreado, uso sem consciência das tecnologias, inversão de valores nas famílias e na sociedade como um todo, crianças e jovens confusos com a vida familiar desestruturada, e tudo isso deságua nos muros escolares. Por isso temos que questionar: quem olha para o professor? Quem pensa no estado psicológico e emocional desse profissional? Que tempo ele tem para desenvolver o seu emocional diante de uma jornada de trabalho, dentro e fora da sala de aula, tão extensa? Será que a gestão escolar já tem estratégias para esta situação ou apenas está deixando as coisas caminharem para ver o que acontece?

É perceptível o aumento de casos de docentes que estão perdendo “facilmente” o controle em sala de aula; que estão saturados de apelar para o bom senso e respeito de pais e alunos; que estão cansados de sua longa jornada de trabalho para sobreviver; que estão adoecendo, com, por exemplo, a síndrome de Burnout; e que estão, principalmente, passando a maior parte do seu tempo a refletir sobre o seu papel na sociedade que aí está.

Toda essa realidade docente nos faz refletir acerca dos sentimentos e das emoções que estão lado a lado dos professores no seu percurso formativo e prático, dentro e fora do contexto escolar. São inúmeras as exigências na vida de um professor, e a cada dia parece que surgem novas responsabilidades. Então, como será que caminha a dimensão emocional do docente na atualidade? O que fazer para minimizar os estragos causados pela insuficiência emocional do professor? Será que já existe uma cultura que tencione a dimensão emocional do professor?

Nesse contexto, Silva (2012, p. 6) frisa que “é cada vez mais exigido do professor, enquanto profissional da educação, desenvolver nos seus alunos a capacidade de controle emocional” e que “a relação pedagógica se torna cada vez mais de ordem afetiva”. Frente a isso, é essencial pensar, também, em desenvolver a Inteligência Emocional do docente, pois, para que este possa trabalhar com os seus alunos, é preciso que, primeiramente, tenha consciência de suas próprias emoções e saiba geri-las adequadamente.

A referida autora complementa afirmando que

A passagem de uma concepção do professor de uma perspectiva intelectual para uma perspectiva afetiva evidencia a necessidade de uma restauração da afetividade no domínio escolar, ou seja, na relação humana, inclusive na relação professor-aluno, não há como separar mais a razão dos sentimentos e das emoções (SILVA, 2012, p. 6).

Em face das incertezas vivenciadas no momento atual, em que o “ter” se sobrepõe ao “ser”; em que a informação impera sobre o conhecimento; em que a felicidade parece ser estimulada pelo mero ato de consumir; e em que as relações se tornaram frágeis e conturbadas, aprender a gerir as emoções é crucial na sociedade, principalmente quando se trata do professor, profissional este que tem diversas atribuições no seu dia a dia e como tal precisa desenvolver sua Inteligência Emocional, pois, para Salovey, citado por Camões (2006, p. 2), uma pessoa que tem “[…] uma maior certeza sobre os seus sentimentos tem um maior controle sobre a sua vida, agindo com maior segurança nas suas decisões […]” e, obviamente, no seu fazer pessoal e profissional.

O docente é um profissional que lida diariamente com pessoas, e sabe-se que esse papel não é fácil de se cumprir, pois cada pessoa é um mundo com formas diferentes de ser, pensar e agir. Assim sendo, torna-se indispensável desenvolver a sua Inteligência Emocional, isto é, “[…]a capacidade de identificar os próprios sentimentos e os dos outros, de se motivar e de gerir bem as emoções dentro de si e nos relacionamentos” (Goleman, 1998), a fim de auxiliar na gestão dos conflitos e na prevenção dos comportamentos inadequados frente às situações imprevisíveis que surgem no contexto escolar.

Mediante tudo isso, temos que questionar: e quem ajuda os docentes a desenvolver a sua Inteligência Emocional? Quem os auxilia a olhar para si mesmos? Quem os apoia na construção desse novo percurso razão-emoção?

O quotidiano docente, nos dias atuais, não é um dos mais fáceis de se encarar, pois o professor convive dia após dia com situações de estresse dentro e fora de sala de aula, sejam estas provenientes das ações inerentes à sua prática, sejam por questões com alunos e/ou familiares destes. Defronte a isso, surge, cada vez mais, a necessidade de um professor seguro emocionalmente, autoconsciente, ou seja, um professor que saiba parar e pensar antes de agir, pois “os atributos emocionais do professor na relação pedagógica geram emoções e comportamentos nos alunos, e esse processo nos remete para a importância da educação emocional” (VEIGA BRANCO, 2005 apud NUNES-VALENTE e MONTEIRO, 2016, p. 4). Para um maior aprofundamento e compreensão acerca da autoconsciência, faz-se necessário analisar o que nos afirma Goleman.

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Emocional:

Segundo o autor (1995, p. 83), autoconsciência nada mais é que

A capacidade que os indivíduos têm de saber/perceber o que sentem no momento e usar essas preferências para orientar as suas tomadas de decisões; possuir uma avaliação realista das suas próprias capacidades e um sentido fundamentado de autoconfiança.

Para enriquecer as palavras de Goleman, Wallon (2007, p. 63) enfatiza que

[…] a necessidade é cada vez mais enfatizar a componente pessoal numa relação pedagógica […] Só um indivíduo emocionalmente equilibrado poderá assegurar uma relação pedagógica verdadeiramente eficaz.

Frente a toda essa realidade, é fulcral a necessidade de reconhecimento e valorização do professor, de olhar para esse profissional para além da técnica, de ajudá-lo a desenvolver a sua Inteligência Emocional com o intuito de corroborar com a sua saúde física e mental e com a sua prática, pois já é público e notório que o QE (Quociente Emocional) é tão importante quanto o QI (Quociente Intelectual), e, apesar de serem distintos, eles se completam, fortalecem-se. Para Goleman, citado pelo site SBCoaching (2019, s/p), “A relevância do QI representa 20% do total. Sendo assim, o QE tem uma proporção muito maior, de 80%”.

A Inteligência Emocional, assim como a intelectual, é primeiramente uma função do cérebro. Esta se estabelece em grande medida nos neurotransmissores do sistema límbico central, que dominam os sentimentos e os impulsos. No entanto, apesar de ter uma grande componente genética, certas competências emocionais podem ser adquiridas através da experiência e da formação (REGO E CUNHA, 2003 apud CAMPOS et al., 2014, p. 368).

Para entendermos melhor tudo o que está posto até aqui, é imprescindível explicitar o que é Inteligência Emocional, bem como diferenciar QI e QE e evidenciar os benefícios para uma pessoa que desenvolve a Inteligência Emocional.

Comecemos por entender o que é inteligência. Os autores Consenza e Guerra (2011, p. 117) explicam que inteligência é

[…] uma capacidade muito geral que, entre outras coisas, envolve a habilidade de raciocinar, planejar, resolver problemas, pensar de forma abstrata, compreender ideias complexas, aprender rapidamente e por meio da experiência. Não é apenas uma habilidade acadêmica, uma aprendizagem livresca ou esperteza ao responder testes. Ela reflete uma capacidade mais ampla e profunda para a compreensão do ambiente: apreender o contexto, dar sentido às coisas, antecipar o melhor curso de ação.

Outro autor conceitua inteligência como

[…] a capacidade para aprender com a experiência, usando processos metacognitivos para incrementar a aprendizagem e a capacidade para se adaptar ao meio ambiente que nos cerca. Pode exigir adaptações diferentes no âmbito de contextos sociais e culturais diferentes (STERNBERG, 2012, p. 474).

Diante de conceitos tão intensos e abrangentes, é possível afirmar que todo ser humano que apresenta as capacidades acima descritas são pessoas felizes e de sucesso na vida? Será que ter destreza e aptidão para realizar determinados trabalhos são fundamentais para o êxito na vida pessoal e profissional? O que seria necessário para complementar tudo isso?

Para nos aprofundarmos nas reflexões postas, temos que, a partir daqui, nos debruçar acerca de um novo termo, conhecido como Inteligência Emocional, que passou a ter maior visibilidade na década de 1990 com o psicólogo Daniel Goleman. Mas foi utilizado inicialmente por Salovey e Mayer (1990, p. 189), citados por Romão (2016, p. 6), quando conceituaram Inteligência Emocional como “[…] a habilidade para o monitoramento dos sentimentos em si e nos outros, na discriminação entre ambos e na utilização desta informação para guiar o pensamento e as ações”.

Os mesmos autores, Mayer e Salovey (1997, p. 15 apud ROMÃO, 2016,
p. 6), definiram ainda Inteligência Emocional como

Capacidade de perceber acuradamente, de avaliar e de expressar emoções; a capacidade de perceber e/ou gerar sentimentos quando eles facilitam o pensamento; a capacidade de compreender a emoção e o conhecimento emocional; e a capacidade de controlar emoções para promover o crescimento emocional e intelectual”.

Para complementar o aprofundamento acerca da Inteligência Emocional, Goleman explica que

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A Inteligência Emocional é a competência que as pessoas têm para se automotivar e fazer face às frustrações, para controlar os seus impulsos adiando o prazer da recompensa, para fazer autorregulação do estado de espírito impedindo que o desânimo controle ou reprima a capacidade de pensar, fomentando ainda o sentimento de empatia e esperança (GOLEMAN, 2003, apud CARDEIRA, 2012, p. 4).

Diante das explanações sobre inteligência e Inteligência Emocional, cabe-nos agora fazer a diferença entre QI e QE e descrever os benefícios/vantagens da Inteligência Emocional para a vida de uma pessoa.

Quanto à diferença, pode-se dizer que o Quociente Intelectual está diretamente relacionado com a agilidade mental para raciocinar e aprender, ou seja, com os aspectos racionais. Ele é considerado estável durante a vida e pode ser medido precisamente por meio de testes. Já o Quociente Emocional (QE) está ligado à agilidade emocional, à habilidade em saber gerir as emoções, e ele pode ser desenvolvido/aprendido ao longo da vida.

Sobre isto, Oswaldo (2018, s/p) destaca queimg3

A Inteligência Intelectual e a Emocional são distintas, mas não se contrapõem, elas se complementam. O ideal é que possamos fazer com que nosso QI funcione bem com o nosso QE. O primeiro abre portas, mas é o segundo que mostrará o quanto estamos preparados para lidar com as questões do dia a dia.

É notório que o Quociente Emocional é necessário e de suma importância na vida do professor contemporâneo, pois lhe trará enormes benefícios e o legitimará para que tenha maior tranquilidade e sabedoria no seu dia a dia pessoal e profissional, isto é, um professor com Inteligência Emocional é capaz de:

1. Relacionar-se melhor consigo e com o outro.

2. Ter determinação para com os seus objetivos
pessoais e profissionais.

3. Gerir melhor os sentimentos negativos e positivos.

4. Ser resiliente.

5. Tomar decisões conscientes.

6. Ter empatia pelo outro.

7. Conseguir maior produtividade.

8. Refletir sobre o seu próprio comportamento
e corrigi-lo quando necessário.

9. Ter melhor autoestima.

10. Ter menos ansiedade e estresse.

11. Saber equilibrar razão e emoção.

12. Ser mais comedido emocionalmente.

O contexto escolar no qual o professor está inserido é um ambiente de muitas situações conflitantes e estressantes. Assim sendo, é urgente a necessidade de se estruturar e implementar um programa de formação que almeje o desenvolvimento da Inteligência Emocional do professor a fim de desenvolver nele a capacidade para gerir adequadamente as emoções, favorecendo, com isso, abertura para as mudanças sociais e o equilíbrio emocional, pois, segundo Fernández-Berrocal e Extremera (2002, p. 6) apud Nunes-Valente e Monteiro (2016, p. 8), “O professor para este novo século terá que ser capaz de ensinar a aritmética do coração e a gramática das relações sociais” porque “A verdadeira Inteligência Emocional é o que une o emocional e o cognitivo, e a sua harmonia é o que garante o seu desenvolvimento eficaz para enfrentarmos qualquer situação da vida” (GALLEGO E GALLEGO, 2004, p. 83 apud NUNES-VALENTE, 2016, p. 3).

Referências

CAMÕES, Cristina. A Inteligência Emocional (QE) e o surgimento de um terceiro tipo de inteligência (QS) potenciadora de sucesso e felicidade. O portal do psicólogo. Portugal, 2006. Disponível em: https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0291.pdf. Acesso em 31 de janeiro de 2020.

CAMPOS, Sofia et al. Inteligência Emocional dos professores: relevância para práticas inclusivas. Revista de Psicologia, Vol. 6. Portugal, 2014. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/312399104_INTELIGENCIA_EMOCIONAL_DOS_PROFESSORES_RELEVANCIA_PARA_AS_PRATICAS_INCLUSIVAS. Acesso em 1º de fevereiro de 2020.

CARDEIRA, Ana Rita. Educação emocional em contexto escolar. O Portal do Psicólogo. Portugal, 2012. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0296.pdf. Acesso em 14 de março de 2019.

COSENZA, Ramon. GUERRA, Leonor. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. São Paulo: Artmed, 2011.

GOLEMAN, D. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

Mayer, J. D., Salovey, P. What is emotional intelligence? In P. Salovey e D. J. Sluyter (Eds.), Emotional Development and Emotional Intelligence: Implications for Educators. New York: Basic Books, 1997.

OSWALDO, Yeda. Inteligência intelectual ou emocional: qual a mais importante? Infinity Soluções Inteligentes. Limeira-SP, 2018. Disponível em: https://isiinfinity.com.br/inteligencia-intelectual-ou-emocional-qual-a-mais-importante/. Acesso em 08 de janeiro de 2020.

SBCOACHING. Q.I e Q.E: o que é, diferenças e como usá-los a seu favor. Jul: 2019. Disponível em: https://www.sbcoaching.com.br/blog/qi-qe/. Acesso em 20 de dezembro de 2019.

SILVA, Gidélia Alencar da. A educação emocional e o preparo do profissional docente. Fundação Visconde de Cairu, 2012. Disponível em: https://www.cairu.br/revista/arquivos/artigos/2012_2/1_EDUCACAO_EMOCIONAL_PREPARO_PROFISSIONAL_DOCENTE_Gidelia_Silva_p_5_15.pdf. Acesso em 13 de novembro de 2019.

STERNBERG, Robert J. Psicologia cognitiva [Tradução: Anna Maria Luche, Roberto Galman]. São Paulo: Cengage Learning, 2012.

ROMÃO, Ana Sofia Freitas. Avaliação da capacidade de perceber, expressar e valorizar emoções nas crianças em idade pré-escolar. Dissertação de mestrado, Madeira – Portugal, 2016. Disponível em: https://digituma.uma.pt/bitstream/10400.13/1253/1/MestradoSofiaRom%C3%A3o.pdf. Acesso em 20 de dezembro de 2019.

NUVES-VALENTE, Maria e MONTEIRO, Ana Paula. Inteligência Emocional em contexto escolar. Revista eletrônica de Educação e Psicologia, volume 7. Portugal, 2016. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/315037489_Inteligencia_Emocional_em_Contexto_Escolar. Acesso em 1º de fevereiro de 2020.

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