Edição 93
Espaço pedagógico
Jogos, brinquedos, brincadeiras e brinquedoteca
Sirlândia Reis de Oliveira
Implicações no processo de aprendizagem e desenvolvimento na perspectiva de Froebel
Conhecido como “o educador das crianças”, o alemão Friedrich Froebel (1782?1852) foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase decisiva na formação das pessoas. Viveu em uma época de mudança de concepções sobre as crianças e esteve à frente desse processo na área pedagógica, como fundador dos jardins de infância, para menores de 8 anos.
Os jogos, os brinquedos e as brincadeiras encontrados no cotidiano de uma brinquedoteca, bem como as técnicas utilizadas até hoje em Educação Infantil, devem muito a Froebel. Para ele, as brincadeiras são os primeiros recursos no caminho rumo à aprendizagem. Não são apenas diversões, mas um modo de criar representações do mundo concreto com a finalidade de entendê-lo. Depois de ter observado crianças montando e desmontando jogos, Froebel propõe jogos de construção a fim de possibilitar-lhes a decomposição e a recomposição. O autor entende que a manipulação e a expressão são indissolúveis: é a exploração do material livre, espontâneo e simbólico que leva a criança a criar seus próprios jogos.
Froebel (2001) ressalta que o jogo constitui o mais alto grau de desenvolvimento da criança, a manifestação espontânea e natural do mundo intuitivo, imediatamente provocada por uma necessidade interior. Por isso, quando brinca, a criança está imersa num mundo de alegria, contentamento, paz e harmonia, proporcionado pelo brincar espontâneo.
Froebel considera, então, dois tipos de jogo: os jogos livres e interativos com um fim em si mesmos ? atividades simbólicas e imitativas que a criança desenvolve espontaneamente e em liberdade, destinadas à socialização, como as brincadeiras de faz de conta; os dons e as ocupações (estão entre eles, os jogos de construção), que são pequenos objetos geométricos, como bola, cilindro, cubo, triângulo, esfera, blocos de construção, anéis, argila, desenhos e dobraduras ? suporte de ação para os educadores trabalharem com conhecimentos e habilidades sensoriais, cognitivas, sociais e afetivas. E as ocupações são as atividades orientadas com materiais e objetos educativos específicos.
Meio de representação que a criança dispõe antes dos seis anos de idade, o jogo permite que ela revele o que está escondido dentro de si ? pelo jogo, a criança pode mostrar o que pensa.
A liberdade de expressão que há no jogo possibilita a representação de coisas significativas. O dinamismo interno do indivíduo se transforma em fator de desenvolvimento, que encontra em si mesmo e que se manifesta pela palavra e pelo jogo. Nessa perspectiva, o jogo passou a ser visto como parte do processo de desenvolvimento, construção, interação e socialização da criança.
A educação mais eficiente é, pois, justamente aquela que proporciona autoexpressão e participação social. Dessa forma, o educador deve fazer dos jogos, dos brinquedos e das brincadeiras uma arte, um instrumento para promover e facilitar a educação.
A criança não é uma argila, moldável: é uma força mágica dotada de movimento, de resistência, de uma certa autonomia
BROUGÈRE
Froebel defende a ideia de que o professor deve explorar a capacidade criadora da criança, permitindo que ela tenha ações espontâneas e prazerosas. A partir de objetos de seu cotidiano, a criança tem capacidade para criar significações e representar seu imaginário por si mesma. Por isso, o brincar é representar, é prazer, autodeterminação, seriedade, expressão de necessidades e tendências internas. “A criança não é uma argila, moldável: é uma força mágica dotada de movimento, de resistência, de uma certa autonomia” (BROUGÈRE 1998, p. 63).
Assim como Vygotsky (2000), que vê a interação como ação que provoca intervenção no desenvolvimento da criança, Froebel também defende que, pelos jogos, a criança tem a oportunidade de expor sua capacidade representativa e a interação com outras crianças.
Dessa forma, podemos pensar que as atividades lúdicas cooperativas contribuem e oportunizam para as crianças momentos de expressão, criação e troca de informação, além de trabalhar a cooperação. Sendo assim, torna-se necessário que o educador reavalie seus conceitos a respeito dessas atividades, principalmente com relação aos jogos, para que, nesse processo, a criança tenha espaço para expressar sua fala, seu ponto de vista. Ao propor algum tipo de atividade, o professor deve deixá-la à vontade, pois, através da troca de experiências com outros colegas, da criatividade e busca de soluções, conseguirá construir seu próprio conhecimento.
Segundo Leontiev (2001), a brincadeira não é uma atividade instintiva na criança. Para esses autores, a brincadeira é objetiva, pois ela é uma atividade na qual a criança se apropria do mundo real dos seres humanos. Nesse sentido, a brincadeira, a fantasia, a imaginação, que é um componente indispensável à brincadeira infantil, não têm a função de criar para a criança um mundo diferente do mundo dos adultos, mas, sim, possibilitar à criança se apropriar do mundo dos adultos.
Para Froebel (2001), a brincadeira é um ato que faz parte da natureza infantil, sendo assim, a atividade principal dessa faixa etária, a única forma que a criança tem de expressar seu mundo interior, de se conhecer e de se organizar. Afirma ainda que a brincadeira é a fase mais alta do desenvolvimento da criança, porque na brincadeira a criança está exteriorizando seus impulsos internos.
Concordando com Froebel, Leontiev afirma que a brincadeira é a atividade principal do período pré-escolar, mas as razões para essa afirmação são diferentes das de Froebel.
Assim, a brincadeira constitui-se em atividade principal porque, na idade pré-escolar, ela provoca certas “revoluções” no desenvolvimento infantil.
Consciente da importância dos jogos, dos brinquedos e das brincadeiras, Froebel apresenta-nos seus brinquedos criados para auxiliar a atividade infantil sem ferir o seu desenvolvimento natural.
A apropriação das ideias e dos materiais de Froebel estendeu-se e tomou diferentes caminhos. Nos dias atuais, ocorre intenso uso dos materiais froebelianos, principalmente nos Estados Unidos, de onde a proposta de Froebel se expandiu para países como o Brasil, levando a uma americanização dos jardins de infância.
O jogo livre e simbólico foi implantado de forma mais acentuada no norte da Europa. Na grande parte dos países que seguem a orientação americana, o jogo é substituído pelo dirigido (KISHIMOTO, 1998).
De acordo com Veiga (2000), a proposta de Froebel gerou duas orientações opostas: o brincar livre, destinado à socialização, e o brincar dirigido, voltado para o ensino.
Embora esses dois tipos de jogo tenham representado um avanço pedagógico indiscutível para o seu momento histórico, podemos perceber que as atividades definidas e utilizadas por Froebel como sendo jogos são atividades dirigidas e controladas, preparadas anteriormente pelo professor, com vistas a atingir determinados objetivos educativos. Constituem-se, na verdade, em mais um instrumento de ensino que comporta alguns aspectos lúdicos.
O jogo dirigido parece ter sido a solução encontrada pelos educadores diante da discussão sobre sua utilização pedagógica, pois contemplaria, ao mesmo tempo, a função lúdica dos jogos e sua função educativa. Não seriam utilizados todos os jogos, mas alguns que fossem especialmente construídos para a aprendizagem de conceitos e habilidades.
Acreditamos, porém, que, seja na brinquedoteca, na rua ou na escola, todo jogo infantil é educativo, inclusive o jogo livre, na medida em que tem um papel importante no desenvolvimento da criança. Se considerarmos que a criança pré-escolar aprende de modo intuitivo, adquire noções espontâneas, em processos interativos, que a envolvem por inteiro ? sua cognição, sua afetividade, seu corpo e suas interações sociais ?, o brinquedo adquire um papel de grande relevância para o desenvolvimento. Ao permitir a ação intencional (afetividade), a construção de representações mentais (cognição), a manipulação de objetos e o desempenho de ações sensório-motoras (físico) e as trocas nas interações (social), o jogo completa várias formas de representação da criança ou suas inteligências múltiplas (KISHIMOTO, 2005).
Diríamos então que, desde que mantidas as condições intencionais da criança no brincar, livre ou dirigido, no jogo, brinquedo ou brincadeira, estarão asseguradas as situações de aprendizagem e desenvolvimento.
Sirlândia Reis de Oliveira é autora do livro Jogo, brinquedo, brincadeira e brinquedoteca – suas implicações no processo de aprendizagem e desenvolvimento (Wak Editora),
psicopedagoga e membro diretora da Associação Brasileira de Brinquedotecas.