Edição 114

Construindo mais conhecimento

Liberdade para aprender o que se deseja aprender

Kelly Cartaxo

Público-alvo

Alunos a partir dos 9 anos.

Justificativa

A escola vive hoje, e cada vez mais, diante do desinteresse estudantil, quando crianças e jovens questionam frequentemente os seus pais sobre o porquê de terem de ir para a escola, frisando sua insatisfação, preferindo ficar em casa envoltos por aquilo que lhes dá prazer, sejam os seus brinquedos, livros, jogos ou redes sociais.

Quem já não foi testemunha de pessoas que aprenderam fazendo no seu dia a dia? Aprenderam um, dois ou mais idiomas; aprenderam a valorizar o outro e o mundo; aprenderam a dirigir, a nadar; ou aprenderam a ter uma profissão; ou seja, aprenderam muito mais nessas experiências do que na própria escola. A escola continua a desencantar os alunos com um currículo engessado e práticas pedagógicas ultrapassadas, que, em sua maioria, estimulam apenas a reprodução de saberes e a repetição de atividades para fazer o aluno “aprender”, aprender para fazer instrumentos de avaliação e se obter uma nota. As aulas são, geralmente, expositivas, ou seja, o professor continua a ser o protagonista da aprendizagem do aluno, em vez de o próprio aluno ser o protagonista; e o professor, o mediador.

É totalmente comprovado que, quando nós mesmos fazemos algo, praticamos e criamos, aprendemos muito e de forma eficaz. É por isso que este projeto tem como tema Liberdade para aprender o que se deseja aprender, a fim de se comprovar que é possível aprender mais e melhor quando temos participação ativa, quando opinamos, quando fazemos escolhas e quando fazemos juntos. A Escola da Ponte, em Portugal, é um exemplo de ensino-aprendizagem solidário e comunitário, que visa, principalmente, o conhecimento aprofundado de si mesmo e as relações interpessoais e que prima pelos valores, pois do que nos adianta encher as crianças e os jovens de conteúdos e mais conteúdos se quando saem da escola não sabem como agir perante uma sociedade? E começam a se questionar sobre para que e por que precisaram estudar tantas coisas que não servem e que, talvez, nunca venham a servir.

Existe vida além do Enem e de vestibulares, precisamos dar sentido a essa vida, precisamos dar oportunidade de as pessoas serem autônomas e escolherem o que é bom e importante para si mesmas, de serem felizes, de se sentirem bem consigo mesmas, com o que fazem e com a companhia dos outros, independentemente do desejo de um status imposto por uma sociedade extremamente consumista. Precisamos entender que a vida pode ser mais leve, mais simples… pode ser minimalista, ou seja, “É preciso sentir a chuva em vez de somente se molhar” (Bob Dylan). Por que fazemos escola como uma linha de produção de uma indústria, onde todos devem ser preparados para ter uma profissão que lhes dê status, dinheiro, bens em vez de satisfação, prazer e qualidade de vida? Parece polêmico e contraditório o que aqui está posto, mas é a mais pura realidade.

O propósito deste projeto não é desfazer da escola, porque a escola é e continuará sendo uma instituição de grande valor social, mas é alertar para a mudança. Precisamos lembrar que já estamos no século XXI, mas com práticas do século XIX, século XX. O mundo muda a cada dia, as gerações mudam, tudo muda, e por que a escola permanece com práticas que já não fazem mais sentido para ela mesma e para a sociedade que aí está? É possível existir “a escola dos sonhos” de Rubem Alves. Precisamos querer, precisamos começar!

 

Quando você decide o que é importante, fica muito mais fácil de ignorar o que não é.

Kelly Cartaxo

Objetivos

• Proporcionar o prazer em aprender.

• Estimular a participação e o interesse.

• Fomentar o aprender fazendo.

• Incentivar a autonomia estudantil.

• Reconstruir o olhar para a escola.

• Estimular as relações interpessoais.

• Valorizar as dificuldades como conquistas para o aprender e reaprender.

Metodologia

A ideia deste projeto é que professores verdadeiramente engajados com a educação e os seus alunos possam experimentar um dia de aula diferente, perceber que é possível viver o encantamento pela escola e, acima de tudo, entender o sentido da escola. A proposta inicial é que o professor conheça bem seus alunos. Sendo assim, propõe-se:

1. Durante uma semana, todos os dias, o professor fará um momento, em sua aula que lhe permita conhecer ainda melhor os seus alunos; ele deverá fazer um círculo de partilhas para que possa descobrir quem realmente eles são. É preciso abrir espaço para a escuta ativa sobre: quem sou; o que sinto; como me sinto; por que sinto; quais as minhas preferências, minhas capacidades e limitações, os meus sonhos; como a escola pode ser a minha parceira; o que mais gosto na escola; como aprendo melhor; quais as minhas dificuldades; e o que faço para superá-las.

2. Após esse longo momento de conhecimento e autoconhecimento, vem o segundo momento em que o professor juntamente com os alunos deverão preparar um dia diferente de aula, quando cada um terá a liberdade de escolher conscientemente o que, como e com quem deseja estudar naquele dia. O grupo poderá propor os temas/conteúdos a partir das áreas: linguagem, matemática, natureza, humanas ou outra que deseje estudar. O professor poderá indagar e ajudar nesse momento de escolha, sempre como mediador, nunca para interferir.

3. Construção das regras de convívio comum e compromisso com a própria aprendizagem, bem como da rotina do dia.

4. Feitas as escolhas e construídas as regras, é marcado um horário extra com os alunos para organizarem o ambiente para esse dia de “Liberdade para aprender”. Cada aluno poderá trazer os recursos/materiais necessários, lembrando que tudo deve ser muito simples e aproveitar sempre o que já existe, ou seja, nada deverá ser comprado, mas reaproveitado.

5. Chegado o dia da aula, os alunos deverão se organizar no ambiente previamente estabelecido ao som de uma música instrumental que os acompanhará durante todo o período de aulas. O professor deverá convidar outros colegas mediadores para auxiliarem os alunos em suas possíveis dificuldades nos conteúdos que se propuseram a estudar. Também, os próprios colegas poderão ser conselheiros e auxiliadores nas dificuldades.

6. Sempre que for necessário os mediadores poderão parar os estudos para relembrarem as regras construídas e, assim, estabelecer um ambiente propício ao processo de aprender com liberdade.

7. Os alunos poderão escolher momentos para estudar sozinhos ou em grupos e, à medida que forem tendo dificuldades, poderão solicitar a ajuda dos mediadores. Estes deverão ter atenção aos alunos para perceber suas dificuldades e enaltecer as conquistas frente à aprendizagem.

8. Durante o período de estudo livre, os mediadores farão desafios aos alunos acerca dos temas/conteúdos selecionados por eles para estudarem. Durante a resolução de tais desafios, sempre que surgirem dúvidas, poderão chamar os mediadores ou os colegas conselheiros para auxiliá-los.

9. De 30 em 30 minutos de aula, os mediadores param os estudos e, por 10 minutos, fazem momentos ora de reflexão, ora de partilhas, relaxamento ou apreciação da natureza, de músicas e da companhia do outro.

10. No final, faz-se a avaliação da aprendizagem.

Recursos

• Um cartaz com as regras e outro com a rotina (com materiais já utilizados).

• Música instrumental.

• Livros dos alunos ou da biblioteca da escola.

• Celulares/tablets/computadores.

• Cadernos e lápis do próprio uso.

• Materiais recicláveis.

Avaliação

O processo avaliativo se dará de forma reflexiva, dialógica e coletiva: alunos, colegas conselheiros e mediadores. Em comunhão, analisam se o que foi proposto estudar foi realmente aprendido, se ainda há dúvidas, se o aluno está satisfeito com o que aprendeu. Analisa-se, ainda, como estão se sentindo, o que foi positivo e negativo e o que é possível melhorar. Após esse momento, cada aluno deverá ter um tempo para partilhar com todo o grupo as aprendizagens alcançadas naquele dia. Os mediadores (professores) poderão sugerir novos caminhos a serem trilhados sobre o tema/conteúdo estudado, considerando sempre a sua utilidade para a praticidade da vida.

Kelly Cartaxo é pedagoga, Especialista em Psicopedagogia e Tecnologia Educacional, Mestre e doutoranda em Ciências da Educação.

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