Edição 118

Matéria Âncora

Lições da pandemia

Leo Fraiman

Mulher mascaraQuando o surto de Covid-19 começou a se espalhar pelo mundo, comecei a ficar, como todo cidadão, bastante preocupado. Diante de um aumento considerável da procura por atendimento clínico a distância, somado aos inúmeros convites para lives, fui em busca de uma ótica muito singular a respeito da vida humana. Considerando o fato de atender pessoas de diversas idades e condições sociais, então, tomei uma decisão. Essa decisão partiu de uma pergunta simples: que lugar eu gostaria de ocupar em um momento como esse? Lembro-me que, em um dos primeiros lives que fiz sobre esse assunto, trouxe à tona a ideia de que estamos praticamente todos no mesmo barco.

No entanto, enquanto alguns viajavam sentados, apenas esperando chegar ao ponto onde iríamos atracar, outros iam no convés, tomando sol e tocando a vida tranquilos, imaginando se tratar apenas de mais uma gripe, com a certeza de que não seriam afetados. Outros, ainda, isolavam-se na casa das máquinas para fortalecer sua capacidade de enfrentamento. Muitos costuravam as velas para não se perder na tempestade, enquanto outros assumiam o leme para refazer a rota e repensar seus caminhos e suas estratégias.

Ao propor essa comparação, fiz um convite para lembrarmos que uma das características humanas mais importantes é o fato de sermos incondicionáveis. Aprendi esse conceito quando estava no terceiro ano da faculdade de Psicologia, lendo o livro de Viktor E. Frankl, Em busca de sentido.

“Quando temos um projeto maior do que nós mesmos, algo ao qual podemos nos agarrar, um legado a deixar, uma história para contar, um amor a viver, enfrentamos qualquer situação.”

Nesta obra, Frankl relata sua experiência em Auschwitz, o quarto campo de concentração nazista por onde passou. Ele percebeu que ali, em meio às situações mais adversas, dolorosas e desumanas, em meio a sofrimentos inimagináveis, quase indescritíveis, havia aqueles que dividiam o pouco que tinham e os que tratavam os outros com indiferença.

Frankl pôde observar que, diante de tanta dor, havia aqueles que esmoreciam e chegavam a desistir de viver. Em poucos dias, de fato, muitos prisioneiros pereciam, mas ele se deu conta de que, surpreendentemente, também havia aqueles que mantinham a esperança, que conservavam o brilho nos olhos. Intrigado, Frankl decidiu entrevistar os resilientes para entender o que eles tinham de diferente dos desistentes.

O neuropsiquiatra notou, então, que a presença de algo maior do que aquele momento, como a esperança de um reencontro com a família, o retorno ao lar, o amor a Deus — ou, no caso do próprio Viktor, o sonho de um dia escrever sobre os horrores da guerra e a capacidade do ser humano de superar as adversidades —, fazia parte do projeto de vida daquelas pessoas. Em seu livro, Frankl diz que “Aquele que tem um ‘porquê’ enfrenta qualquer ‘como’”. De fato, quando temos um projeto maior do que nós mesmos, algo ao qual podemos nos agarrar, um legado a deixar, uma história para contar, um amor a viver, enfrentamos qualquer situação.

Menino janela arcoirisEssa força maior, por assim dizer, libera em nós uma energia extra conhecida como energia da alma. A palavra alma vem do latim anima, o que explica o fato de que pessoas capazes de acessar a própria alma com mais facilidade são animadas e mais capazes de enfrentar as vicissitudes que encontram pelo caminho. Elas entendem que a vida é valiosa e que é importante dar-lhe um sentido, seja nos momentos de dor, seja nos de alegria. E o melhor: o sentido das coisas não está literalmente nelas. Somos nós que as significamos, de um jeito ou de outro, a partir da lente com que percebemos a realidade.

Podemos tirar algumas lições disso tudo. Eu procurei trazer esse aprendizado para minhas consultas on-line, para meus familiares e amigos. Ao longo do período da pandemia, procurei pensar em formas de atravessar a situação com serenidade, sem me afundar em angústias. Minha primeira atitude, então, foi aumentar a frequência das minhas meditações.

Gosto de praticar a meditação transcendental: ela me ajuda a aquietar a alma, a silenciar a mente, a diminuir a ansiedade, a encontrar serenidade, a livrar o cérebro de distrações e a me conectar com minha paz interior. Sempre penso melhor depois de meditar, e se esse já era um hábito presente em minha vida, a meditação diária, feita de manhã e ao final da tarde, preparava ainda melhor a minha mente para enfrentar a rotina complexa e desafiadora dos dias de isolamento.

Resolvi, também, aumentar a frequência das minhas orações. Não levantava da cama e não dormia antes de pedir a Deus que me desse forças para viver mais um dia, que me trouxesse paz para aceitar as ações que pudessem fazer bem para os outros, mas também a serenidade necessária para quando eu me sentisse ansioso, angustiado, perdido ou irritado. Percebi que, além de rezar, podia agradecer: por ter pacientes em atendimento, por poder dar entrevistas, por ter alguém para me escutar, por ter comida na geladeira, por ter uma cama quente para dormir e por meus bichos de estimação. Tudo isso me trazia calma em meio ao turbilhão de dúvidas e angústias que eu e toda a humanidade estávamos vivendo.

 

Ler, estudar, assistir,
ouvir podcasts,
buscar bons estímulos,
tudo isso
pode ajudar a nos
manter nos eixos.

Em relação à saúde, notei que, se comesse mais vezes ao dia, em porções menores e alimentos mais saudáveis, eu ganhava mais energia, pois não desgastava tanto o meu corpo. Comecei a pesquisar, então, ainda mais sobre alimentação, hidratação e cuidados com o corpo, praticando o máximo a ideia de que um corpo são resulta em uma mente sã. Com meu organismo limpo, forte e saudável, passei a gastar menos energia para mantê-lo ativo, usando a disposição extra para imaginar, criar e encontrar não apenas caminhos individuais, mas diferentes possibilidades para todos aqueles que precisavam de mim naquele momento.

Homem_montanha_meditacao_Paralelamente, também reforcei a prática esportiva. Mesmo nos dias em que não sentia vontade de me exercitar, usei da disciplina, o que foi libertador. Cada vez que eu me dedicava a alguma atividade, fazia aquilo por mim, pelos meus familiares, pelos meus pacientes e por Deus, que contava comigo como seu aliado. Sempre gostei de pensar que Ele pode me usar para trazer algo de bom aos meus semelhantes.

Assim, organizando minha rotina diária, sem gastar energia em planos de longo prazo, sem cair nas armadilhas dos guardiões do Apocalipse, que prometiam um amanhã terrível e uma pós-crise ainda mais dolorosa, resguardei-me na certeza de que estava vivo e de que tinha algo a contribuir.

Afastei-me da histeria de fim do mundo e da crença superficial de que a Covid-19 era apenas uma gripe sem importância. Ao assumir a posição de piloto da minha própria vida, ao liderar a mim mesmo, percebi ser capaz de superar as tempestades com mais humanidade.

Afinal, mais importante do que estar vivo é escolher como se quer viver.

Eu escolhi viver para servir e, assim, também consegui cuidar de mim mesmo. Percebi, mais uma vez, que quanto mais distribuímos amor e felicidade, mais recebemos em troca.

Uma das coisas que mais me fortaleceu nesse período foram os filmes, as séries, os vídeos do YouTube e as palestras do TED Talk que falavam sobre resiliência e superação. Entre as séries, duas me chamaram a atenção logo nas primeiras semanas: A vida e a história de Madam C.J Walker (2020), que conta a trajetória da primeira mulher negra a se tornar milionária nos Estados Unidos; e Mr. Selfridge (2013), que narra a história de um dos grandes empreendedores do começo do século passado, um homem à frente do seu tempo que buscava, incansavelmente, melhorar seus produtos, sua marca e a experiência dos seus clientes.

O filme Joy: o nome do sucesso (2016) também me marcou muito.

A personagem principal, uma jovem norte-americana brilhante, mas de vida nada fácil, foi responsável por criar uma linha de esfregões de limpeza que conquistou o país. Nessa história, aprendi que devemos nos ouvir mais e nos conectar com nossos verdadeiros desejos, entendendo quando é preciso abrir mão da opinião dos outros.

Ler, estudar, assistir, ouvir podcasts, buscar bons estímulos, tudo isso pode ajudar a nos manter nos eixos. Mesmo nas horas em que nos sentimos perdidos, o exercício de nos recolhermos, de voltar nosso olhar para dentro, é capaz de nos devolver o desejo de viver e de seguir com nosso compromisso, contribuindo, da melhor forma possível, para uma vida mais leve e proveitosa. Eu escolhi viver, e viver bem. E você?

 

FRAIMAN, Leo. Superação e equilíbrio emocional: 35 caminhos para enfrentar os novos tempos. São Paulo: Gutenberg, 2020. p. 94 e 95.

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