Edição 24

A fala do mestre

Mestre Vitalno (Rafael ds Santos Barros*)

Caruaru04De Vitalino, as mãos eram mãos santas,
Que modelaram em barro os nordestinos
E transportaram a dor e os desatinos
Para os bonecos, tantas vezes, tantas!

Bonecos mudos! Quantas vezes, quantas?
Minha alma cega, por meus olhos, viu
A tua dor, meu coração sentiu
No canto triste que ainda hoje cantas.

Soprou-se a vida num boneco mudo,
Que, sem falar, assim dizia tudo
Dos nordestinos, dos destinos seus.

Advertência dos que nascem pobres
Pelas mãos rudes que ficaram nobres,
Abençoadas pelas mãos de Deus.

(Homenagem da Casa da Poesia de Caruaru)

Mestre Vitalino
Rafael dos Santos Barros*

Vitalino Pereira da Silva nasceu no dia 10 de julho de 1909, no Sítio Campos, em Caruaru, Pernambuco. Morava no Alto do Moura, uma vila a cerca de seis quilômetros de distância de Caruaru.

Seu pai, humilde lavrador, preparava o forno para queimar peças de cerâmica que sua mãe fazia, para melhorar o orçamento familiar.

E sua mãe, artesã, preparava o barro que ia buscar nas margens do Rio Ipojuca. Depois, sem usar o torno, ia fazendo peças de cerâmica utilitária, que vendia na feira. Levava a cerâmica nos caçuás (cestos grandes) colocados nas cangalhas do jegue (burrico).

Com apenas seis anos (1915), Vitalino iniciou-se na arte do artesanato de barro. Como toda criança, fazia bichinhos — boi, cavalo, bode — com as sobras do barro usado por sua mãe, que era louceira, designação dada às mulheres que faziam utensílios domésticos de barro. Chamava essa produção de loiça de brincadeira. Vitalino passou da loiça de brincadeira para as cerâmicas figurativas com a peça Gatos maracajás trepados numa árvore, acuados por um cachorro, e, embaixo, o caçador fazendo pontaria com a espingarda, dizem que foi o primeiro grande sucesso de Vitalino, dos 130 tipos que criou.

Caruaru01

O material que ele usava para as suas peças era o massapê, que retirava da vazante do Rio Ipojuca e transportava em balaios para casa. O barro era molhado e deixado em um depósito por dois dias para ser curtido, sendo então amassado e modelado. As peças eram cozidas em forno circular, construído ao ar livre, atrás da casa.

Por volta de 1930, com vinte anos de idade, Vitalino fez os seus primeiros grupos humanos, com soldados e cangaceiros, representando o mundo em que vivia.

Sua capacidade criadora se desenvolveu de tal maneira que acabou se tornando o maior ceramista popular do Brasil.

Fazia peças de “novidade” — retirantes, casa da farinha, terno de zabumba, batizado, casamento, vaquejada, pastoril, padre, Lampião, Maria Bonita —, representando o seu povo, o seu trabalho, as suas tristezas, as suas alegrias. Retratava em suas peças o seu mundo rural.

No início, a aplicação da cor nos bonecos era feita com barro de diferentes tons — tauá, vermelho, branco. Depois, Vitalino passou a usar produtos industriais na pintura dos seus bonecos. As peças da primeira fase não possuíam marca de autoria. Posteriormente, o artista passou a assinalar com lápis e tinta preta as iniciais V.P.S., no reverso da base dos grandes grupos, e, a partir de 1947, começou a utilizar o carimbo, também de barro, com as mesmas iniciais V.P.S., adotando, em 1949, o seu nome de batismo.

Casado com Joana Maria da Conceição, segundo contam, era tímido, cordial, amigo de todos, católico tradicional, devoto de Padre Cícero e festeiro. Como muitos, era analfabeto, pois praticamente não existiam escolas na região.

Teve 18 filhos e, destes, somente cinco viveram até a idade adulta. Amaro Vitalino (1934), Manuel Vitalino (1935), Maria Pereira dos Santos (1938), Severino Vitalino (1940), que assinou durante muito tempo seus trabalhos como Vitalino Filho (nome de fantasia), e Antonio Vitalino (1943).

Dono de um grande talento musical, aprendeu a tocar pífano (espécie de flauta sem claves e com sete furos) e, com apenas 15 anos, montou sua própria banda, a Zabumba Vitalino.

Mestre Vitalino morreu de varíola aos 20 de janeiro de 1963, na humilde casa onde morava, no Alto do Moura. A partir dessa época, os bonecos de barro de Vitalino ganharam fama como obras de arte e passaram a percorrer o Brasil e o mundo.

Após sua morte, foi inaugurada, no Alto do Moura, a Casa Museu Mestre Vitalino, onde estão expostas as suas principais peças. Sua produção é estimada em cerca de 130 peças, que são cuidadosamente reproduzidas pela família. Hoje, os seus trabalhos mais valorizados são os da primeira fase de sua obra, em especial aqueles em que os olhos dos bonecos são vazados, e não pintados. Os seus filhos, netos e bisnetos continuam o seu trabalho até hoje.

Caruaru02ALTO DO MOURA

Considerado pela Unesco como o maior centro de arte figurativa das Américas, concentra cerca de 200 artesãos que lidam com a arte da cerâmica, fazendo de cada casa um ateliê. Possui bares e restaurantes regionais ao longo de sua rua principal. Hoje, o Alto do Moura, localizado a 7 km do centro de Caruaru, é referência nacional na produção de cerâmica.

O processo de confecção das peças é o mesmo há anos. O barro utilizado é retirado, em forma de terra, das margens do Rio Ipojuca. Após a secagem, as obras são queimadas em forno de lenha por até dez horas.

Hoje em dia, o seu filho Severino Vitalino está à frente da Casa Museu Mestre Vitalino, juntamente com a Prefeitura de Caruaru, que fica localizada na Rua Mestre Vitalino, 644, Alto do Moura – Caruaru/PE. Fone: (81) 3722-0397

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