Edição 70
Em discussão
O brincar como linguagem essencial da criança
Valeska Nogueira de Lima
Ainda é comum encontrarmos pessoas, até mesmo educadores, que acreditam que as crianças brincam apenas por prazer, já que elas passam muito tempo brincando e ficam bastante envolvidas nesse tipo de atividade. Porém, existem razões que levam a criança a brincar, uma delas é a necessidade de sair do plano da realidade e mergulhar num mundo de imaginação em que tudo é possível. Sendo assim, a brincadeira contribui para a criação de uma nova relação entre situações do pensamento e situações reais, favorecendo o processo de socialização das crianças, oferecendo-lhes oportunidades de realizar atividades coletivas livremente, além de ter efeitos positivos sobre o processo de aprendizagem, o desenvolvimento de habilidades básicas e a aquisição de novos conhecimentos.
O brincar no contexto atual
As transformações sociais, políticas e econômicas que têm ocorrido em nossa sociedade e as mudanças tecnológicas contribuem para a diminuição dos espaços públicos de lazer, além disso a crescente insegurança impede o brincar nas calçadas, praças e parques. Percebe-se que a televisão, o computador e os jogos eletrônicos estão cada vez mais presentes no cotidiano de grande parte das crianças. Ou seja, as mudanças na sociedade transformaram significativamente a maneira de brincar.
A brincadeira é uma rica fonte de estímulos ao desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança e também contribui para o seu processo de socialização e autoexpressão. O brincar, além de ser um facilitador do desenvolvimento infantil, é a forma que a criança possui para se comunicar com o mundo, expressar seus sentimentos, conviver com as diferentes emoções, conhecer seu próprio corpo.
Por meio da brincadeira, as crianças ampliam seus conhecimentos sobre si mesmas e sobre o mundo que as cerca. Nesses momentos lúdicos, elas criam situações imaginárias que surgem a partir dos conhecimentos de mundo que já possuem, antecipam vivências, imitam os adultos.
A brincadeira no desenvolvimento da criança
Talvez poucos pais e educadores saibam o quanto é importante o brincar para o desenvolvimento físico e psíquico da criança. A ideia, difundida popularmente, de que o ato de brincar é um simples passatempo, sem funções mais importantes que a de entreter a criança em atividades divertidas, não leva em consideração que a brincadeira é capaz de oferecer às crianças uma ampla estrutura básica para mudanças das necessidades e tomada de consciência: ações na esfera imaginativa, criação das intenções voluntárias, formação de planos da vida real, em motivações intrínsecas e na oportunidade de interação com o outro, que, sem dúvida, contribuirão para o desenvolvimento da criança.
De acordo com o Referencial Curricular para a Educação Infantil (1988, p. 27), “a brincadeira é uma linguagem infantil que mantém vínculo essencial com aquilo que é o não brincar”. A brincadeira se manifesta como uma rica forma de imaginação, e a criança faz uso da linguagem simbólica para diferenciar o que é realidade do que não é.
Grande parte das crianças gosta de cantigas de roda e de brincadeiras cantadas, mas, infelizmente, as gerações atuais estão perdendo o gosto por essas formas de brincar, por isso há a necessidade de resgatá-las, de modo a valorizar nossa cultura e proporcionar o desenvolvimento da brincadeira como algo prazeroso e que possibilita o desenvolvimento.
Sendo assim, é importante incentivar a conscientização dos pais e educadores sobre um trabalho conjunto para a introdução do brinquedo na aprendizagem da criança desde a Educação Infantil.
A perspectiva de Piaget e de Vigotsky sobre o brincar
O uso de brinquedos e brincadeiras em sala de aula é defendido por vários teóricos, que mostram a importância dos mesmos no desenvolvimento da criança. Dentre eles, destacam-se Jean Piaget e Lev Vygotsky.
Para Piaget, o jogo constitui-se em expressão e condição para o desenvolvimento infantil, já que as crianças, quando jogam, assimilam e podem transformar a realidade.
Piaget (1998) diz que a atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança, sendo, por isso, indispensável à prática educativa. Também considera que a brincadeira atua como uma forma de assimilação do real ao Eu da criança. Para adaptar-se ao mundo, ela faz uma representação deste, e a brincadeira é uma atividade que transforma o real de acordo com suas necessidades afetivas e cognitivas.
Segundo Vygotsky (1989), a criança usa as interações sociais como formas privilegiadas de acesso a informações: aprende a regra do jogo, por exemplo, através dos outros, e não como o resultado de um pensar individual para a solução de problemas. Dessa maneira, ela aprende a regular seu comportamento pelas reações. Vygotsky (1989, p. 109) ainda afirma que:
É enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, em vez de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não por incentivos fornecidos por objetos externos.
As brincadeiras que são oferecidas à criança devem estar de acordo com a zona de desenvolvimento em que ela se encontra e devem ser estimulantes para a ampliação do ir além; dessa forma, pode-se perceber a importância de o professor conhecer a teoria de Vygotsky.
Na visão sócio-histórica de Vygotsky, a brincadeira e o jogo são atividades específicas da infância, em que a criança recria a realidade usando sistemas simbólicos. Essas atividades são humanas e criadoras e têm contexto cultural e social, nas quais imaginação, fantasia e realidade interagem para a produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão e de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos, crianças e adultos.
Por fim, considera-se as palavras do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998) ao afirmar que:
É preciso que o professor tenha consciência de que, na brincadeira, as crianças recriam e estabilizam aquilo que sabem sobre as mais diversas esferas do conhecimento, em uma atividade espontânea e imaginativa. Nessa perspectiva, não se deve confundir situações nas quais se objetiva determinadas aprendizagens relativas a conceitos, procedimentos ou atitudes explícitas com aquelas nas quais os conhecimentos são experimentados de uma maneira espontânea e destituída de objetivos imediatos pelas crianças. Pode-se, entretanto, utilizar os jogos, especialmente aqueles que possuem regras, como atividades didáticas (p. 29).
Existem momentos em que a criança brinca por puro prazer e porque sente necessidade de brincar para expressar seus sentimentos. Esses momentos não devem ser descartados da prática educativa. Se o professor permite que a criança brinque apenas para aprender um determinado conceito, por exemplo, ela se tornará resistente a participar das atividades propostas, pois irá perceber que o seu brincar não será espontâneo e natural, inerente ao seu ser.
Valeska Nogueira de Lima é graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e Especialista em Psicopedagogia pelas Faculdades Integradas de Patos (FIP). Endereço eletrônico: valeskanlima@yahoo.com.br.
Referências bibliográficas
Brinquedos e Brincadeiras na Comunidade. Pastoral da Criança. Curitiba, 2005.
MANSO, Teresa Cristina. A Importância do Brincar como Facilitador do Desenvolvimento. Disponível em: http://www.labrinjo.ufc.br/artigos%20e%20textos/at-05.htm. Acesso em 16 de maio de 2010.
PIAGET, Jean. A Psicologia da Criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1988.
VYGOTSKY, Lev. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
ZACHARIAS, Vera Lúcia Câmara. O Lúdico na Educação Infantil. Disponível em http://www.centrorefeducacional.com.br/ludicoeinf.htm. Acesso em 16 de maio de 2010.