Edição 73

Matérias Especiais

O burnout: por que os professores sofrem?

Nildo Lage

Para se cumprir o artigo primeiro da constituição da vida, o tribunal do mundo determina resistência. Do contrário, o humano não suportará o fardo da trajetória viver, pois o novo milênio constitui flexibilidade, e este é implacável quando decreta: “Ser o melhor, chegar na frente é a única oportunidade para se ocupar um posto de evidência”. Atingir esses propósitos profissionais vem sendo o agente de um mal que atormenta a humanidade, e, em meio ao temporal de desafios, a maioria trabalha em constante tensão, sempre no limite da capacidade, e é justamente esse extremo que está conduzindo muitos por um caminho que preocupa órgãos como a Previdência Social, que se vê impelida a antecipar aposentadorias às vítimas da ardilosa moléstia síndrome de burnout.

A síndrome acossa os amantes do trabalho ininterrupto e exercido em meio às turbulências emocionais, físicas e psicológicas. Funções cujos resultados dependem do outro fazem o profissional se ver instigado a atingir propósitos coletivos que extraem suas energias e minam suas forças devido à sobrecarga de responsabilidades.

Contudo, muitos a desconhecem e questionam: O que é síndrome de burnout? Pouco se entende por ter nascido da fusão de dois termos da língua inglesa: burn — queimar — e out — fora —, que, traduzidos para o português, formam uma elocução que espanta: “Ser consumido pelo fogo”.

Só que essa síndrome, também conhecida como esgotamento profissional, não é um distúrbio desconhecido do psíquico humano, pois, desde 1974, o médico americano Freudenberg a delineou, traçando como particularidades o conflito emocional e as estricções crônicas. Os indícios principiam silenciosos, sorrateiros e salientam sintomas comuns para a sociedade contemporânea — como o estresse.

Professor bombardeado… Educação enferma

Esse profissional é um alvo fácil, pois o meio ambiente do trabalho do professor é sempre prolixo e as estatísticas são alertas de que a síndrome de burnout, assim como alterações na pressão arterial, é uma ameaça invisível e silenciosa. A sua propagação é capciosa e, por ser uma síndrome multidimensional, atinge pontos que desequilibram o humano: no primeiro estágio, o estresse bate à porta, mas, por ser discreto e comum em todos os ambientes de trabalho, não é levado a sério por não afetar o desempenho profissional, embora o emocional emita o sinal de que, dia após dia, problema após problema, não suportará a sobrecarga, revelando que esse intruso atua na surdina sugando energias, podando iniciativas… O íntimo sente o impacto e aciona o alerta vermelho, prenunciando que é o momento de fazer a parada obrigatória para recarregar a bateria.

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Normalmente, o estacionamento não acontece, e, nesse tirocínio, os nervos são abalados e o sistema nervoso envia imediatamente o recado de que já está à flor da pele e que, se não elevar o nível de energia para promover um relaxamento, o depauperamento será inevitável. Contudo, o humano é arredio, não obedece aos alertas do corpo e avança a passos largos até chegar ao nível de intolerância.

Com as estruturas emocionais abaladas, as explosões são inevitáveis, e, devido à falta de acompanhamento e suporte, muitos rompem a barreira do Eu e detêm-se na despersonalização. Sentimentos e afetos consumidos, à medida que prosseguem, reduzem os horizontes profissionais, pois o negativismo passa a sorver o que restou do afeto pelo outro, pela própria profissão, e a rotina muda de tal maneira que laços de envolvimento afetuosos são partidos.

A partir daí, o esgotamento profissional atinge o nível máximo e o que começou com simples estricções prospera para as fronteiras da depressão. Aquele professor pontual, atuante, começa a acercar-se de desculpas pelos atrasos, a liberar a turma mais cedo, a faltar e a chegar à escola “largadão”.

Se o paciente não buscar ajuda clínica, a síndrome o convidará para trilhar um caminho que restringirá o seu rendimento profissional e o relacionamento com os colegas de trabalho, e os conflitos se intensificarão, principalmente na família, que começará a pagar a sua parcela: filhos e cônjuge agredidos… E se esta — a família — não ampará-lo por meio de auxílio salutar, o problema excederá o psicológico, partirá para o emocional e abarcará o físico. Nessa progressão, o corpo é mapeado para que a angústia seja distribuída proporcionalmente: a cabeça é arrastada por ondas de dores insuportáveis e submergida pela enxaqueca; todo o sistema nervoso é afetado, e dores musculares e fadiga passarão pelo corpo, até chegarem ao íntimo, prosseguindo num tique-taque inquietante que altera a pressão arterial, tira o sono; e, quando os distúrbios gastrintestinais entram na guerra, é impossível conter a hiper-hidrose.

Se o paciente não buscar ajuda clínica, a síndrome o convidará para trilhar um caminho que restringirá o seu rendimento profissional e o relacionamento com os colegas de trabalho, e os conflitos se intensificarão, principalmente na família, que começará a pagar a sua parcela: filhos e cônjuge agredidos…

A partir desse ponto, todo cuidado é pouco, principalmente com os diagnósticos que, muitas vezes, aplicam tratamentos para estresse e agravam a crise; em alguns casos, é preciso recorrer à psicométrica — questionário baseado na Escala Likert — para constituir o diagnóstico.

Por exercer um ofício estressante, o professor deve se precaver, pois cumprir a missão de formar cidadãos se converte em verdadeiras pelejas que exigem resistência física, estrutura emocional e psicológica e coragem. A sala de aula, de tão impregnada de ranços e violência, o expõe ao fogo cruzado: de um lado, alunos abnegados; do outro, um sistema falido, que mal ostenta a escola de portas abertas, já que não oferece oportunidades, refletindo o abandono, a desistência de propósitos que intensificam o pesadelo maior da educação: a evasão. E, nesse choque de realidades, o professor se torna tão somente um elo perdido.

A situação chegou a um estágio tão crítico que, independentemente da comunidade — grande ou pequena, urbana ou rural —, a circunstância não é diferente. Tanto que, em uma das minhas andanças à caça de referências, cheguei a uma cidade mineira, aparentemente pacata — daquelas em que todo mundo conhece todo mundo e as compras ainda são anotadas num caderninho de folhas amareladas —, mas que me impressionou pela tensão no ambiente das poucas escolas locais, devido à prostituição e às drogas, que transformam o espaço escolar num ambiente hostil, onde o que menos interessa aos alunos são os conteúdos que se aplicam.

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Numa roda de conversa com professores de uma escola de Ensino Fundamental, vieram à tona fatos absurdos, como os relatados por um professor de História. Ele entrou numa sala do 7º ano e um aluno — que já havia sido reprovado cinco vezes e que tinha faltado à sua aula anterior por ter sido retirado da sala pelo professor de Língua Portuguesa devido a uma briga, sendo suspenso por um dia e perdendo sua avaliação — aproximou-se de sua mesa e deu o ultimato: “Se o ‘profi’ não lançar no diário a minha nota — e tem que ser na média —, eu e a minha galera resolveremos a ‘paradinha’ depois do portão!”.

Num ato instintivo de autodefesa, o professor replicou: “Conhece ‘fulano’?” — era o chefe de uma boca. O aluno arregalou os olhos num gesto de incredulidade e respondeu: “Conheço!”. “Pois é!” — o tom era de intimidação — “Darei duas pedras por cabeça para que ele dê fim em você e na sua gangue!”. “O que é isso, mano?” — o tom de voz do aluno suavizou como num passe de mágica — “Estou apenas zoando!” — e tratou de se afastar. Nunca mais se engraçou com o professor.

Em outra escola do município vizinho, um aluno de 13 anos que ainda estava no 4º ano — já havia passado por todas as escolas da cidade e foi matriculado na última por determinação judicial — teve uma desavença com o professor, que o impediu de agredir um colega.

No dia seguinte, voltou a atacar o colega e foi encaminhado à direção. Como o seu problema demorou a se resolver, o aluno começou a ficar atribulado e pedia insistentemente que pegassem a sua mochila. Curioso, o coordenador de disciplina foi chamado para pegar a mochila do referido aluno e, ao abri-la, o que encontra? Nada menos do que uma arma. Ao ser abordado sobre o objeto, o aluno confessou com naturalidade de que ia se vingar do professor e de todos aqueles que o perseguiam na escola. O gestor acionou o Conselho Tutelar imediatamente. Os conselheiros ficaram pasmos com tamanha frieza do adolescente e chamaram a polícia para fazer a ocorrência. A orientação policial ao gestor foi a seguinte: “ Toma todas as medidas que determina a lei e deixa o resto com o Conselho. Suspenda-o por uma semana até tomarmos as devidas providências! Esse jovem é um velho conhecido nosso e é uma ameaça a toda a comunidade escolar!”.

Quando parti para a zona rural, a situação não foi diferente. Numa escola do campo de apenas uma sala — multisseriada —, um aluno de 8 anos decidiu que levaria o seu “bichinho” de estimação para a sala — um boi — e alertou à professora: “Se a tia não gostar, no dia seguinte trarei uma cobra para picar o seu pé!”. Ato contínuo. No dia subsequente, não teve aula, pois o animal ficou preso na porta e foi preciso chamar uma legião de vaqueiros para retirá-lo.

E, assim, o ambiente escolar se torna mais tenso, impelindo o professor a exercer o seu trabalho num ininterrupto clima de pressão psicológica, emocional, entremeados por medos e ameaças. Sofrer — silenciosamente — muitas vezes é um ato de defesa para sobreviver ao intenso mal-estar que se tornou o desafio de ensinar aos frutos de uma sociedade esfacelada. As variações de valores e deveres recaem sobre os ombros do professor, convertendo-se numa sobrecarga insustentável, num compasso em que a Educação não tem tempo para se harmonizar, e o professor se vê nesse espaço como um instrumento que não se acopla ao sistema, que não proporciona condições que o auxiliem no cumprimento de suas metas profissionais para, assim, atingir os desígnios da Educação.

É tempo de o sistema despertar e entender. Por que os professores sofrem?

Não é preciso ir muito longe para obter respostas que incomodam. Basta entrarmos na primeira escola e fazermos um diagnóstico. Nos questionamentos e nas abordagens, deparei-me com os mesmos problemas, o que os diferencia é a proporção — que altera de acordo com o porte da escola —, mas foi o professor Y, cabelos brancos e já atribulado pela perene expectativa da aposentadoria, que fez um raio X da situação.

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Arrastei-o para um canto do pátio e fiz a tradicional pergunta ao pé do ouvido: “Por que sofrem os professores?”. A resposta foi surpreendente: “Os professores começam a padecer desde o instante em que decidem cursar uma licenciatura. O primeiro passo, a sala da universidade, a artificialidade de alguns professores — por trabalharem em duas ou três universidades em localidades diferentes — é de uma dimensão que alguns alunos nem são notados. Até então, os sonhos ainda superam os fracassos, pois entrevemos um horizonte e prosseguimos… Mas a primeira pontada que provoca uma dor sutil no ego advém no momento do estágio.

Nesse segundo ingresso ao planeta sala de aula, deparamo-nos com o ‘buraco negro’ da Educação — o descaso do sistema e o desrespeito dos alunos para com o professor — e entendemos como ele sofre para cumprir a missão de ensinar a quem não tem interesse de aprender. A posição de frente — ocupada pelo docente — não é uma zona agradável, como quando acreditávamos que ensinar e aprender eram processos naturais. É preciso disposição, estrutura técnica e ousadia para afrontar uma geração que sabe um pouco de tudo, mas não quer saber de nada… Poucos encaram os estudos como projeção para um futuro promissor, e, nesse instante, acontece a grande descoberta: sala de aula é um campo minado, e ser professor é assumir uma operação num ambiente onde ninguém está seguro, pois somos surpreendidos a cada passo.

Outro fator que extrai gemidos de dor e estremece a autoestima do professor é que, com a Educação, mesmo sendo obrigatória, a comunidade escolar não se envolve. A maioria dos pais são omissos e acreditam que participar é matricular o filho, levá-lo todos os dias ao portão e entregá-lo à responsabilidade do professor.

Pedimos socorro ao sistema, e este dá as costas e diz: ‘Não posso fazer nada!’. Este não poder fazer nada nos provoca uma terrível sensação de impotência, principalmente quando abrimos mão do final de semana ou da própria família para prepararmos as aulas, e não percebemos nenhum avanço, pois o desenvolvimento do aluno não acontece.

O crescimento é tão lento que desmotiva, e, na maioria das vezes, o aluno se nega a fazer as tarefas. Pedir auxílio da família, muitas vezes, é perda de tempo. Os pais nunca podem fazer uma visita. É você ou você pelo seu aluno. E o mais surpreendente, em muitos casos o aluno quer o envolvimento dos pais, mas estes, simplesmente, se negam.

E o professor se vê entrincheirado entre os desafios e o descaso do sistema e, para suavizar o problema, sente-se impelido a deixar de lado o papel de ensinar, para sanar dificuldades sociais e familiares, pois o Conselho Tutelar, o Creas e até mesmo a polícia são mais presentes na vida desses alunos do que a família, que, na maioria das vezes, é constituída por padrasto alcoólatra ou usuário de drogas. E o professor se torna a veia de escape para receber os resquícios desse desequilíbrio.

Nesse baque, a ficha cai e nos certificamos de que ser professor é como aprender a caminhar: tropeços, quedas, desacertos… Momentos de instabilidade, de hesitação e fracassos que desencorajam, assustam, atemorizam… Mas, nesse ponto da caminhada, não podemos regressar. Investimos todas as economias ou estamos atrelados ao Fies por 4 anos. Não há opção: temos que cumprir a missão de ser professor e, nessa jornada, desvendamos o quanto o laboratório sala de aula é eficaz. Pois nos ensina a sutil diferença entre ensinar e transmitir informações, ser professor ou apenas mais um no quadro da escola [e assinala a distância milimétrica entre educador e educando]: educando pode tudo, tem direito a tudo; e educador cumpre metas. Nesse universo, o que mais o professor aprende é o que acredita que vai ensinar; muitos que não admitem essa regra como parâmetro pagam um alto preço: derrotas e frustrações, que, com o tempo, tornam-se referenciais para ensinar a uma geração que tudo o que quer é não querer aprender para ser um cidadão melhor.

Em meio à magnitude desses empecilhos, um alerta dispara, prenunciando que é preciso abrir caminhos alternativos, construir pontes, para que não advenha algo pior: a submersão nos problemas sociais, familiares e políticos que transitam por corredores, sala de professor e direção.

Com o passar dos anos, o desgaste físico, emocional, psicológico do professor são notórios e refletidos no departamento de Recursos Humanos, cuja ficha se torna um amontoado de atestados e laudos médicos e a experiência passa a ser o radar: a prudência ordena calar, o que importa é não se importar, principalmente com o outro, pois aluno é apenas aluno… Que vai e vem ano após ano… E o seu é tão somente um que será substituído no próximo ano letivo. O fundamental é concentrar as energias para levar o calendário a cabo e poupar forças para contar nos dedos quantos anos, meses, dias, horas, minutos ainda restam para se aposentar”.

Foi nesse instante que compreendi que os movimentos dos professores em busca de melhores condições de trabalho e salários justos é uma questão de sobrevivência para a classe, e o governo deve analisar suas reivindicações com extremo cuidado — pois são alarmantes os disparates que provocam o desequilíbrio no ambiente escolar — para, assim, atenuar o sofrimento do professor, por meio da redefinição de parâmetros, da redistribuição de responsabilidades, da reformulação de regras, da determinação do cumprimento de metas como base para uma educação humanista. Só que o sistema não reage e tem receio de romper o silêncio, olhar nos olhos dos professores e perguntar: “O que a classe necessita?”.

Certamente, ficaria surpreso com a resposta: “Que a humanidade seja a favor do professor, pois somente uma educação humanista, inovadora, é capaz de aliviar o jugo de um profissional que é pressionado, agredido. Muitos se entregam por não suportarem ser o saco de pancada dos frutos da intranquilidade social e familiar”.

Incrementar valores — humanos — no currículo escolar é um passo importante rumo à educação que desejamos, e, quando o sistema, o governo e a própria família olharem para o professor como humano responsável pela condução de vidas pelo caminho da vitória, a própria grade curricular ganhará flexibilidade para ceder espaço a conteúdos que transformem comportamentos e, assim, suavizem o clima da sala de aula, pois, quando valores humanos forem integrados na formação, a família compartilhará responsabilidades e a escola passará a ser um espaço atraente, que alunos e professores sentirão prazer em frequentar, pois assumirão papéis fundamentais na formação humana.

Excepcionalmente, o tempo se incumbiu de dilacerar esses denodos, e a Educação enveredou por um caminho de abismos e ameaças, onde ser professor é se expor à violência, se posicionar na mira de uma arma que não tem momento para acionar o seu gatilho e, nessa intercalada de tensão e terror, exercer o seu trabalho num ambiente sem autonomia, até mesmo para exigir respeito à pessoa do professor, que, em décadas não muito distantes, era personagem central do processo de aprendizagem e respeitado pela comunidade escolar. Um simples olhar desarmava os “engraçadinhos”, e não eram necessárias palavras para que se colocassem no seu lugar. As suas decisões se convertiam em sentenças, e quem se atrevia a questionar? De jeito nenhum, pois muitos corriam o risco de ser castigados pelos pais se reclamassem da austeridade docente.

A sociedade evoluiu, e professor tornou-se uma mercadoria em baixa no mercado educacional. Perdeu a concorrência, a autonomia, pois a liberdade abriu novos horizontes familiares e os papéis se inverteram. O professor tornou-se uma linha secundária na sala de aula, para não dizer um mero mediador de conteúdos, e refém do desequilíbrio familiar, do declínio social, onde o respeito à pessoa do professor é cada vez mais incomum, pois, numa sociedade onde filhos não respeitam pais, ele se torna um alvo que entra na mira e fica exposto ao querer de uma sociedade sem rumo.

Se o sistema não reagir para elevar uma trincheira de suporte e, assim, exigir respeito à pessoa do professor, o penoso ofício docente será extinto e o sistema descobrirá a real importância da tecnologia na escola, pois terá que lançar mão dos seus mecanismos para substituir a presença humana em sala de aula por teleaulas. Se um aluno decidir testar uma arma, atingirá somente a tela e o prejuízo ficará no material.

Uma veia de escape para se reverter o caos é o respeito à profissão do professor. Ele não quer tratamento de rei, apenas direitos de um profissional que edifica vidas para fortalecer as bases de um país: salários justos e uma carga horária que lhe dê condições de estudar para melhorar as suas práticas, elaborar uma aula eficiente, acompanhar o desempenho de seus alunos, sem ter que trabalhar em duas ou três escolas para complementar o orçamento e, assim, poder viver dignamente.

Não é prepotência nem demasia… É fazer justiça com um setor que equilibra e projeta o humano para a vitória, pois a profissão professor deveria ter os mesmos direitos que profissões de alto risco, porque expõe o humano em todos os pontos: ao sair de casa, depara-se com a violência urbana, o trânsito, e, fisicamente, torna-se alvo desde o instante em que pisa no batente da porta da sala, ao iniciar pelo uso da voz, uma vez que, nele, o aparelho fonoaudiólogo é afetado mais do que em qualquer outra profissão. Muitas vezes, tem que gritar para superar o barulho, conter a indisciplina, reprimir a desobediência — aqueles que têm problemas nas cordas vocais chegam ao final do turno sem voz — sala adentro, depara-se com a ergonomia imprópria e a superlotação. Esses transtornos são o “princípio das dores”, pois nesse ponto de confluência — entre metas determinadas e condições de trabalho —, o professor se confronta com as exigências do sistema — que não oferece suporte e exige o cumprimento de metas por meio de atividades para desempenhar os propósitos da Educação.

Nesse estágio, o desrespeito é gritante. O legado do professor não é considerado, o que atinge o ponto mais vulnerável do humano, o emocional, e, quando esse ponto é afetado, automaticamente o psicológico sente o impacto, alertando que é impossível não reduzir o ritmo. O rendimento desaba, e a qualidade do trabalho se precipita pelo mesmo abismo.

Mas não há indulto com o implacável Sistema de Ensino, que alerta: “Não quero saber como anda o seu emocional, psicológico ou físico… Quero resultados e resultados com números que satisfaçam o meu sistema para atender às minhas metas”.

Nesse contexto, os números se tornam tudo, e o professor apenas um instrumento responsável por fazer operações cujo resultado satisfaça o governo. Para adicionar esse montante, a mola propulsora da Educação se vê imobilizada no ambiente de sala de aula, e suas práticas se tornam cada vez mais ineficientes, até se tornarem ações isoladas, exatamente por não haver, por parte do sistema, do governo e da própria família, respeito aos anseios do professor, e essa pretensão é tão insuficiente na ótica do sistema que esse faz vista grossa e, ante os resultados, não entende tamanha resistência do professor.

Ante à deficiência de “respeitos” à profissão professor, que, a cada ano, avança para o descaso, não se podem calar perguntas que incomodam o governo: Será que um país que pensa em desenvolvimento e cobiça sentar à mesa das potências econômicas do planeta atingirá tais propósitos se em seus planos não existem propósitos definidos para a Educação? É possível edificar uma nação forte sem dar as devidas atenções às prioridades essenciais?

Sabemos que não. É a Educação quem prepara os cidadãos para o amanhã, e esse amanhã já está hoje na sala de aula sob a responsabilidade de profissionais denominados professores, que permanecem à espera dos respeitos e, por que não?, da valorização. E valorizar é reconhecer a importância do seu trabalho… Valorizar é investir na qualidade de vida, oportunizar o crescimento profissional e, assim, resgatar o bom sentimento em relação à profissão, que deve ser ressaltada para que o binômio ensino-aprendizagem seja retomado, para, então, tornar sustentável a profissão por meio de uma carga horária cujo tempo esteja a favor do docente. A partir dessa tomada de consciência por parte dos que fazem acontecer — quando querem —, os professores perceberão que valerá a pena enfrentar as dores, suportar o sofrer e até “gastar” a vida pela Educação.

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