Edição 128
A fala do mestre
O caminho do fácil não leva a uma boa educação
Leo Fraiman
Será que não estamos pagando um preço alto demais por deixarmos de lado valores que nos trouxeram até aqui, posturas que edificaram nossa própria vida e ensinamentos que nos orientaram como homens e mulheres?
Essa cultura do “leve” vem tornando a nossa vida, a vida de nossas famílias e mesmo o nosso cotidiano profissional cada vez mais pesados e insalubres.
É muito comum ouvir, em meu consultório, pais e mães dizerem que estão cansados, que não têm tempo, e algumas destas frases: “Ah, educar é tão difícil…”, “Mas eu já pago a escola”, “Não tenho jeito pra essas coisas”, “Mas não é pra isso que serve o psicólogo?”.
Não é incomum ouvirmos esses mesmos pais e mães, quando os filhos chegam à adolescência, dizerem: “Ah, mas eles já sabem o que querem”, “Mas eles já são grandes nessa idade”, “Com 16 anos, eu já fazia isso, eu já fazia aquilo”.
Ora, além de se ausentarem de sua responsabilidade como pais e mães, comparar o filho de hoje com gerações passadas é um grave erro. O mundo atual é muito mais complexo, competitivo, exigente, muito mais tóxico em uma série de contextos e também, certamente, oferece muitas mais janelas de oportunidade para bullying, violências e vícios.
Falemos do vício. Quantas vezes não presenciamos pais e mães que fazem questão de simplesmente negar todas as evidências científicas do quanto o cigarro eletrônico faz mal e aceitar? Afinal de contas, parece um mero pen drive. Parece, mas não é. Só que a cultura do “leve” não nos permite mergulhar nas verdades porque elas doem. Ficamos todos sedados. Os filhos com gim e os pais com a negação. Só que a conta chega. Não adianta pegarmos aquele IPVA do qual não gostamos e colocar na gaveta, pois, na vida adulta, já sabemos que ele vai só crescer.
A explosão de casos de automutilação, depressão, ansiedade, estresse e até suicídio assusta, mas apenas por alguns dias. Depois, os próprios pais e mães, muitas vezes para driblar aquela dor, também fumam seu cigarrinho, tomam seu gim, e, assim, a vida vai andando até que acontece uma tragédia. E aí todo mundo se espanta.
Será que já não passou da hora de observarmos comportamentos pelos quais nós nos sentimos humilhados na sala de casa ou na sala de aula e tomarmos a frente, assumindo, como adultos da história, aquilo que queremos, aquilo que sabemos, aquilo que realmente sentimos ser o certo? Porque a educação de um filho, de um aluno, não é baseada naquilo que eu sinto, que eu quero, que todo mundo faz, que eu estou acostumado. A educação de um filho, de uma filha, quando feita com amor, é baseada em uma pergunta crucial: isso realmente faz bem ao meu filho?
Pare e pense e, se não sabe, estude. Se não sabe, pergunte. Se não sabe, investigue. Se não sabe, procure um psicólogo, um professor, um médico. Procure um bom canal de mídias sociais. Procure um bom veículo de comunicação. Procure um livro. Tenha humildade.
Nenhum pai, nenhuma mãe, nenhum professor ou professora precisa saber tudo. Isso é impossível. Mas nós devemos buscar aprender sempre. É interessante que em nossas carreiras já adotamos essa postura. Procuramos aprender sempre. Procuramos nos desenvolver, fazemos cursos, coach, mentoria, terapia e tudo mais, porque queremos ter sucesso. Chega a ser bizarro, nas relações amorosas, familiares, paternais ou maternais, seguirmos às cegas, seguirmos com base no que eu acho. Seguirmos baseados no que me falaram que não está funcionando. Basta de perdermos vidas. Basta de perdermos oportunidades. Basta de perdermos saúde mental.
Custa caro para uma sociedade abandonar as crianças e os adolescentes a si mesmos, porque o processo do desenvolvimento humano passa da parte animal para a humana. Eu explico: nossa porção animal é baseada na vontade e na motivação. Se um cão se sente atacado, tem a vontade de morder, ou seja, não é controlável. Ele precisa fazer isso para sobreviver.
Um gato, quando vê uma gata no cio, tem então a motivação, a vontade de ir lá e procriar. É seu instinto. Mas nós, humanos, somos mais do que um instinto. Aliás, um instinto responsável, inclusive, pela plenitude do desenvolvimento humano, e, se chegamos até aqui, é porque temos a possibilidade de dialogar com as nossas vontades, dizendo a nós mesmos, impondo a nós mesmos: “Não quero, mas é importante; então, eu faço”, “Quero, mas não é bom; então, eu não faço”.
Um adulto deve ser capaz de exercitar, viver, educar, trabalhar e conviver baseado em seus propósitos, não em suas vontades ou motivações. A criança — mesmo jovem, até em torno dos seus 25 anos de idade, diga-se claramente isso, momento em que o cérebro está realmente maduro, adulto — merece ser protegida de si, porque ela sozinha e mesmo o adolescente não costumam ver as consequências de seus atos, não costumam entender os efeitos daquilo que fazem.
É muito fácil, na cultura do superficial, do “leve”, cair na postura de ser o pai bacana, a mãe bacana. Porém, o pai e a mãe, para virar o pai e a mãe banana, acabam entregando o abacaxi para a sociedade de um filho goiaba em todo esse sacolão do mal.
É muito sério. Isso pode parecer aqui um mero jogo de palavras, mas, com pai banana e mãe banana, refiro-me àquela pessoa que sabe que está errada, mas vai lá e faz. Por quê? Por vaidade. Por comodismo. Por atalho. Porque é mais fácil.
O caminho do fácil nunca levou um atleta, um cientista, um artista, um professor, um empresário a ter sucesso. O caminho do atalho, em geral, é o que nos humilha. É o caminho que a nossa porção animalesca, que não quer ter muito trabalho, faz, mas ele não edifica uma vida. Edificar vem de edifício, um andar em cima do outro, simbolicamente um passo por vez.
Confúcio, um dos maiores pensadores da Antiguidade oriental, já dizia: “Aquele que pergunta é tolo por cinco minutos, mas aquele que não pergunta é tolo para sempre”.
Você tem feito as perguntas certas? Mais do que encontrar respostas, o que devemos, na arte, na ciência de bem educar, é desenvolver a capacidade de nos fazer boas perguntas. Quem é o adulto em minha casa? O que tenho transmitido de valores aos meus filhos? Tenho orgulho do modelo de educação que tenho cultivado em meu lar? O que mais eu posso fazer para que os meus valores sejam efetivamente cultivados dentro de casa? Deus teria orgulho do que faço aqui, trazendo a sua Palavra? Gosto da pessoa que sou? Durmo em paz com o dia a dia?
Perguntas como essas podem nos incomodar, mas quem disse que o incômodo é ruim? Só cresce quem se incomoda, só fenece quem se acomoda. Porque a diferença entre uma vida cômoda e uma acomodada parece pequena, parece leve, mas não é.
Não é na superfície do lago que se encontram as maiores joias. Muitas vezes, as maiores joias, as maiores glórias, estão ali, enterradas no lodo do lago. Quando mergulhamos para dentro de nós e temos a coragem de olhar quem somos, o que construímos e o que fazemos de nossa vida, frequentemente encontramos muita lama, e ela dói, parece suja e nos cega. É verdade também que, com alguma paciência, escavando bem as profundezas do nosso próprio eu, encarando a nossa verdade, tendo a coragem de sujar as mãos com a tinta da vida, temos, sim, uma chance de encontrar lá no fundo do lago da nossa vida um pouco mais de verdade, de profundidade e, enfim, um amor que valha pena, que valha o “sim”, a vida que todos devemos conjugar, juntos, uns pelos outros, uns para os outros e uns com os outros.
Leo Fraiman é psicoterapeuta, palestrante internacional, escritor e autor de mais de vinte livros, dentre os quais se destaca Metodologia OPEE (Projeto de Vida e Atitude Empreendedora), presente em mais de 1.500 escolas no Brasil. Foi conferencista na ONU no Simpósio Internacional – Formando Lideranças para o Desenvolvimento Futuro, em Genebra/Suíça. Com mais de 30 anos de carreira, foi membro do Comitê Mundial de Educação para a Autonomia, em Paris; ganhador do Prêmio Shift – Agentes Transformadores, com o case da Metodologia OPEE; e, atualmente, é autor aprovado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) com a obra Pensar, sentir e agir.
Instagram: @leofraimanoficial