Edição 130

Espaço pedagógico

O ENSINO OU NÃO DA LETRA CURSIVA

Anita Silva Moraes Pinheiro

Ainda em discussão, o ensino ou não da letra cursiva no processo de alfabetização tem gerado dúvidas quanto às questões desfavoráveis ao desenvolvimento da leitura e da escrita. Por outro lado, na atualidade, pesquisas e estudos retomam essa grande polêmica e abrem espaço para novas perspectivas favoráveis ao ensino da letra cursiva para o desenvolvimento do aprendizado da escrita e da leitura.

Iniciaremos pela afirmativa de Fetter (2010):

“Ao contrário do início do século XX, quando tínhamos uma grande quantidade de materiais produzidos a respeito do assunto, na atualidade vivemos um ‘silenciamento’. A quase ausência de produção acadêmica acerca da caligrafia, a partir da década de 1980, teve seus efeitos no ensino da letra cursiva. No entanto, sabemos que o silêncio discursivo também produz efeitos”.

 

Entendemos que, quando o autor chama a atenção para o “silenciar”, só confirma que a discussão se encontra em aberto, em busca de uma proposição de metodologia para o ensino da letra cursiva e que esta contribua para o entendimento da melhoria na construção do ensino no processo de alfabetização. E esse “silenciamento” sobre a questão só confirma a inquietude, por parte de educadores e pesquisadores, da existência de opiniões contra e a favor, sendo o mais a favor por novos argumentos favoráveis ao ensino das letras bastão e cursiva para a escrita e leitura, numa abordagem balizada pela neuroeducação.

Nesse sentido, as discussões sobre o ensino da letra cursiva no processo de alfabetização, segundo a Pedagogia Moderna, em grande parte inspirada no construtivismo de Piaget, apresentam algumas mudanças sobre essa questão que deixa para trás as opiniões contra — justificadas pelo uso ou não da caligrafia: “Escrever à mão era só em cursiva, e, para garantir que a letra fosse legível, os alunos eram obrigados, desde cedo, a passar horas debruçados sobre os cadernos de caligrafia”— e traz para atuais discussões, embora silenciosas, os argumentos do avanço da tecnologia, pela maior frequência do uso da digitação e o menor uso do lápis e da caneta na produção de textos.

Mas essa evidência não responde às discussões em aberto entre pesquisadores e professores, porque, há décadas, os questionamentos não se limitam ao uso ou não da caligrafia, e sim, principalmente, como, quando e por que ensinar a letra cursiva durante o processo de alfabetização, mesmo estando normatizado na BNCC, através das seguintes habilidades:

• (EF01LP10) Nomear as letras do alfabeto e recitá-lo na ordem das letras. Reconhecimento das letras do alfabeto e escrita das mesmas.

 

• (EF01LP11) Conhecer, diferenciar e relacionar letras em formato imprensa e cursiva, maiúsculas e minúsculas.

Há décadas, os questionamentos não se limitam ao uso ou não da caligrafia, e sim, principalmente, como, quando e por que ensinar a letra cursiva durante o processo de alfabetização.


Logo, a BNCC normatiza e exige o ensino da letra cursiva, mas as pesquisas apontam que, mesmo sem essa obrigatoriedade, os professores consideram importante o ensino da letra cursiva, o que nos faz levar em conta uma perspectiva ampliada sobre a sua importância, os seus benefícios e os resultados de aprendizagem e como trabalhar na prática pedagógica.

 

 

Sua importância – A letra cursiva é importante porque nos permite manter a linearidade dos pensamentos, ou seja, é possível passar a informação para o papel sem perder a linha de raciocínio, permitindo uma escrita constante. Na atualidade, é reconhecido e cientificamente testado e comprovado que a aprendizagem de letra cursiva tem um efeito neurológico muito mais poderoso do que qualquer atividade que trabalhe com interpretação. Essas evidências nos levam a novas abordagens sobre a questão do ensino da letra cursiva na perspectiva neurológica.

 

 

Benefícios – O uso da letra cursiva, ao conferir maior velocidade na escrita, favorece a concentração e o foco e auxilia na produção de textos mais coesos. O aprendizado da escrita cursiva desenvolve a disciplina e contribui para a autoestima do estudante. Segundo pesquisadores, “Escrever com letra cursiva ativa áreas do cérebro responsáveis pelo pensamento e pela linguagem, estimula a organização da escrita e contribui para a percepção no espaço”. Segundo Janaína Spolidorio, especialista em neuroeducação, “A letra cursiva consegue melhorar as conexões neurais do cérebro das crianças. […] Ela estimula o cérebro de uma forma que a digitação e a letra bastão não conseguem”.

 

 

Prática pedagógica – Na prática pedagógica, a indicação é ensinar a letra cursiva depois que a criança já está alfabetizada para que ela possa se dedicar ao desenho da letra sem ter que se preocupar em construir palavras. A BNCC orienta ensinar a letra cursiva no 1o ano — o aluno deve conhecer, diferenciar e relacionar todos os tipos de letra — para, no 2o ano, aprender a escrever efetivamente a letra cursiva. Mas, para chegar a esse estágio, temos que percorrer todo o processo de alfabetização, que tem seu início no movimento de pinça (a partir dos 9 meses) — que visa exercitar a força e a capacidade de segurar objetos —; seguido do desenvolvimento da mão (nos 3 primeiros anos), para criar formas com linhas horizontais e verticais. Dos 4 aos 5 anos, iniciam-se trabalhos com pontilhados para aperfeiçoar os movimentos, chegando ao estágio que a BNCC recomenda: “A partir dos 6 anos, o pequeno pode ser apresentado à letra cursiva para começar a exercitar movimentos um pouco mais complexos. Por volta dos 6 ou 7 anos, ocorre a exploração da letra cursiva”. Para incentivar o aprendizado da letra cursiva em sala de aula, os estudiosos dizem que “[…] para que o aprendizado seja prazeroso, é aconselhável investir em ferramentas lúdicas, que ensinem por meio da brincadeira”, e eles indicam brinquedos como blocos de montar, pega-varetas e dedoches, que funcionam muito bem como estímulos para uma maior facilidade na letra cursiva.

 

 


Essa discussão estará sempre em construção, devido às mudanças anunciadas pela Pedagogia Moderna, que no momento atual retoma sua importância em razão dos avanços tecnológicos em pauta: a digitação superando a escrita à mão realizada com a letra cursiva. Por outro lado, pesquisas e estudos neuropedagógicos ressignificam concepções cientificamente testadas e comprovadas na prática pedagógica, em que a aprendizagem da letra cursiva retoma sua importância, além de uma obrigatoriedade de escrita legível, tendo resultados e benefícios como:

 

• As crianças que aprendem a letra cursiva têm uma ortografia melhor, com menos erros, já que desenvolveram a memória motora ao aprender a escrever a palavra.

 

• O uso da letra cursiva, ao conferir mais velocidade na escrita, favorece a concentração e o foco e auxilia na produção de textos mais coesos.

 

• O aprendizado da escrita cursiva desenvolve a disciplina e contribui para a autoestima do estudante.

 

• Escrever com letra cursiva ativa áreas do cérebro responsáveis pelo pensamento e pela linguagem, estimula a organização da escrita e contribui para a percepção no espaço.

 

• A letra cursiva consegue melhorar as conexões neurais do cérebro das crianças.

 

• A letra cursiva estimula o cérebro de uma forma que a digitação e a letra bastão não conseguem.

 

• Estudos mostram que a alfabetização com letra cursiva aumenta o percentual cognitivo das crianças, se comparadas com aquelas que aprendem com a digitação.

 

Diante das evidências, sugerimos a quebra do “silenciamento” da discussão sobre o ensino da letra cursiva e seus benefícios em nome da melhoria do processo de ensino-aprendizagem na alfabetização, levando em consideração uma proposição intermediária entre o que estabelecem a BNCC e a Pedagogia Moderna na era predominante da tecnologia (digitação), sem excluir uma ou outra forma, mas contemplando as duas maneiras de ensino das escritas cursiva e digital, fazendo uso de metodologias criativas e atualizadas.

 

Pesquisas e estudos neuropedagógicos ressignificam concepções cientificamente testadas e comprovadas na prática pedagógica, em que a aprendizagem da letra cursiva retoma sua importância, além de uma obrigatoriedade de escrita legível.

 

 


Anita Silva Moraes Pinheiro é psicóloga, psicopedagoga e Especialista em Neuropedagogia.

Referências

Sites pesquisados:

https://institutoneurosaber.com.br/como-fazer-a-transicao-da-letra-bastao-para-acursiva/#:~:text=A%20letra%20cursiva%20%C3%A9%20emendada,possa%20aprender%20a%20letra%20cursiva.

https://www.ninhosdobrasil.com.br/letra-cursiva.

https://ensinotec.com/a-importancia-da-letra-cursiva-na-alfabetizacao/
https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/campos-experiencias-versao-interativa/?gclid=Cj0KCQiA9YugBhCZARIsAACXxeKzigY8wGt_SPpA8cXfO0jdhBCSkgujsvucxAilw.

Acesso em: 23/02/2023.

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