Edição 136
Profissionalismo
O que é felicidade?
Nildo Lage
Se disseminarmos no ar “Quais são os elementos que compõem a felicidade?”, imediatamente uma extensa lista seria apresentada: uma chácara numa região encantadora, realizar-se profissionalmente, uma casa na praia, o carro dos sonhos, encontrar a alma gêmea e viver uma linda história de amor, viagens e ser reconhecido pelos valores. Os empolgados estenderiam: excitação, otimismo, amor, gratidão, contentamento… São tantos que, se forem adicionados, formariam um prato de aspecto tão estranho que poucos se atreveriam em degustar.
Como veem, citar os elementos que contribuem não é difícil; complexo é encontrá-los e adicioná-los na proporção que, mental, física e emocionalmente, sintonizem a ponto de se sentirem acolhidos por quem ama, para, no calor desse reconhecimento, abranger a euforia.
Realizar-se para ser feliz. É preciso somar, então, felicidade à dialética do existir para o outro como elemento de um processo que exalta o humano, por meio do retorno de atos, atitudes, junções, escolhas, permutas, renúncias, realizações pessoais e profissionais e, por que não?, perdas que amadurecem e suavizam os impactos do viver!
Ante tantos contrastes, controvérsias, buscas, visões bifurcadas, desacertos e tropeços, é possível encontrar a felicidade plena? Ou, entre um ataque do eu, um surto do coração, uma convulsão do íntimo, confundimos momentos de jovialidade e desconcentração com felicidade? Todavia, se o amor é a base… amar sem limites é dilatar os horizontes e ser feliz? A felicidade é, realmente, o conjunto de ações no qual o dar, compartilhar e respeitar edificam a plataforma para contrabalançar vidas afortunadas?
É sempre assim! Retornos nunca satisfazem, pois, no percurso viver, cada um traça a própria meta, cujo sentido acredita ser a rota para chegar ao oásis, mas que, na maioria das vezes, conduz ao deserto, excepcionalmente quando quem se ama incondicionalmente nos decepciona ou parte para sempre, sem um aceno… Uma oportunidade para dizermos: “Adeus… Eu te amo!”.
Se a felicidade fosse um tesouro fácil de encontrar, não seria tão esquadrinhada!
De tão inconstante, muitos tentam, fracassam, dão novas oportunidades a si mesmos, tropeçam de novo, e não desistem!
Ante perdas irrecuperáveis, que dilaceram tudo, é possível um recomeço? Reequilibrar-se para voltar a escoltar as trilhas da felicidade? Não há rota de fuga! É passagem obrigatória numa transição de perguntas sem respostas, mas a vida tem que avançar para se cumprir o preceito maior da trajetória viver: suportar os detrimentos e prosseguir.
É a conclusão coerente? Pode não ser! Contudo, é uma veia de escape dilatada pelo coração para ilustrar tantas turbulências, encontros e desencontros. Porque, se consultarmos o eu, este apresenta a cadência de desordens, desejos refreados e vontades não concretizadas como resultados das escolhas; e tais retornos nos posicionam no marco zero: “O que é felicidade?”.
Como regra obrigatória, o coração tem que ser examinado, por ser o centro operacional, para averiguarmos a perspicaz diferença entre gostar e amar, para visualizarmos a felicidade nas pequenas coisas, num gesto de carinho… Até chegarmos à descoberta de que felicidade é recomeçar a cada dia, é ter um objetivo, algo a ser conquistado e um coração desimpedido para amar e perdoar, mesmo ante a perda daqueles que acreditávamos não poder viver sem.
Só isso? Acredito que não! Pois, se consultarmos a razão, e esta, além de precisa, é implacável, os ingredientes da felicidade estão em nós! Por que tanta infelicidade? Se a felicidade fosse um tesouro fácil de encontrar, não seria tão esquadrinhada! De tão inconstante, muitos tentam, fracassam, dão novas oportunidades a si mesmos, tropeçam de novo, e não desistem!
Contudo, respostas desafiam o humano, e, nessa busca, muitas vezes, acreditamos conhecer os caminhos e ter retornos, e esta ousadia nos arremessa no ringue da existência, açoitados pela consciência de que sabemos o que é melhor para o outro, porque o que somos é o bastante.
O que é suficiente, se não arquitetamos a estrutura para administrar oscilações de um eu instável, de personalidade conflitante e gênio forte, que acossam o viver, ostentando-o entre fugas e conflitos? É nesse percurso da busca que muitos questionam: felicidade é trabalhar, correr de um lado para outro, ostentar ao lado de pessoas que não se sensibilizam com a nossa dor e nossos problemas?
Se é assim, o que faremos com as conquistas se ser feliz se refere ao nosso agir? Uma faculdade e o emprego dos sonhos não complementam, não acariciam o ego para incitar uma reação de contentamento? Por que não conseguimos conciliar essas conquistas às ambições de um eu que aspira bem-estar e contentamento e, nesse fluxo, permite maus-tratos e até agressões?
Questionamentos cujas respostas se escondem no coração de cada ser. Quem ousar um retorno terá que se expor aos desafios de uma trajetória que não permite ensaio nem apresenta espaço para contorno, tampouco oportunidade para reparar erros. O mínimo que se leva é experiência e uma maturidade forjada pela dor.
Como redescobrir o caminho da felicidade, se a vida nega uma nova oportunidade?
Na trajetória viver, não há uma saída de emergência para nos esquivarmos das armadilhas do destino e alcançar a felicidade; é preciso deixar algo para trás. Do mesmo modo, quem pode chegar lá com estrutura para desfrutá-la? Aqueles que não temem os reptos do percurso nem contabilizam perdas, erros, fracassos e tropeços por crerem que, pior do que errar tentando, é fracasso jamais experimentar um passo para sair do lugar-comum e descobrir, no novo, o ponto de alusão; aqueles que encaram o horizonte como promessa de dias melhores e não temem um recomeço.
É assim que, entre tentativas e fracassos, muitos descobrem que, na dor da derrota, na angústia de uma perda, o crescimento humano sobrevém, pois encontram, nesses percalços, impulso para lutar, impelidos pela necessidade de superar os próprios limites. Porque compreendem que vencer depende do agir pessoal, mas que a vida está além do domínio humano, e alocam esses preceitos como regra para se autoconduzirem pela trajetória de busca… Pois esse fio denominado vida, que, com apenas um toque se arrebenta, decretando o fim de alguém, é a grande armadilha, pois não desfecha o alerta às vítimas para resguardarem o bem mais precioso, que é recolhido. Quem quer o fim? Você? Eu? Nós?
“[…] o caminho da felicidade é repleto de bifurcações, atrações fantásticas, convites tentadores e reentrâncias que instigam o espírito aventureiro do humano a ir além para desvendar o desconhecido.”
Relutar é perder tempo confrontando o inexistente, pois a vida é um caminho de mão única, e, no percurso viver, não há espaço para fazer manobras e regressar para corrigir erros. Uma vez atropelada, não há uma segunda oportunidade, porque o caminho da felicidade é repleto de bifurcações, atrações fantásticas, convites tentadores e reentrâncias que instigam o espírito aventureiro do humano a ir além para desvendar o desconhecido.
Todavia, a autoestrada para a felicidade tem que ser uma trajetória obrigatória? Ser feliz é obrigação ou uma necessidade? Ou uma aspiração do humano para suavizar os conflitos do existir? Não tem jeito! Perguntas nos movem, e, se temos essa certeza, de que adianta arrastar o mundo aos nossos pés, com fama e poder, e viver imersos no oceano da infelicidade, à espera do fim, por não conseguirmos ser felizes com o que conquistamos?
Qual é o norte para a felicidade para não errar no trajeto?
Para os ousados, a primeira linha deve corresponder às coordenadas que induzem, sucessivamente, ao marco zero: o amor pelo outro; o próximo risco conduz à plataforma respeito; na sequência, empatia, para que a razão impulsione acatar a regra universal: lutar para construir a felicidade, sem recorrer a artifícios e atalhos e referenciar o direito do outro, que ambiciona enveredar pelo mesmo caminho, mas tem ambições, olhares e sonhos diferentes.
Amor é diferencial? É! Contudo, respeito é preceito! Alcançar esse nível é ter estrutura para fortalecer a base, que aloca as habilidades para usufruir da consciência que dilata o olhar para vislumbrar que o caminho para a felicidade é sinuoso, repleto de desafios e artifícios letais.
A deficiência dessa consciência leva muitos ao fracasso, porque buscam a felicidade nas coisas, numa profissão… Até mesmo nas pessoas, e, assim, não entreveem que é nas entrelinhas do destino que os sonhos adquirem forma, os fatos são obras do nada, e o milagre da vida desponta do inexistente, ladrilhando uma trajetória que baliza o ser e o existir, em que cada um escreve a sua história e é feliz à sua maneira.
Por outro lado, ao encontrar a felicidade numa sociedade de corações árduos, egoístas, onde a alegria do outro proporciona aversão, é preciso prudência e sabedoria. Porque a maioria ambiciona muito, demasiadamente até, crente de que está sendo feliz a cada derrota proporcionada ao outro, e, na busca desses ideais, suprime o próximo, até mesmo aqueles a quem ama, por não permitir que o amor se torne a bússola para conduzir à tão aspirada felicidade.
É desafiante porque a sua essência não permite ser armazenada num recipiente. Felicidade é uma exaltação que acaricia o íntimo, dispara o coração, nina a vida na cadência do viver… Um prazer indescritível que, para ser sentido, tem que ser compartilhado… Se for individual, não é felicidade; pode ser, tão somente, realização pessoal que atenta euforia e, no máximo, alegria.
É nesse ponto da procura que muitos apreendem a dimensão dos erros, por buscá-la numa paixão avassaladora, nas deficiências, excepcionalmente as financeiras, crentes de que quanto mais acumular, mais serão felizes, e, até mesmo, nas pessoas, e não se inclinam para direcionar o olhar para se certificar de que o principal ingrediente, estar em si mesmo, é suprimido pela discórdia, ambição, pela própria inabilidade de ser para o outro o que gostaria que o outro fosse para si.
“[…] muitos correm tanto atrás do vento que, quando percebem,
perderam os bens mais preciosos: a esperança e a própria saúde.”
Por desconhecerem essa regra, muitos correm tanto atrás do vento que, quando percebem, perderam os bens mais preciosos: a esperança e a própria saúde. Os que vislumbram uma segunda oportunidade questionam: o que fazer com as conquistas e os bens acumulados? Investigam em todas as direções à procura de respostas e prosseguem: onde está a felicidade? O eu, eliminado pelos fracassos, rebate: estava dentro de si mesmo! A ficha cai. Tinha o essencial e não percebeu; e o pior: certificou-se do quanto a felicidade é delicada e cara. Com atitudes simples, podemos estilhaçá-la e não a compramos nem com todo o ouro do mundo.
A felicidade não está agregada a padrões universais. Edificá-la requer propósito, renúncias e até correr riscos e admitir: é tão cobiçada que muitos gostariam de ter poderes divinos para decifrar os enigmas do ser, desvendar os mistérios da alma, mediar palavras, conter gestos… Atos que magoam, para experimentar por alguns instantes o peito palpitar, a mente ser oxigenada por uma sensação de contentamento e o íntimo prenunciar que é preciso soltar o grito.
Para embrenhar pelos labirintos do coração do outro, é preciso sensibilidade, respeito e responsabilidade para desobstruir barreiras, extinguir obstáculos; e, somente então, despertar sonhos, alimentar amor, semear esperança e, nesse processo, alcançar a magnitude de complementar o próximo a ponto de se sentir feliz com a sua felicidade.
“A felicidade, de tão fantasmática, torna-se efêmera numa sociedade que doutrina realizações pessoais,
pretensões financeiras e bel-prazeres saciados […]”
Afinal, o que é mesmo felicidade?
Para não perdermos a direção num percurso sem ponto-final, principiaremos pelas escolhas. O que muda nesse caminho de buscas e conquistas — doar e ganhar; compartilhar sentimentos, emoções e desejos — são as decisões, a iniciar pelas pessoais, porque são elas que definem com quem ambicionamos dividir uma vida para não termos que desenraizá-la do nosso existir, para não sermos destruídos ou massacrá-la num tribunal.
Na sequência, competências e habilidades para administrarmos conquistas! Porque, se voltarmos o olhar ao sairmos desse campo de batalha denominada relacionamento — seja pessoal, seja profissional —, seremos confrontados com uma multidão correndo atrás dessa felicidade de que abrimos mão.
Nesse contexto, a felicidade, de tão fantasmática, torna-se efêmera numa sociedade que doutrina realizações pessoais, pretensões financeiras e bel-prazeres saciados, convertendo o humano num instrumento de complemento alheio, por mirar, tão somente, no dar e receber prazer. Isso não é felicidade, é estar condicionado ao outro para angariar instantes de contentamento.
É nessa tendência que as escolhas fazem a diferença. Porque o humano acredita dominar competências para moldar o outro e rejeita o autoconhecimento para abarcar a direção apontada pelo eu e, assim, esboçar o gráfico da real felicidade.
E, por acreditar que conquistas pessoais e profissionais são a fonte da felicidade, emoções são asfixiadas, sentimentos e satisfações individuais são contidos, e, assim, avança impelido pelo ego, que não ampara nem auxilia o eu, para conceber o universo de encantos que habita num eu que é suprimido pela vontade de ser.
Sem norte, equilíbrio emocional e exultação pela vida, esse eu é abolido pela cadência de desordens que arrebatam alegria, entusiasmo, contentamento, otimismo… a própria aspiração para viver, ressaltando que o desafio maior não é chegar à fonte da felicidade, é cultivar as espécies que a fortalecem, como respeito, amor, generosidade, carinho, compreensão, reciprocidade e empatia, para que, mesmo em momentos de turbulências, não perca a força para jorrar, porque a felicidade, não é um alvo que se atinge, é o resultado da soma de atos, decisões e escolhas que fazemos no percurso viver.