Edição 129

Matéria Âncora

Planejamento reverso: uma nova forma de planejar dentro da BNCC

Priscila Boy

INTRODUÇÃO

Falar em planejamento é falar em prática escolar. Desde muitos anos, não importa a teoria pedagógica pela qual optamos, planejar sempre foi uma prática na escola. Docentes são planejadores em sua essência. Ao planejar, temos muitos ganhos.

Quem planeja costuma ter clareza do caminho que vai seguir. Se eu tenho clareza da minha intenção pedagógica, do lugar em que quero chegar e de quais são os meus objetivos, as minhas metas e os conteúdos que vou trabalhar, tenho mais chance de conduzir o processo sem me perder no caminho. Ao planejar, tenho mais precisão do que realmente pretendo alcançar, o que me dará maior visibilidade das minhas intenções educativas e estratégias de intervenção.

Por exemplo, se eu planejo um jogo de boliche com a intenção educativa de potencializar a possibilidade de fazer contagens, não vou gastar tanta energia fazendo intervenções quando os estudantes pisarem na linha na hora de arremessar a bola. Mas, se minha intenção educativa é fazer com que respeitem limites e regras, não vou gastar energia contando todos os pinos derrubados e registrando isso, e sim se estão ou não seguindo as regras do jogo.

Nossas intenções educativas devem estar pautadas na BNCC, um documento normativo que visa definir as aprendizagens essenciais que educandos devem alcançar ao passar pela escola. Vamos entender um pouquinho mais sobre a BNCC para que possamos aprender a planejar dentro da proposta que ela nos traz.

Segundo a BNCC, devemos educar para potencializar o desenvolvimento de competências e habilidades. No âmbito escolar, a competência é a mobilização de recursos, conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver uma situação complexa. Segundo o sociólogo suíço Perrenoud, ela se manifesta diante de situações complexas e imprevisíveis, ou seja, diante de um problema a ser resolvido.

Competência a gente não ensina, a gente desenvolve

Somente diante da mobilização de recursos frente aos problemas, a pessoa vai se tornando competente a cada dia. Planejar atividades em que o aluno seja protagonista e responsável por sua aprendizagem e promover situações colaborativas nas quais possa interagir com pares, argumentar, dialogar sobre soluções e fazer pesquisas são caminhos para se formar um indivíduo competente.

Segundo Lenise Aparecida, da Universidade de Brasília (UnB):

[…] a competência abarca um conjunto de coisas. Perrenoud fala de esquemas, em um sentido muito próprio. Seguindo a concepção piagetiana, o esquema é uma estrutura invariante de uma operação ou de uma ação. Não está, entretanto, condenado a uma repetição idêntica, mas pode sofrer acomodações, dependendo da situação.

Vejamos um exemplo. Quando uma pessoa começa a aprender a dirigir, parece-lhe quase impossível controlar tudo ao mesmo tempo: o acelerador, a direção, o câmbio e a embreagem, o carro da frente, os espelhos (meu Deus, 3 espelhos!!! Mas eu não tenho que olhar para a frente?). Depois de algum tempo, tudo isso sai tão naturalmente que ela ainda é capaz de falar com o passageiro ao lado, tomar conta do filho no banco traseiro e, infringindo as regras de trânsito, comer um sanduíche. Adquiriu esquemas que lhe permitiram, de certo modo, “automatizar” as suas atividades. Por outro lado, as situações que se apresentam no trânsito nunca são iguais.

A cada momento, terá que enfrentar novos desafios, e alguns deles podem ser extremamente complexos. Atuar adequadamente pode ser a diferença entre morrer ou continuar vivo. A competência implica uma mobilização dos conhecimentos e esquemas que a pessoa possui para desenvolver respostas inéditas, criativas, eficazes para problemas novos. Perrenoud diz que “[…] uma competência orquestra um conjunto de esquemas. Envolve diversos esquemas de percepção, pensamento, avaliação e ação”.

Dentro da proposta da BNCC, saímos da perspectiva do conteúdo isolado para levarmos os estudantes a desenvolverem habilidades. A habilidade é o conhecimento em ação, saber fazer.

Diante dessa nova perspectiva da aprendizagem, a de transpor os conhecimentos para as diversas situações cotidianas, temos que aprender a planejar para compreensão. E essa é a lógica do planejamento reverso.

A proposta do planejamento reverso é de planejar as etapas ou as unidades de ensino, e não um planejamento reverso para cada aula, pois é uma ferramenta trabalhosa e que vai eleger as evidências do processo de aprendizagem. Assim, não é possível, muitas vezes, fazê-lo aula a aula. São três as etapas do planejamento reverso, segundo Wiggins e McTighe, conforme o esquema a seguir.

PLANEJAMENTO REVERSO

(Backward Design)

DEFININDO OS RESULTADOS DESEJADOS

Aqui é o momento de você pensar nas intenções educativas e na BNCC. A definição dos resultados é descrita por meio de habilidades. No livro de Wiggins e McTighe (2019), há um exemplo do professor Bob James, do 6º ano, acerca de como ele fez para identificar os resultados que desejava alcançar.

Revisando nossas orientações curriculares do estado, descobri três padrões de conteúdo sobre nutrição que são referência para essa faixa etária:

• Os alunos compreenderão conceitos essenciais sobre nutrição.

• Os alunos compreenderão os elementos de uma dieta balanceada.

• Os alunos compreenderão seus próprios padrões alimentares e as formas como esses padrões podem ser melhorados.

Fonte: A autora, 2022.

Com base nessas investigações, ele definiu as intenções educativas, ou seja, o que esperava que os estudantes aprendessem naquela unidade. A seguir, veja uma tabela adaptada do livro em questão. Assim, você poderá se organizar para o primeiro estágio do planejamento reverso.

ESTÁGIO 1 – RESULTADOS DESEJADOS

Objetivos estabelecidos: Aqui você será bem específico, listando os objetivos esperados

  • Que perguntas essenciais serão consideradas?
  • Através das perguntas, os alunos compreenderão que…

Que conhecimentos-chave e habilidades os alunos irão adquirir como resultado desta unidade?

  • Os alunos saberão que…
  • Os alunos serão capazes de…

Fonte: Adaptado, pela autora, de Wiggins e McTighe (2019).

DETERMINANDO AS EVIDÊNCIAS

É hora de pensarmos em como vamos evidenciar que a aprendizagem ocorreu. O desafio é selecionar estratégias adequadas de avaliação dependendo do objetivo que queremos verificar e quais as evidências aceitáveis. Se meu objetivo é que a turma saiba argumentar, uma prova escrita formal dificilmente me mostrará essa competência em sua completude. Caminhos mais adequados seriam um fórum de discussão online, um debate em sala de aula ou uma simulação de conferência da Organização das Nações Unidas (ONU).

Vale ressaltar que a evidência é, essencialmente, algo concreto que posso mostrar a alguém, como filmar, fotografar, criar portfólios, assim como propor seminários, desenhos e organogramas, redações e construção de soluções. Ainda sobre o exemplo do professor Bob James, vamos ver como ele fez para determinar as evidências de aprendizagem dos alunos.

Como estamos aprendendo sobre nutrição, o diretor do acampamento, no centro de educação ao ar livre, pediu que propuséssemos um cardápio nutricionalmente balanceado para o passeio de três dias até o centro, no fim do ano. Usando as diretrizes da pirâmide alimentar e as informações nutricionais contidas no rótulo dos alimentos, faça um planejamento alimentar para três dias, incluindo três refeições e três lanches (pela manhã, à tarde e na hora da fogueira). Seu objetivo: elaborar um cardápio saboroso e nutricionalmente balanceado.

Fonte: A autora, 2022.

A seguir, temos um quadro retirado do livro Planejamento para a compreensão, para que você possa pensar nas evidências de aprendizagem que irá coletar.

ESTÁGIO 2 – DETERMINAR EVIDÊNCIAS

Que evidências mostrarão que os alunos compreenderam?

  • Tarefas de desempenho

Que outras evidências precisam ser reunidas à luz dos resultados desejados no Estágio 1?

Autoavaliação e reflexão do aluno

Fonte: Wiggins e McTighe (2019).

PLANEJANDO AS EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM

Agora é o momento de você planejar quais serão as experiências de aprendizagem que vai propor aos alunos para garantir a aprendizagem e gerar as evidências que planejou. É o momento de pensar em:

• Quais conteúdos específicos minha turma precisa adquirir.
• Quais habilidades minha turma precisa desenvolver.
• Quais metodologias, espaços e recursos preciso utilizar para atingir meu objetivo de aprendizagem.

O professor Bob James definiu quais experiências ele ia proporcionar aos alunos.

Experiências proporcionadas

Usar os folhetos do Ministério da Saúde sobre grupos de alimento, assistir a vídeos sobre nutrição, convidar nutricionista para vir à escola, ler o capítulo do livro didático.

Metodologias: instrução, trabalho em grupo, aprendizagem colaborativa, método indutivo e diretivo.

Fonte: A autora, 2022.

A seguir, veja o quadro do livro Planejamento para a compreensão, que ajudará você a elaborar as experiências de aprendizagem.

ESTÁGIO 3 – PLANEJAR EXPERIÊNCIAS

Que sequência de experiências de ensino e aprendizagem equipará os alunos para se engajar, desenvolver e demonstrar aprendizagens desejadas?

Como o planejamento irá:

Ajudar o aluno a saber Onde a unidade está indo?
Prender a atenção dos alunos
Equipar os alunos, Experimentar, Explorar questões
Repensar, Rever
Avaliar o próprio trabalho
Adaptar-se às diferentes necessidades
Organizar-se

CONCLUSÃO

Planejar é fundamental para o educador. Todo docente reconhece o valor do planejamento, mas, muitas vezes, nós o fazemos sem que seja efetivamente uma ferramenta que nos ajude a tornar nossas ações intencionais.

Com a homologação da BNCC e sua organização, por meio de competências e habilidades, o desafio de realizar um planejamento efetivo se torna ainda maior. Ao longo dos tempos, a escola se acostumou a planejar com base em atividades ou no material didático escolhido, fazendo a seleção de capítulos a serem trabalhados. Todo o conteúdo é dividido em aulas, e, geralmente, colocam-se as avaliações no final do processo.

No fundo, nossa expectativa é de que, ao final da etapa, os estudantes tenham alcançado os objetivos de aprendizagem propostos (ou as competências e habilidades definidas). Mas fica a pergunta: será que os estudantes verdadeiramente compreenderam aquele tema, tópico ou assunto das aulas?

Uma maneira de fazer planejamentos significativos e que, realmente, estejam convergindo para a aprendizagem e compreensão é envolver os alunos. Perguntar a eles o que estão aprendendo, falar de outros contextos em que é possível aplicar aquilo que está sendo estudado. Planejar para compreensão é criar experiências de aprendizagem significativas, a partir de intenções educativas claras e definição de evidências a serem coletadas.

Novas formas de planejar nos levam a novas metodologias, novos instrumentos de avaliação, novas experiências de aprendizagem!

Eu desejo a você muito sucesso!


Priscila Boy é pedagoga, diretora da Priscila Boy Consultoria, idealizadora da Escola da Transformação, escritora e palestrante.

www.priscilaboy.com.br
@priscilaboyconsultora

Referências

PERRENOUD, Philippe. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2002.

WIGGINS, Grant; & MCTIGHE, Jay. Planejamento para a compreensão: alinhando currículo, avaliação e ensino por meio do planejamento reverso. 2. ed. (ampliada). Porto Alegre: Penso, 2019.

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