Edição 127
Projeto Didático
Projeto Interdisciplinar Centenário da Semana de Arte Moderna
Camila Falcão
Realizado no primeiro semestre na Escola Americana do Recife, sob a coordenação da professora de Artes Camila Falcão
Escola americana do recife – recife/PE
A Semana de Arte Moderna de 1922
No ano de 2022, comemoramos o centenário da Semana de Arte Moderna, marco do Modernismo brasileiro que traz, na sua essência, a busca pela tão idealizada identidade nacional. A reunião de ideias e pensamentos tão originais naqueles dias de fevereiro de 1922 foi o combustível para questionar nossos valores, repensar o outro, perceber abismos que antes eram completamente ignorados e, o mais importante, pensar opções e ressignificações.
Abaporu, de Tarsila do Amaral; o Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade; o livro Macunaíma, de Mário de Andrade; e as Bachianas, de Villa-Lobos, foram alguns dos desdobramentos fantásticos da euforia provocada por aquela semana icônica. A missão francesa, com sua arte útil, tinha deixado raízes profundas no imaginário dos artistas brasileiros, provocando, ao longo dos anos, um desejo cada vez mais urgente pela liberdade criativa e pela quebra das normas nas artes. A literatura, a música e as artes plásticas eram dominadas pela tradição acadêmica, o que impossibilitava novas experiências estéticas.
Com a urbanização do Brasil, especialmente da cidade de São Paulo, as oligarquias iniciam o processo de modernização dos centros urbanos, criando um ambiente propício para o consumo de arte. A construção de museus, cinemas e galerias de arte agita os ideais da juventude, que se inspiram nas vanguardas europeias e no desejo de mudança com uma nova independência cultural, fazendo referência aos 100 anos em que, em 1922, comemorava-se a Independência do Brasil. As artes conservadoras não comunicavam mais os valores desejados por aquela nova classe social e artística, predominantemente rica. Herdeiros de fazendeiros e a nova classe burguesa buscam, na Europa, escolas de arte e entram em contato com novo senso estético moderno. Na volta ao Brasil, procuram expor, publicar e promover eventos comunicando suas ideias de renovação artística.
Celebração do centenário da Semana de Arte Moderna na Escola Americana do Recife
O Departamento de Artes, juntamente com o Departamento Brasileiro da Escola Americana do Recife, uniu forças para a realização do projeto interdisciplinar, que aconteceu no primeiro semestre de 2022. O projeto conseguiu integrar diferentes áreas do conhecimento, como artes visuais, música, dança, teatro, jornalismo, línguas, história e geografia do Brasil, através de uma série de eventos pedagógicos.
A ideia de realizar um projeto celebrando o centenário da Semana de Arte Moderna surgiu de uma conversa entre a professora de Artes Visuais Camila Falcão e a professora de Música Kadna Cordeiro, que convidaram, do Departamento Brasileiro, as professoras de Português Cleangela Araujo, Ana Britto e Neta Mendes e a professora de História e Geografia do Brasil Juliana Guerra. Do Departamento de Artes, foram convidadas a professora de Artes do Infantil Debora Queiroga e as professoras de Dança Carolina Massa, Aline Fragoso e Rayane Menezes. Foram convidadas também a professora de Escrita Criativa Viviane Vasconcelos, que colaborou com o texto da peça; a professora de Fotojornalismo Raquel Souto, que organizou e realizou nosso tradicional torneio de conhecimento (Knowledge Bowl); e, finalmente, Regina Silva, professora do clube de teatro da escola, para compor o corpo docente interdisciplinar. Para além do conteúdo acadêmico, a ideia do espetáculo foi também proporcionar uma vivência de teatro, desde a pintura do cenário, a fabricação dos figurinos e a decisão sobre personagens até a produção de mitos para compor o espetáculo. Cada professora produziu livremente as peças que foram encenadas no musical, alinhadas ao conteúdo do tema e do texto da peça.
No fim de janeiro de 2022, foi elaborado um cronograma para a realização de diversos eventos e atividades ao longo do semestre, que tinha como culminância a realização de um musical intitulado Tupi or not Tupi, a invenção brasileira. O musical foi coordenado e produzido pela professora Camila Falcão e foi estrelado no dia 1o de junho, na Escola Americana do Recife.
Ao longo de todo o semestre, estudamos os principais personagens da Semana, pesquisando biografias, aprendendo as obras e propostas dos principais pensadores e o conceito antropofágico. Construímos jogos de tabuleiro e digitais, produzimos textos, quadros de curiosidades sobre o evento; tivemos aulas de leituras com os poemas de Manuel Bandeira; fizemos álbum de figurinhas com as obras da Tarsila, releituras de obras modernistas de Anita Malfatti, Candido Portinari, Di Cavalcanti; além de realizar coreografias e brincadeiras com as músicas de Heitor Villa-Lobos. A partir da ótica do Modernismo brasileiro, refletimos sobre o avanço do pensamento modernista na realidade atual brasileira observando o contexto sociopolítico da época nas aulas de História e Geografia do Brasil.
No mês de fevereiro, iniciamos a montagem do musical com a escrita do texto. Em março, tivemos aulas de História da Arte e ensino do dégradé, técnica que foi largamente utilizada pela artista Tarsila do Amaral e que seria reproduzida pelas crianças durante a pintura de peças para compor o cenário. Em abril, realizamos as audições para a escolha do elenco de atores para o musical, além dos testes de leitura para a eleição da narradora e de outras participações especiais. Em maio, as professoras do Departamento Brasileiro prepararam uma série de aulas com conteúdos relacionados à Semana de Arte Moderna. As aulas serviram de base para a realização do torneio de conhecimento da escola chamado Knowledge Bowl, que contou com a participação de todos os alunos do Fundamental I. Ainda em maio, montamos clubes de alunos para a produção de figurinos liderada pela professora Cleangela Araújo, nossa figurinista. Em junho, realizamos quatro ensaios gerais, nas vésperas da estreia, para sincronizar todos os momentos de música, dança e teatro.
O cenário que compôs o musical foi idealizado e desenhado pela professora Camila Falcão livremente inspirado nas obras Paisagem com touro, Sol poente e O lago, da modernista Tarsila do Amaral, e executado magistralmente pela equipe de manutenção da escola. O espetáculo foi montado na quadra principal da Escola Americana do Recife e contou com estrutura de som e iluminação profissional.
O musical contou a história de um menino chamado Tupi, que nasceu do ovo mágico do Urutu e percorreu um caminho de festas e aventuras em busca do tesouro que se encontra escondido dentro de si mesmo. Para isso, contou com a ajuda de companheiros de aventura, que o auxiliaram a perceber as belezas da vida e todo o valor de si. Tupi descobriu novos caminhos, e as vivências das brasilidades possibilitaram seu processo de autodescoberta, seu sonho escondido. Nesse caminho, recebe os conselhos valorosos do professor Mário, que lhe revela as belezas do Brasil à medida que avançam na busca do sonho. O menino Tupi se deslumbra com o Carnaval do 2o ano e suas marchinhas cheias de poesia. Experimenta o ritmo contagiante do samba e do chorinho homenageando Pixinguinha, com apresentações de dança e do coral de música dos 4os anos. Outra companheira do protagonista é Fran, a antagonista. Ela é a menina que detesta o Brasil e desmerece suas raízes. Não perde a oportunidade de reclamar do País, desvalorizando a cultura e a arte. A poesia O bicho, de Manuel Bandeira, é apresentada pelo grupo de música do 3o ano, o que deixa o menino triste, mas é resgatado posteriormente pela sabedoria do professor-poeta Mário, representada por outra poesia do recifense Manuel Bandeira: A estrela, pelo outro grupo do 3o ano. O grupo de dança apresenta a coreografia do choro Brasileirinho, que anima Tupi. A infância é oferecida ao menino através das canções populares de Heitor Villa-Lobos, quando o 1o ano transforma o palco em uma grande brincadeira. Para encerrar a busca do menino pelo sonho de encontrar sua brasilidade, os 5os anos trazem a contação de dois mitos do nosso folclore: Comadre Florzinha e Curupira, com criação de texto e música autoral. Logo em seguida, todos os alunos que participaram das apresentações, cerca de duzentos, juntam-se num grande coral cantando O trenzinho do caipira, de Heitor Villa-Lobos, sob regência da professora Kadna Cordeiro.
Na semana seguinte ao musical, foram feitos o fechamento e a avaliação desse grande projeto com a realização do Knowledge Bowl. Os times foram divididos em cinco rodadas. A turma A enfrentou a turma B do mesmo nível. Foram 64 perguntas abertas sobre os variados assuntos relacionados à Semana de Arte Moderna.
Esta foi a primeira vez que aconteceu um musical na Escola Americana do Recife, gerando muita empolgação e engajamento no tema e nas atividades propostas. Foram envolvidos no projeto vários profissionais de diversas áreas, como administrativa, pedagógica, de manutenção, além das famílias, o que facilitou a realização de um evento tão rico em beleza e conhecimento. As crianças vibraram durante as audições, a produção do cenário, os ensaios e as apresentações. As famílias compartilharam a alegria e enviaram mensagens de elogios ao projeto.
Camila Falcão é professora de Artes da Escola Americana do Recife há 12 anos.
Atualmente, ensina aos alunos e às alunas do Fundamental I.
E-mail: camila.falcao@ear.com.br