Edição 124

Gestão Escolar

Qual é a sua filosofia de gestão?

Grasiela Dourado

gestao-filosofiaInstituições escolares são, geralmente, organizações com modelos de gestão bem tradicionais. Se estatais, seguem modelos estandardizados, com hierarquias rígidas e pouca liberdade na construção dos seus projetos. Se privadas, em sua grande maioria, nascem pequenas, sem planejamento, imitando uma instituição maior ou concorrente.

Pensar a filosofia da sua organização requer criticidade, um olhar criterioso sobre a história, os comportamentos e a cultura organizacional. No processo de profissionalização da gestão escolar, as instituições expõem na parede suas definições de missão, visão e valores, ora criadas pelo coletivo das equipes, ora copiados ou oriundas de consultorias externas. Não se trata aqui de análise aprofundada de retórica administrativa, mas de uma breve análise de como percebemos a rotina corporativa de pensar sobre si mesmo. Não se trata de buscar atributos extrínsecos para representar seus serviços nem de se colocar atualizado, estou falando de forçar a barra para “inventar” algo que não seja tangível, que, de fato, ainda não exista na cultura organizacional. O objetivo de pensar a filosofia deve ser inerente a uma instituição escolar, por esta ser a definidora, o linhão de toda a teia que sustenta as ações. Sem definição filosófica, não há solução, não há sustentação.

Para sua instituição existir, é necessário ir além dos processos burocráticos, dos registros contábeis e jurídicos; é preciso enriquecer o sentido da existência, e, para isso, é necessário se interrogar junto com o coletivo das pessoas que a compõem. Assim, de forma participativa, encontrará seu o propósito, a razão de ser do seu negócio, considerando os valores que são fundamentais para a sua perpetuação.

Empresas que têm opção filosófica clara são faróis para colaboradores e clientes. É da filosofia que os valores são originados, e são os valores que alinham as pessoas a uma causa e provocam identidade. A filosofia da instituição a revela! Pessoas têm critérios de escolha e estão cada vez mais escolhendo produtos e serviços que têm identidade com seu propósito pessoal ou conjunto de valores.

Essa questão ainda não está bem resolvida pela maioria das empresas: nascem, vão se transformando no piloto automático ou se mantendo focadas apenas no trabalho diário que mais parece uma luta pela sobrevivência, uma luta pelos boletos. E isso as deixa cheias de desânimos, sem foco, fazendo mais do mesmo. Ano a ano, vão se adaptando às duras batalhas, superando obstáculos e adquirindo vícios.

A filosofia é revelada no gesto, no cuidado, nas falas e é naturalmente absorvida pelas pessoas, que se tornam mais produtivas e eficientes.

Perguntas como: “Por que existimos?”, “O que fazemos?” e “Que problemas resolvemos?” são ausentes do seu cotidiano; e, por não se interrogar, não se encontram, não crescem. É lamentável entrar em instituições que não sabem o que querem, que não estudam, não têm foco e se perdem em esmeros estéticos ou nas suas ocas tradições. “Ainda bem que fomos os primeiros a fundar escola aqui, a comunidade gosta muito da gente.”

É esse gestor que acorda todos os dias e vai para a escola pelo trabalho, pela disciplina, efetividade e obrigação, senta-se em uma sala quadrada e, de lá, monitora, controla, muitas vezes sem planos ou repetindo as regras da contabilidade, do sindicato. Esse gestor que não alinha filosofia, currículo, propósito, planejamento estratégico e projetos sofre mais e nem sempre se perpetua. Ainda não ouvi em início de ano letivo: “Nossa escola fez um excelente planejamento estratégico, realinhamos nossos valores, criamos os focos para nossos projetos anuais, realinhamos as pessoas e atualizamos nosso projeto político-pedagógico. O reflexo na matrícula já está acontecendo, e viveremos um excelente ano letivo com nossos funcionários, professores e estudantes”.

E, por falar em pessoas, o que tem a ver a filosofia com a gestão estratégica de pessoas?

sala-de-aulaA proposta filosófica da instituição é a definidora da gestão estratégica de pessoas; é, justamente, a análise do histórico, a identificação dos valores que ajudam a empresa na sua capacidade de oferecer um ambiente tão verdadeiramente próspero, participativo, integrado e inclusivo que consegue criar um engajamento natural em todos os que estão envolvidos. A filosofia é revelada no gesto, no cuidado, nas falas e é, naturalmente, absorvida pelas pessoas, que se tornam mais produtivas e eficientes. E, ao se sentirem realizadas com o que fazem, as pessoas se tornam mais felizes, expandem essa experiência para seus lares e outros ambientes. Se colaboradores estão engajados, envolvem a todos, inclusive usuários dos serviços, clientes.

A instituição escolar pensada por Michel Foucault é reveladora de como, na educação moderna, a escola foi permeada de atitudes de vigilância e de adestramento do corpo e da mente. Esse grande crítico das instituições escolares propôs abordagens inovadoras para entender as instituições e os sistemas de pensamento. Sua obra é uma grande referência nesse campo de conhecimento. Foi através dele que aprendemos que a escola produz um determinado tipo de sociedade. Hoje, pensar a escola contemporânea requer de nós o humilde exercício de visitar a sua obra e repensar a produção, a tradição, a repetição, sob pena de se perpetuar como está.

A escola de inspiração moderna, respaldada na disciplina, nos elementos de controle, conteudista, mais supre e domestica comportamentos, pune, hierarquiza, mecanismos estes que Foucault chamou de tecnologia política, com poderes de manejar espaço, tempo e registro de informações. Aqui temos a análise que posiciona a escola na sociedade e a define. E para a escola contemporânea? Inspirar-se em filosofia, em técnicas de gestão, irmanar-se com as demais ciências para se manter, crescer e se perpetuar.

Em seu livro Microfísica do poder, Foucault analisa que o poder não é apenas do estado, é das pessoas, vendo que instituições têm uma teia complexa, pois são formadas por pessoas com ideias diversas; então, não se pode falar do conhecimento como causa ou efeito de outros fenômenos, dentre eles a participação e a colaboração. Nessa análise, o pensador criou o conceito de poder-conhecimento. Com base no entendimento desse conceito, podemos direcionar nosso diálogo sobre a filosofia da instituição, deduzindo que ela revela o pensamento, a criação, as ideias do criador, mas também das pessoas que a compõe. Seja esse criador uma pessoa ou um coletivo, como, por exemplo, um conselho, uma associação. É na criação que impregnamos nossas ideias, e é na existência que as fazemos acontecer.sala-de-aula-2

Esse entendimento nos ajuda a refletir o quanto podemos agir produtivamente contra aquilo que não queremos ser e o quanto podemos ensaiar novas maneiras de organizar o mundo em que vivemos, testar novas possibilidades, reinventar-nos. Mas, para isso acontecer nas instituições escolares, reitero, deve-se pensar sua existência, revisar suas rotinas, abrir espaço para que as pessoas existam e coexistam numa gestão participativa.

filosofiaA filosofia da gestão é, portanto, o resultado de um processo de construção de uma liderança humanizada, com escuta ativa, planejamento coletivo, projetos, métodos bem definidos. É preciso revolucionar o ambiente escolar, começando por colocar as pessoas no centro de todos os processos e fundamentar as ações nas relações humanas e em princípios simples, como a felicidade e o respeito, acreditando na humanização da liderança, em estratégias de competitividade e na eficiência do trabalho educacional.

A escola de inspiração moderna, respaldada na disciplina, nos elementos de controle, conteudista, mais supre e domestica comportamentos, pune, hierarquiza, mecanismos estes que Foucault chamou de tecnologia política, com poderes de manejar espaço, tempo e registro de informações.

O desafio aqui é o de pensar na filosofia de gestão como forma de convidar a todos a repensarem essa escola reprodutivista, histórica, com vistas a avançar de forma harmônica, definindo o que deseja ser, por que existe e qual o impacto social das suas ações. É preciso determinar pilares que sustentam toda a instituição e solidificá-los, permeando todas as áreas da gestão, definindo o perfil de pessoas, o foco dos projetos.

A proposta de pensar a instituição nos leva a, periodicamente, dar paradas estratégicas com todo o coletivo que a compõe. Esse ciclo virtuoso oferece, àqueles que acreditam em uma escola melhor, a prática de ações conscientes, a melhoria de seus processos e resultados, o alcance de uma vida organizacional, pessoas com um trabalho mais próspero e sustentável e uma sociedade mais justa.

Essa gestão com filosofia identificada, explicitada e trabalhada nas suas rotinas e processos dá suporte aos métodos. São pessoas bem capacitadas através de métodos adequados que desenvolvem os processos e alcançam os resultados. Se não sei quem sou, serei o que os outros são. Se não sei qual método, trabalho por imitação. Se não tenho processos, faço mais do mesmo por tradição.

Finalizo este breve texto convocando cada gestor escolar a parar e revisitar as perguntas que fizemos até aqui e iniciar com suas equipes análises que reposicionem a todos para a filosofia da sua instituição e como ela requer ser pensada constantemente para alinhar as pessoas à causa da sua existência. E desejo-lhes uma boa viagem neste futuro breve que requer de nós grandes mudanças.


grasiela-douradoGrasiela Dourado é pedagoga, com habilitação em Supervisão Escolar, pós-graduada em Metodologia e Didática, palestrante e consultora educacional; tem MBA em Gestão Estratégica de Pessoas e em Business Transformation.

E-mail: grasieladourado@gmail.com

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

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