Edição 50

Matérias Especiais

Quase da família

Janaína Medeiros

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Todos os dias, ela chega com um sorriso bem aberto no rosto e cumprimenta
seus filhos “postiços” com um estrondoso e ao mesmo tempo suave “Bom-dia,
crianças!”. Para os pequenos, nem parece que ela dormiu direito, pois seu cabelo
continua com a mesma beleza de sempre; seu olhar, delicado como antes; e
sua roupa, irretocável. Essa cena — apesar de descritiva — foi citada por Caíque,
4 anos, de Jundiaí, SP, quando perguntado como ele via a sua professora chegar
na creche em que “estuda e brinca” durante a maior parte de seu dia. “Ela parece
que já é da minha família”, complementa o menino.

Muito mais que uma relação professor-aluno, o vínculo existente
entre esses profissionais e as crianças na Educação Infantil,
de 0 a 6 anos, pode ser denominado de amigo-criança, “em
que temos, de um lado, o professor, sendo mais do que um
instrutor, e, de outro, o aluno, muito além do que alguém que
quer apenas aprender o ‘bê-á-bá’. Aprender significa, nessa fase,
conhecer o mundo e descobri-lo. E é o professor quem está lhe
apresentando o universo desconhecido, mostrando o mundo
que vai além do muro de sua casa, local onde convive e aprende
com a família. Por isso que o vínculo é de afetividade”, explica a
educadora Arlete Santos Veiga Faria, do Rio de Janeiro.

Segundo Arlete, a primeira professora, ninguém esquece.
“Quem nunca se lembra, vez ou outra, de quem lhe ensinou
a ler e escrever? Da professora que nos orientou da necessidade
de estudar e saber que as coisas do mundo são prazerosas
e divertidas?”, indaga.

Assim como no filme Nenhum a Menos, do chinês Zhang Yimou
(1999), o professor tem de ser, além de mediador, motivador
e incentivador, de maneira que ganhe a confiança da
criança. Nesse filme chinês, uma professora substitui um
professor que precisa se ausentar da escola. Apesar de ser
inexperiente, acaba aceitando o convite com a responsabilidade
de não deixar nenhum aluno desistir, evadir-se, tampouco
faltar às aulas. Com a cobrança do prefeito da cidade e a
rebeldia dos estudantes, vê-se, então, tendo de lidar com um
dos alunos que acaba se afastando da escola. Devido à sua
responsabilidade, a professora novata viaja sem direção em
busca da criança, a fim de reconquistá-la e trazê-la de volta.
Quando consegue, volta inserindo novos métodos de aprendizagem,
motivando e contagiando os alunos.

Minha casa: escola

“Não há como falar da importância da professora sem falar
da escola”, comenta Arlete. É na escola que a criança, por
meio da interação social, aprende a articular seus interesses,
gostos e pontos de vista em relação aos coleguinhas, aos professores
e às demais pessoas. “O colégio infantil é um local
privilegiado nesse sentido, pois permite o desenvolvimento
por meio da educação. Prioriza a vida em coletividade e
comportamentos como solidariedade, respeito, ajuda, etc.”,
explica. Junto dos amiguinhos da escola, os alunos trocam
experiências, diferenciando-se uns dos outros, construindo a
individualidade e amadurecendo.

Além disso, segundo a psicopedagoga e terapeuta familiar
Maria Cecília Castro Gasparian, de São Paulo, o colégio tem
a atribuição de transmitir às futuras gerações os costumes e
a cultura de um povo, através do conhecimento formal. “Ensinar
a ler, escrever, contar, refletir e interpretar”, afirma. No
caso das crianças de 0 a 6 anos, um dos papéis do professor é
socializá-las por meio do brincar, da música e das artes.

O professor, principalmente o dos alunos mais novos, faz a
mediação entre eles e o seu meio, fomentando, assim, sua
socialização. Ele é o facilitador, o motivador, é quem permite

o desenvolvimento da criança — tal como é o papel dos pais.
“O professor de hoje deve cuidar e educar ao mesmo tempo.
Depois dos pais, ele é o principal adulto que figura na formação
do indivíduo”, ressalta Arlete.

Na opinião de Maria Cecília, esse papel foi se deteriorando ao
longo dos anos por inúmeros fatores, como: formação deficitária;
salários cada vez mais defasados; mudanças de métodos,
técnicas e estratégias de ensino; e preparo inadequado.
“Atualmente, estamos trabalhando arduamente para superar
essas grandes lacunas criadas pela deficiência na formação,
desestimulada pelo baixo salário”, revela a psicopedagoga.

Formação de caráter

De acordo com Maria Cecília, os seres humanos aprendem por
meio de observação, e, por isso, as crianças copiam os atos e
as atitudes dos adultos. Portanto, o bom exemplo dado pelo
professor é primordial para a criança construir seu caráter.

Ele também pode contribuir com os pais na educação dos filhos.
“Pode auxiliar a família sistematizando rotinas de estudo
e orientando-a quanto à consistência de atitudes, criando
uma parceria na educação da criança”, afirma Maria Cecília.
Sabe-se que a personalidade infantil se forma por meio de uma
complexa rede de atitudes dos pais e do professor. Portanto, a
parceria com a família é fundamental para que se possa dar
uma contribuição favorável no desenvolvimento integral do
futuro adulto. “Penso, nesse momento, que o amor e o afeto
são sempre muito importantes”, considera a psicopedagoga.

Para Maria Cecília, o professor não tem de ser necessariamente
amigo do aluno. “Ele deve ser um excelente profissional
e assim o cativará por sua sabedoria, seu conhecimento
e, acima de tudo, sendo justo e consistente em seus atos”,
explica. Segundo ela, deve ser um adulto ético e que transmita
confiança; assim, a criança saberá que poderá contar
com ele e se orgulhará de tê-lo como seu educador.

A relação pais-professor também deve ser de confiança.
“Para transmiti-la para alguém, temos de demonstrar conhecimento
e segurança sobre o que falamos e, principalmente,
sobre o que fazemos”, ensina Maria Cecília. De acordo
com ela, falar o que se faz e fazer o que se promete é,
sem dúvida, um grande passo para despertar a confiança de
qualquer um, em qualquer profissão.

A famosa “tia”

Antigamente, as “tias” eram, na família, as mulheres que
dispunham de mais tempo para cuidar dos sobrinhos, já que
eram solteiras. “Essa ideia perdura até os dias atuais, embora
eu não goste do termo para personalizar uma profissional
tão importante na formação da criança. Sem contar que tia
é irmã do pai ou da mãe, e essa profissional não é parente de
nenhum dos dois”, comenta a psicopedagoga.

Apesar disso, conforme Maria Cecília, é uma forma carinhosa
de aproximação afetiva, dando às crianças uma maior
segurança num ambiente que elas ainda não dominam.
“Nós estamos sempre em busca de amor, afeto, respeito e
segurança. Os alunos pequenos, em especial, ao entrarem
na escola, vão também em busca disso e encontram esses
sentimentos nas ‘tias’”, informa.

 

Fonte: Manual da Criança – Quase da família. São Paulo:
n. 3. p. 38–41.

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