Edição 126

Matéria Âncora

Quem foi seu mestre?

Christianne Galdino

Ideias e práticas dos grandes pensadores da educação

Educar é, sem dúvida, uma das mais nobres missões do ser humano, mas é, ao mesmo tempo, um dos principais desafios da humanidade e está intrinsecamente ligado ao processo de desenvolvimento dos indivíduos. Por isso, a educação é sempre matéria de destaque no campo da política e uma preocupação permanente de toda a sociedade.

A tarefa de formar, em tempos mais antigos, já foi uma responsabilidade exclusiva da família, que costumava contratar professores particulares ou enviar os filhos para estudar no exterior, o que infelizmente só era viável àqueles de maior poder aquisitivo. Com o passar do tempo, o acesso à educação foi se popularizando — ainda que de forma desigual —, e a importância das escolas e dos professores aumentou. Porém, há algumas gerações, o debate sobre de quem é a responsabilidade e qual o papel da família e da escola no processo educacional vem se perpetuando e se atualizando. Muito já se falou também sobre a interferência das mídias, como a televisão e agora a Internet e as redes sociais, na formação das crianças e dos adolescentes. Uns condenam, outros incentivam, mas todos reconhecem que não dá para ignorá-las.126-ancora

Na realidade, a educação nos dias de hoje apresenta uma série diversa e complexa de temas que precisam ser considerados em qualquer processo de formação. E como se preparar para encarar essa multiplicidade do ambiente escolar? Será que existe um jeito certo de educar? Quais as estratégias que os professores devem adotar para atingir o máximo potencial dos seus alunos? Alguns grandes pensadores do Ocidente, oriundos de áreas distintas, buscaram respostas para essas e outras questões e construíram, assim, suas filosofias e seus métodos pedagógicos. As descobertas de cada um deles se tornaram ensinamentos que continuam reverberando e impactando a educação no Brasil e no mundo. O legado desses mestres pode ser farol para guiar pensamentos e práticas em prol da educação. Então, vamos conhecê-los?

JOHN DEWEY (1859–1952)

Norte-americano, ele cresceu numa pequena cidade de Vermont, nos Estados Unidos. Tinha apenas 15 anos quando entrou na universidade e, aos 20, já estava formado e começando a exercer a prática do magistério. Alguns anos mais tarde, John Dewey se mudou para Baltimore para cursar o doutorado em Filosofia, na Universidade Johns Hopkins. Nessa época, ele se aprofundou em temas como religião, moral, política e a relação entre filosofia e educação. Daí surgem as bases conceituais das suas contribuições ao movimento progressista Escola Nova.

O foco central desse movimento e das ideias de Dewey era a busca por mais autonomia e liberdade de expressão para os alunos, indo de encontro aos regimes totalitários e seus sistemas educacionais repressores. Ele defendia a democracia e a pluralidade de ideias e, por isso, afirmava que o conhecimento não pode ser transmitido como uma doutrina, desconectado da realidade prática do mundo.

Quem liderou o movimento Escola Nova no Brasil foi o educador baiano Anísio Teixeira (1900–1971), que conheceu o filósofo norte-americano na época em que foi cursar o doutorado nos Estados Unidos, nos anos de 1920. Anísio implantou o primeiro modelo brasileiro de escola pública municipal, baseado em uma formação integral, estimulando o protagonismo dos estudantes e o senso de cooperação entre eles.

PENSAMENTO:
“O aprendizado se dá quando compartilhamos experiências, e isso só é possível num ambiente democrático, onde não haja barreiras ao intercâmbio de pensamentos.” John Dewey

MARIA MONTESSORI (1870–1952)

Esta italiana é o que podemos chamar de uma mulher à frente do seu tempo. Corajosa e determinada, Maria Montessori enfrentou a oposição do pai e o machismo da época e se tornou a primeira mulher médica da Itália e a terceira de todo o continente europeu. E foi como estudante de Medicina e voluntária de ações sociais em bairros pobres de Roma que ela se deparou com a dura realidade das crianças abandonadas pelo sistema educacional, que eram tratadas como doentes por causa dos seus déficits de aprendizagem ou da inadequação aos padrões sociais. Aquela situação deixou a jovem Maria muito indignada, tanto que ela decidiu se dedicar aos estudos disponíveis sobre o desenvolvimento psicológico das crianças, que formaram a base para a criação do seu conhecido método de educação.

Mais tarde, em 1907, Maria Montessori migrou completamente para a carreira pedagógica, abrindo sua própria escola, a Casa das Crianças, em um dos bairros mais pobres e vulneráveis da região e tendo a criança como centro do seu próprio processo de aprendizagem, com total respeito ao ritmo e à individualidade de cada uma.

No Método Montessori, os alunos são estimulados desde cedo a fazerem suas escolhas e a interagirem com o ambiente, explorando-o sensorialmente, com liberdade de movimento e autonomia. As salas são projetadas para o tamanho das crianças, contendo elementos atrativos visualmente, e não existem grades nem nada que as impeça de circular livremente. Inclusive, há também o incentivo à formação de turmas de múltiplas idades na Educação Infantil. O educador funciona mais como um mediador, e os alunos não precisam passar por provas e testes para serem avaliados, pois esse processo acontece naturalmente pela observação e pelo registro das atividades cotidianas em sala de aula ou nos demais ambientes da escola.

O trabalho de Maria Montessori está presente em mais de 65 mil escolas por todo o mundo; aqui no Brasil, na grande maioria, faz parte de instituições de Educação Infantil.

PENSAMENTO
“As crianças são investidas de poderes não conhecidos, que podem ser as chaves de um futuro melhor.” Maria Montessori

CÉLESTIN FREINET (1895–1966)

Filho de um pastor de rebanhos de uma pequena vila da França, Célestin Freinet, desde cedo, dizia querer seguir a carreira de professor, porém esse desejo teve que ser adiado, pois ele foi convocado para a Primeira Guerra Mundial, em 1914. Voltou dos campos de batalha com os pulmões comprometidos, mas, mesmo assim, seguiu com o sonho de se tornar educador, o que aconteceu em 1920. Como não conseguia passar muito tempo em aulas expositivas, Freinet decidiu levar os alunos para passeios no povoado e, dessa forma, ir ensinando pela experimentação. O resultado foi tão positivo que ele passou a não usar mais material didático.

Em 1935, inaugurou uma escola junto com sua esposa, Elise, para ensinar desse novo jeito. Tanto as famílias da região como outros educadores receberam muito bem a iniciativa do casal Freinet, que, anos mais tarde, ficaria conhecida como Escola Moderna, com direito, inclusive, à criação de uma federação internacional. Eles não deixaram uma metodologia institucionalizada, até mesmo porque defendiam um “método natural”, criado a partir dos interesses dos próprios alunos.

No importante legado freinetiano, destacam-se três princípios: a não utilização de aulas expositivas tradicionais, promovendo aulas durante passeios, por exemplo; a não utilização de material didático convencional, construindo junto com os alunos materiais condizentes com os interesses de cada turma; e a limitação da quantidade de alunos por sala de aula, que não deve passar de 25 estudantes.

PENSAMENTO
“As crianças têm curiosidade e vontade de aprender naturalmente. O trabalho do educador é identificar tais interesses e adaptar práticas pedagógicas para que utilize em prol da educação.” Célestin Freinet

JEAN PIAGET (1896–1980)

Ele nunca foi educador nem deixou um método estruturado para aplicação direta em sala de aula, mas sua teoria serve de norte para uma série de princípios pedagógicos até hoje. Jean Piaget era suíço e se formou em Biologia. Desde criança, começou sua produção “científica”, deixando um volume de mais de 50 livros escritos.

Depois de formado, aos 23 anos, interessou-se por compreender o funcionamento da inteligência humana; e foi estudar psicologia experimental para descobrir a formação do raciocínio das crianças, chegando à definição de cinco estágios do desenvolvimento. A ideia de Piaget era a de que, uma vez identificadas as características de cada fase, fossem adaptadas práticas pedagógicas adequadas a cada estágio de desenvolvimento da criança.

Para ele, tudo o que sabemos sobre o mundo é resultado das nossas experiências de vida desde a primeira infância (de 0 a 3 anos), e a interpretação é sempre única e individual. O processo que Piaget chama de construção do conhecimento acontece continuamente e durante toda a vida.

PENSAMENTO
“A razão não se encontra pré-formada nem nos sujeitos nem nos objetos; o que existe é uma auto-organização e, consequentemente, uma construção contínua.” Jean Piaget

LEV VYGOTSKY (1896–1934)

Nascido em uma rica família judaica da pequena cidade de Orsha, na Bielorússia, que na época fazia parte do Império Russo, Lev Vygotsky estudou com um tutor até os 18 anos, quando decidiu cursar Medicina. Logo depois migrou para Direito e, já vivendo em Moscou, envolveu-se no efervescente debate da época sobre política social e educacional.

Além de ensinar História da Arte e Estética, dedicou-se a estudar Psicologia e bebeu da fonte da teoria marxista. Sua intenção era investigar as relações por trás do desenvolvimento cognitivo e os níveis de aprendizagem. Ele chegou à conclusão de que o conhecimento é uma construção histórica e social, e não inata do ser humano. Nessa perspectiva, é impossível separar o indivíduo do seu tempo histórico e do contexto sociocultural em que vive, pois o aprendizado se dá por meio da interação com o meio e os outros seres. Vygotsky viveu pouco, apenas 37 anos, mas deixou um incrível acervo, com mais de 200 artigos científicos produzidos.

PENSAMENTO
“Nós nos transformamos em nós mesmos através dos outros!”. Lev Vygotsky

PAULO FREIRE (1921–1997)

Nascido e criado no Recife, Paulo Freire, apesar de ter chegado a passar sérias dificuldades financeiras e até fome por conta do falecimento do seu pai, conseguiu ultrapassar os obstáculos e ingressar no Ensino Superior, cursando Direito na então Universidade do Recife. Mas ele nunca trabalhou na área jurídica. Logo depois de formado, migrou para a carreira de professor e a ela se dedicou por toda a vida.

Nos seus anos iniciais de prática como educador e líder pastoral, Freire observou que a escola, no modelo tradicional, não proporcionava oportunidades iguais para todos os alunos, impondo uma formação desconectada do contexto sócio-histórico deles. E, para tentar reverter essa realidade, criou seu Método de Alfabetização de jovens e adultos, levando em conta as experiências de vida e o conhecimento prévio dos alunos.

Em 1963, Paulo Freire liderou um programa educacional e, junto com um grupo de educadores, conseguiu alfabetizar 300 pessoas em 40 dias no município de Angicos, no Rio Grande do Norte. Porém, pouco tempo depois começou o período da ditadura militar no Brasil, e seus métodos e suas ideias foram considerados inadequados pelo regime. Então, Freire foi preso e depois exilado, indo morar em países como Estados Unidos, Suíça, Bolívia e Chile, onde se estabeleceu por mais tempo e lá publicou uma das suas mais importantes obras: Pedagogia do Oprimido.

No tempo em que viveu nos Estados Unidos, foi professor visitante da Harvard University. Na Suíça, atuou por dez anos no Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas, realizando projetos de ação educativa em mais de 30 países mundo afora.

De volta ao Brasil, após 16 anos de exílio, atuou como professor em diversas universidades e assumiu cargos públicos ligados à área da educação até seu falecimento, em 1997, um mês depois de lançar seu último livro: Pedagogia da Autonomia.

Com uma contribuição inegável, Paulo Freire se tornou uma das principais referências mundiais em educação, recebendo muitos prêmios, títulos e homenagens até a atualidade, como: o Prêmio Rei Balduíno, na Bélgica (1980); Prêmio Unesco da Educação para a Paz (1986); e Prêmio Andres Bello, como Educador do Continente, pela Organização dos Estados Americanos (1992). E ainda foi um dos indicados ao Prêmio Nobel da Paz em 1995.

O diálogo e a amorosidade são o caminho para atingir qualquer ação transformadora e devem nortear todas as relações humanas. Esses são princípios que fundamentam a pedagogia de Freire, com o intento de fazer da educação uma ferramenta para despertar a consciência dos sujeitos para que possam encontrar soluções coletivas e construir uma sociedade mais justa.

PENSAMENTO
“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua produção e construção. Quem ensina aprende ao ensinar. E quem aprende ensina ao aprender.” Paulo Freire

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