Edição 78

Matérias Especiais

Redes sociais para a aprendizagem

Marita Andrade

Eles navegam com surpreendente autonomia. No universo virtual, crianças, adolescentes e jovens rapidamente se integram em redes formadas por quem tem interesses comuns. Com um clique no mouse ou um toque na tela, eles trocam informações, fazem comentários e compartilham o que gostam. Todas essas habilidades podem ser aproveitadas na escola em práticas pedagógicas sintonizadas com o mundo contemporâneo e que valorizam a cultura juvenil.

Um dos maiores fenômenos comunicativos que chegam hoje às salas de aula são as redes sociais, em que pessoas se relacionam umas com as outras em ambientes virtuais, de acordo com suas afinidades e seus interesses. Entre os sites de relacionamento mais utilizados, estão o Facebook, o Twitter e o Instagram, que, a cada dia, conquistam mais a atenção e o tempo dos internautas.

Segundo estatísticas do Facebook, atualmente o Brasil é o terceiro maior usuário dessa rede. Com 76 milhões de usuários, nosso país fica atrás apenas da Índia (82 milhões) e dos Estados Unidos (179 milhões). Lançado em fevereiro de 2004, o Facebook foi criado pelo norte-americano Mark Zuckerberg junto com seus colegas da Universidade de Harvard. Inicialmente voltado para o grupo de universitários, essa rede social cresceu, virou empresa e se expandiu pelo mundo.

Nos relacionamentos e nas vivências em rede não há limite físico-temporal. A rede se forma por uma questão de identidade, aproximando pessoas de diferentes lugares do mundo. Na concepção do filósofo francês Pierre Levy, o tempo e o espaço configuram uma realidade social virtual chamada de ciberespaço, que traz alterações profundas na nossa maneira de viver e interagir.

Por essa razão, é preciso rever, ampliar e recontextualizar os conceitos de tempo, espaço e distância. Na escola contemporânea, o tempo de aprender extrapola o horário escolar. O espaço de aprendizagem vai além dos limites da escola. A distância entre professor e aluno se encurta no ciberespaço, abrindo novas possibilidades para a aprendizagem.

As redes sociais permitem que um mesmo objetivo de interesse seja debatido a partir de múltiplas vozes e que o conhecimento seja produzido de forma colaborativa, conforme analisa a professora do Departamento de Linguística Aplicada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Denise Bértoli Braga, que pesquisa letramento digital, ensino em rede e hipertexto.

6_redes_socias_para_a_aprendizagemAcertar o passo da escola para acompanhar as mudanças e o ritmo do mundo contemporâneo conectado à rede é uma necessidade que se impõe. É o que defende Eduardo S. Junqueira, Doutor em Educação pela Michigan State University e professor do Instituto Virtual da Universidade Federal do Ceará (UFC). Os sites de relacionamento, segundo ele, podem ampliar os horizontes da docência e fazer com que o professor descubra diferentes formas de ensinar e de aprender com seus alunos. Nessa perspectiva, existe a possibilidade de estender a vivência da aprendizagem do aluno e também do professor para além do horário e do espaço da escola. Conforme explica Junqueira, assim é possível aprender em casa e até na rua, caso haja Internet móvel.

Junqueira conta que usa o Twitter para seguir as postagens realizadas por pesquisadores de destaque em sua área de estudo e para trocar conteúdo com eles. “É algo simples e que me ajuda a ter acesso a informações que contribuem significativamente para minha formação de docente e de pesquisador”, diz. Ele sugere que o mesmo pode ser feito por qualquer professor da escola básica ou alunos de licenciaturas. Trata-se de construir uma rede e trocar informações com especialistas, e isso tem muito valor hoje.

Cultura juvenil

No trabalho envolvendo redes sociais na escola, a troca de saberes entre estudantes e docentes é essencial. Na escola contemporânea, o aluno tem muito a ensinar e a contribuir para o processo de ensino-aprendizagem. Ele faz parte da geração net, ou geração digital — nasceu imerso na sociedade da informação. A maioria tem familiaridade com as práticas em rede, e esse potencial pode ser aproveitado para que eles compartilhem saberes e aprendizagens.

Essa característica também faz com que os estudantes esperem da escola a oferta de atividades criativas, conteúdos e metodologias que contemplem suas habilidades e competências e dialoguem com sua identidade e cultura juvenil. “Eles demandam projetos que desenvolvam o pensamento crítico e analítico”, opina Vera Lúcia de Oliveira e Paiva, professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora em Linguagem e Tecnologia. Ela explica que buscar a identidade da cultura juvenil exige do professor ouvir o aluno, conhecer as suas áreas de interesse e o que este faz fora da escola, instituição que, segundo a professora, não pode estar ausente nas práticas sociais da linguagem nas quais os jovens estão engajados.

Sendo assim, um dos desafios colocados para o professor é estabelecer com o estudante uma relação de ensino-aprendizagem que concilie os interesses deles com os objetivos pedagógicos. Junqueira defende que, para atender a essa demanda, é preciso validar os saberes dos jovens abrindo espaços para que eles compartilhem seus conhecimentos e suas experiências. “Trata-se de uma postura muito alardeada, mas pouco praticada. Os professores e os alunos ainda precisam ser educados para se engajarem nessas trocas e contribuírem para a melhoria das vivências escolares, sempre numa perspectiva de aprendizagem interdisciplinar”, diz Junqueira. E acrescenta que, nesse trabalho, é necessário levar em consideração a perspectiva do conectivismo — teoria da aprendizagem da era digital.

Desenvolvida pelos pesquisadores canadenses George Siemens e Stephen Downes, a teoria do conectivismo propõe a aprendizagem como uma atividade profundamente social em redes como a Internet. Essa concepção ajuda a explicar os efeitos que os avanços tecnológicos dos últimos 20 anos têm na forma como as pessoas vivem, comunicam-se e, sobretudo, na maneira como elas aprendem e constroem conexões e conhecimento. Para esses dois estudiosos, muitas das teorias de aprendizagem não são suficientes para compreender as características do aprendiz do século XXI em face à nova realidade da sociedade reorganizada em rede, na qual se destaca a necessidade de aprender a aprender. Siga Siemens e Downes no Twitter: @downes e @gsiemens.

Potencial pedagógico

Para explorar o potencial pedagógico das redes sociais na sala de aula, Vera Lúcia sugere estimular o debate entre professores e alunos, inclusive com os de outras instituições e outros lugares. Essa interação contribui para que todos possam se entender como cidadãos do mundo, refletir e trocar ideias sobre os protestos no mundo árabe, sobre como a violência urbana tem afetado a vida nas grandes cidades da Europa ou sobre o que acontece na África e em outros continentes, por exemplo. “Isso amplia os limites e ajuda a desenvolver o senso crítico”, defende. Sugere estimular os alunos a tuitarem sobre determinados temas. Assim, eles exercitam a habilidade de expressarem o que pensam em apenas 140 caracteres, limite estipulado pelo Twitter.

É importante que o professor propicie o trabalho em cooperação e estimule as conexões, ampliando a capacidade que os estudantes têm para fazer associações com liberdade. Cabe ao docente propor questões instigantes e trabalhar a coesão e o espírito colaborativo do grupo.

As redes sociais construídas com finalidade escolar devem, preferencialmente, ser fechadas; isto é, o professor pode criar uma página no Facebook ou um endereço no Twitter exclusivo para a sua turma, de forma a restringir o acesso de pessoas que possam tirar o foco das aulas.

7_redes_socias_para_a_aprendizagem

Como as redes sociais são construídas e mantidas a partir das relações entre as pessoas e suas ações, uma proposta em torno de um tema do currículo pode ser debatida pelos alunos que, com suas vozes e visões de mundo, teriam chance de se manifestarem — talvez com maior liberdade do que no contexto tradicional da sala de aula. A partir dessas interações é que a rede é formada.

Explorar o universo virtual no ambiente escolar possibilita também o acesso a conteúdos em formatos variados, como texto, áudio, vídeo, etc. Isso, segundo Vera Lúcia, contribui para desenvolver as “inteligêcias múltiplas” dos estudantes, ajudando-os a se sentirem protagonistas e mais engajados.

É importante lembrar que as atividades em rede tendem a se tornar mais extensas, por isso é necessário um planejamento e um controle mais rigoroso do tempo para evitar a dispersão tanto dos docentes quanto dos alunos. O professor pode, por exemplo, utilizar softwares (alguns gratuitos, como o Ucinet 5.0, o Gephi e o NodeXL) para análise do comportamento em rede, os quais, por meio de gráficos, o ajudam a avaliar e acompanhar os trabalhos dos alunos.

Postagens com foco

A experiência da Escola Estadual Professor Luiz Antônio Corrêa de Oliveira, em Araxá (MG), mostra que o trabalho com as redes sociais no ambiente escolar precisa ter um foco. “Na nossa página da escola no Facebook, os alunos começaram a fazer postagens que fugiam do nosso objetivo e não eram adequadas ao propósito da equipe pedagógica”, recorda Carla Madalena Santos, professora de Matemática que coordena o grupo Peas Juventude (Programa Educacional de Atenção ao Jovem, da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais), do qual a escola faz parte.

Foi preciso uma conversa franca entre alunos e professores para juntos refletirem e definirem o objetivo da página do Facebook. Ficou acertado, então, que essa rede social seria para divulgar os trabalhos e os projetos desenvolvidos na instituição e para estabelecer um canal de diálogo com toda a comunidade escolar. Nesse espaço, eles poderiam opinar e dar sugestões, e os familiares, por sua vez, teriam uma alternativa para acompanhar o dia a dia dos seus filhos.

No contraturno, um grupo de alunos do ensino médio se reúne com a professora de Língua Portuguesa Melina de Paulo para fazer as postagens do dia. Uns utilizam o computador da escola, outros usam o notebook da professora, e há ainda aqueles que preferem usar o próprio celular. Eles fazem uma pesquisa na Internet para ver se há notícias sobre educação e cultura para enriquecer o perfil.

O trabalho autoral é sempre estimulado. Ela conta que os alunos preferem postagens com textos curtos e repletos de imagens. Quando encontram um texto maior, cabe a eles, sob o olhar atento da professora, enxugar o conteúdo sem perder a clareza. Esse trabalho de escrever em poucas linhas tem sido um ótimo exercício de síntese para a turma.

Pode-se conhecer um pouco mais sobre esse trabalho no link www.facebook.com/PeasJuventudeProfLuizAntonio.

Aprender em rede

Os cursos de formação docente oferecem uma preparação ainda frágil no aspecto do uso de redes sociais em sala de aula, conforme considera Junqueira. Por outro lado, há hoje, em todo o País, muitos professores pesquisando e publicando artigos e livros sobre ambiente virtual na Educação e desenvolvendo projetos de extensão com alunos e professores em serviço.

Uma iniciativa do Governo Federal, através da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), está tentando avançar nessa área com o estabelecimento dos Laboratórios Interdisciplinares para a Formação de Educadores (Life). Instalados desde 2012 em diversas universidades do País, esses laboratórios oferecem formação prática aos estudantes das diversas licenciaturas no uso das tecnologias digitais e ambientes virtuais para a docência.

Na Universidade Federal do Ceará (UFC), no grupo de pesquisa Linguagens e Educação em Rede, Junqueira desenvolveu uma rede social chamada Aprender em Rede (AR). O objetivo é aprimorar a aprendizagem num ambiente interativo e poder adaptá-la a diversas finalidades. Nesse espaço, os alunos podem estabelecer novas conexões, buscar e compartilhar informações e, a partir das interações sociais, construir conhecimentos, beneficiando-se da mediação on-line de professores e monitores.

O AR foi desenvolvido com base nos princípios teóricos do conectivismo. Assim, a aprendizagem constitui-se através de quatro tipos de atividade: agregar informações, conteúdos e materiais; estabelecer relações entre saberes antigos e novos; criar saberes e partilhar em rede.

A utilização das redes sociais na escola é uma discussão controversa. Muitos profissionais têm resistência ao uso desses ambientes virtuais. Alguns, por desconhecimento do seu funcionamento; outros, por verem a dificuldade que a maioria dos professores tem em realizar uma transposição pedagógica de seus conteúdos para um meio que não seja de aula com quadro, giz, projetores, livros didáticos. Denise Bértoli Braga explica que atividades em rede e de construção colaborativa são complexas e tendem a fugir do padrão comumente adotado nas atividades escolares tradicionais.

Sob o argumento de que a escola precisa acompanhar a evolução que os tempos atuais impõem à Educação, a jornalista e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) Michelle Prazeres avalia que o universo virtual vem invadindo o ambiente escolar em iniciativas que nem sempre são respaldadas por um projeto pedagógico consistente.

Ela explica que muitas pessoas acreditam que esse tipo de trabalho vai transformar a educação, melhorando a qualidade do processo de ensino-aprendizagem ao trazer inovações para as práticas educativas. Ela lembra, entretanto, que o uso das tecnologias em ambientes virtuais deve ser pensado de forma contextualizada e com um objetivo educacional bem definido. Além disso, com um bom planejamento das atividades, os ganhos podem ser maiores. Junqueira alerta para os usos equivocados que levam o professor a limitar os ambientes virtuais a meros quadros de avisos de divulgação de atividades. Ele acrescenta que, lamentavelmente, ainda há muitas práticas docentes autoritárias e monológicas, que destituem a natureza interativa dos ambientes virtuais em rede, limitando a comunicação autoral dos usuários e seu protagonismo sociopolítico.

Ele diz que na escola prevalece a ênfase conteudista, com ausência de diálogo e de planejamento. “Nos laboratórios de Informática, nota-se uma posição passiva do aluno a partir das proposições dos professores”, conta. E cita como exemplo o uso de diversos softwares educativos que trazem tarefas muito estruturadas, programadas e com objetivos previamente delimitados. “Isso pode não ser ruim para alguns aspectos da aprendizagem de conteúdos escolares, mas, certamente, está muito distante da natureza interativa das práticas comunicativas em rede que se processam na Internet hoje”, analisa.

Outro aspecto que merece atenção é a carga horária dos professores, já que as atividades em rede fora do horário de aula constituem hora extra. Há, aí, uma questão trabalhista e profissional a ser levada em conta. Conforme explica o professor João Mattar, autor de livros sobre o uso de tecnologias na Educação, os contratos de trabalho dos docentes são elaborados para o ensino presencial, sem levar em consideração essa carga de trabalho adicional que a tecnologia está trazendo à profissão. “É preciso rever as formas de remuneração. A hora tecnológica vem sendo discutida com alguns sindicatos. Pode ser uma saída, mas é apenas o começo da discussão”, diz.

Ao incluir as redes sociais em suas práticas, a escola deve lembrar-se de que é seu papel também preparar crianças e jovens para os riscos que esses ambientes podem representar. Cabe, antes de tudo, uma conversa franca e aberta sobre privacidade, ética, cyberbullying, disponibilização de dados e mensagens falsas no espaço virtual.

Um dos problemas mais apontados em relação ao uso das redes sociais é que essas podem expor informações pessoais de seus usuários (como número de telefone, endereço, etc.). Junqueira diz que é necessário ensinar os alunos a terem precauções, evitando a veiculação de informações de cunho pessoal e a interação com estranhos.

Marita Andrade é educadora.
Endereço eletrônico: maritagusmao@gmail.com.

 

Revista Presença Pedagógica. Belo Horizonte: Dimensão,
nov-dez 2013. Ano 19. nº 114.

cubos