Edição 89

Neurociência na educação

Reflexões acerca do processo de adaptação escolar e aprendizagem

Rosangela Nieto de Albuquerque

O processo de escolarização e aprendizagem é complexo e, muitas vezes, de tensão para pais, professores e educandos. Observa-se que a complexidade se estabelece com mais frequência nos seis primeiros anos de vida. Essa etapa da vida da criança pode gerar temor e muitas expectativas diante das mudanças que ocorrerão. Assim, tanto o processo de institucionalização quanto o de aprendizagem gera o que Díaz (2011) chama de modificação externa (comportamental) e interna (psicológica, psicofisiológica e química).

No início da vida escolar da criança, o processo de adaptação dela na escola gera modificação da rotina, tanto da criança quanto da família, e cria novas expectativas, que são naturais no processo de socialização. A adaptação ao ambiente e às pessoas, as experiências e as novas rotinas fazem parte do processo de aprendizagem (VYGOTSKY, 1989). A rotina escolar consta de aulas, atividades, tarefas, leitura, escrita, desenhos, brincadeiras, rituais e procedimentos que, algumas vezes, podem ser opressores ou libertários (FREIRE, 1981). Esse movimento dialético, no entanto, caracterizado como quebra de rotina, proporciona situações ora prazerosas, ora de desconforto. Algumas famílias e educadores experimentam o desconforto como se estivessem em situação de crise.

A situação de crise representa uma situação-problema vital, no qual a criança se depara em uma circunstância nova e desconhecida e que é levada a aceitar, mesmo que em alguns casos discorde. A Psicologia Ecológica caracteriza esse momento vivido pela criança como processo de adaptação da criança a seu universo pessoal, composto pelo espaço mental, no qual se insere o outro (a professora, os colegas), junto à totalidade de objetos externos emocionalmente significativos.

Como todo processo de adaptação na escola, as primeiras semanas são importantes para que as crianças sejam mais estimuladas, no sentido de potencializar os primeiros aprendizados e assim estimular o hipocampo a guardar memórias, que serão usadas posteriormente em todo o trabalho de interiorização, adaptação, ambientação e estimulação para novas conexões (RICE; RICE; LOVELL, 1996).

Quando a criança exerce a atividade de sair de casa (relações primárias) para experienciar as relações secundárias, constitui-se uma ação orientadora em seu papel simbólico e universal estabelecendo uma ferramenta de acesso às trocas de experiências com resultados de aprendizagem eficiente (VYGOSTKY, 1989). Desse modo, a aprendizagem é experimentada como um processo complexo imbricado em diversos fatores internos (psicológico e biológico) que interagem entre si e com o meio externo presente na individualidade de aprendizagem de cada pessoa.

Nesse contexto, a aprendizagem se manifesta nas mediações sociais, diante das interferências e da influência dos outros pela forma pessoal, coletiva, histórica, cultural e religiosa. Nesse processo coletivo, ocorre também a autoaprendizagem na busca do aprender a aprender, podendo ocorrer também o processo de aprendizagem metacognitivo, constituído de signos internos e imagens autoconstruídas, em que as conexões cerebrais promovem o reconhecimento da criança por meio dos insights (STEVEN, 2005).

É importante que a escola em sua práxis pedagógica valorize os fatores externos dos educandos, com suas interferências e influências multivariadas que se instalam no sujeito. Portanto, com a aprendizagem do mundo que a cerca, como um subproduto da Educação e como produto resultante da atividade humana. Esse processo é mutável mediante a atuação da aprendizagem sobre essa atividade humana, e as emoções são comportamentos em interação com as atividades sociais (TASSINARI, 2013).

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Reflexões acerca do processo de adaptação escolar e o aprendizado

Nas primeiras décadas da vida do homem, o processo de aprendizagem é muito intenso na região do cérebro chamada hipocampo e se constitui como uma sede de análise das entradas sensoriais e da memória de curto prazo, registrando os acontecimentos importantes. A eficácia do aprendizado se dará pela recordação do ambiente domiciliar, através da apresentação de estímulos, como um brinquedo, uma roupa, um perfume. Essa prática pode ser conceituada como estímulos multissensoriais.

Nos primeiros dias da criança na instituição escolar, na Educação Infantil, é importante que ela leve seu brinquedo preferido, a comida de que mais gosta, a papinha predileta; com isso, o professor, diante de uma necessidade, pode usar essas situações afetivas como recurso de recompensa imediata, tão comum na contemporaneidade. O uso dessa estratégia demanda do professor a criatividade para provocar a interação e a adaptação do aluno ao novo (STEVEN, 2005). O método de recompensa e motivação, para a neurociência, funciona como motivador para a realização das atividades e para obter maior atenção (VALLE, 2004).

É importante elaborar um histórico de vida do aluno, registrar quais são as atividades preferidas das crianças, como canções, músicas, jingles, histórias, filmes, piadas, algo apropriado e adequado para o momento de adaptação. É importante que o professor elabore um diagrama, apontando o quantitativo de alunos que gostam de cada atividade, assim terá maior probabilidade de encontrar uma atividade comum a todos ou à maior parte dos alunos.

Outro ponto importante como estratégia para promover a adaptação dos alunos ao contexto escolar é trabalhar a memória. As brincadeiras com jogos de memorização é mais eficaz quando o aluno aprende a repetir. Esse processo é eficaz em todas as fases de vida da pessoa (STEVEN, 2005). É importante que o aluno, ao fazer leituras, sublinhe trechos importantes do livro e, em seguida, faça a transcrição apenas da parte sublinhada. Para os alunos da Educação Infantil, a contagem de história e logo após a recontagem de alguns trechos dessa história pela criança é funcional. Cantar repetidamente alguma parte de uma música é um excelente exercício de memória. As histórias despertam o desenvolvimento de emoções, que ativam a área cerebral responsável pelo comportamento, pela ética e pela cidadania (STEINER, 1998).

Certamente, o processo de aprendizagem se fundamenta na memória e é permeado por uma conjugação de relacionamentos entre os neurônios, que favorece as ações de aprender, lembrar, esquecer, conforme o tipo de memória. Os exercícios irão desenvolver habilidades e aprimorar a capacidade de memória reflexiva, declarativa, operacional, remota ou permanente. A memória é a base da aprendizagem.

Para uma aprendizagem significativa, usar os objetos dos alunos é uma excelente estratégia para estimular que a criança passe a ter domínio de como acionar o seu conhecimento prévio. Para Coll et al. (2000, p. 232), “A aprendizagem será muito mais significativa na medida em que o novo material for incorporado às estruturas de conhecimento de um aluno e adquirir significado para ele a partir da relação com o seu conhecimento prévio”. O conhecimento prévio e o material aprendido no conteúdo escolar serão transformados em novos saberes, que sofrerão o processo de assimilação-acomodação.

Observa-se que há crianças que apresentam pouca contextualização (conceito) de alguns objetos; no entanto, quando o material faz parte do seu meio, elas podem não saber o conceito, mas irão se referir ao objeto pelas lembranças que possuem do seu ambiente domiciliar.

Cabe apontar que os pensamentos abstratos derivados do lobo frontal levam um tempo para se desenvolver que às vezes se estende até mais ou menos os 20 anos de idade do sujeito. Assim, é viável que o professor parta de exemplos e estratégias concretas para atingir ideações abstratas. As informações terão mais eficácia quando elas são colocadas em práticas, pois potencializa em nosso cérebro as conexões nas informações. Sistematicamente o professor deve certificar-se de que a criança está compreendendo, pedindo para ela representar, repetir ou escrever sobre o que ela praticou (AZCOAGA, 1991).

No contexto escolar, as histórias devem acompanhar todo o processo de ensino e aprendizado, pois potencializam e ativam as diversas áreas cerebrais, as emoções e os sentimentos. Pela teoria de Beck, a cognição ativa as emoções e leva uma pessoa a reagir conforme seus pensamentos e suas emoções. As histórias devem sempre apresentar início, meio e fim, para que estimule o córtex pré-frontal, responsável pelo desenvolvimento de habilidades assertivas, com sequência lógica e organização.

Outra prática para atuar junto à criança são as atividades em grupo; portanto, cantar, pintar com tintas, desenhar, dançar em círculo, tocar um instrumento musical e até usar tecnologias (GIL, 2007). Essas atividades estimulam diversos sentidos — sinestésico, visual, auditivo, tátil — e as habilidades sociais.

O cérebro forma padrões agrupados em áreas, como se fossem arquivos divididos por pastas temáticas, que são acessadas a partir do momento que são estimuladas por novas aprendizagens; cabe ao professor estimular a identificação dos padrões, associando-os a padrões já existentes no cérebro da criança.

No período de ingresso da criança na escola, em que se processa a adaptação, o professor deve oportunizar um ambiente tranquilo e de segurança, pois o estresse inibe a aprendizagem, danificando os neurônios do hipocampo, uma importante área da memória de curto prazo. Assim, fortalecer a confiança da criança e trabalhar a relação, criando ambiente confortável, acolhedor, seguro, com rotinas e regras objetivas, padronizadas e com rituais, são fundamentais para não proporcionar estresse.

Vygotsky (1989) enfatiza a importância da interação com o outro no processo de aprendizagem. Observa-se que na contemporaneidade as crianças estão habilitadas para interagir com os grupos sociais e aprender através das tecnologias; portanto, esses instrumentos se agrupam aos outros, isto é, à linguagem verbal, à não verbal, aos toques, aos gestos, e se constituem estímulos que se agrupam a novos elementos no arcabouço que forma as estruturas cerebrais (AZCOAGA, 1991).

As redes neurais, durante o processo de aprendizagem, desde o momento do nascimento, articulam-se e se complementam, consolidando as suas possibilidades de armazenar as informações. A educação e a aprendizagem são um complexo sistema que funciona através das sinapses mais intensas (ANTUNES, 2008). Os estímulos e/ou repetições de comportamentos ativam os circuitos processadores de informações: as memórias são consolidadas no hipocampo; e as emoções, no sistema límbico.

A neurociência busca o aprofundamento dos conhecimentos acerca da região temporal e da fisiologia, no sentido de identificar o mecanismo cerebral e contribuir com a educação e assim entender como ocorre a aprendizagem e qual é a importância dos estímulos nesse processo.

Os alunos podem ser estimulados através de várias técnicas, como jogos com regra, jogos de exercícios, jogos livres, que estimulam a região occipital, levam à identificação e distinção de objetos, articulam o reconhecimento das palavras escritas, oportunizando a compreensão do significante e do significado. É importante adotar estratégias apropriadas para cada aluno e sua faixa etária.

As estratégias pedagógicas potencializam o processo de aprendizagem e proporcionam um ensino adequado ao contexto cognitivo, tornando-se prazerosa a dualidade ensino-aprendizagem. Para isso, é importante que o professor e os educadores envolvidos no processo cognitivo conheçam o funcionamento do cérebro e as contribuições da neurociência.

O sistema educacional e escolar não proporciona condições materiais para se usar estratégias, desse modo é um grande desafio para os professores persistirem nas técnicas de dispositivos neurais, com estímulos às sinapses, no quadro da Educação brasileira. Contudo, é importante que o professor saiba qual a modalidade de aprendizagem do seu aluno e quais objetivos pretende alcançar. Para isso é importante conhecer em profundidade a estratégia mais adequada a usar.

Segundo Valle (2004), as sinapses fortalecem as redes neurais e se estabelecem efetivamente quando o professor utiliza atividades disparadoras do prazer, como, por exemplo, a ludicidade, que está carregada de conteúdos visuais, concretos, que estimulam o aluno a assumir o seu papel ativo; portanto, é um meio efetivo de alcançar os objetivos traçados: interação entre professor e aluno, maior criatividade, articulação das novas informações e construção coletiva e participativa da aprendizagem. Essas estratégias neuropsicológicas e neuropedagógicas tornam as aulas mais atraentes e menos estressantes; assim, os alunos são beneficiados com atividades que ativam a região límbica, ou seja, as emoções.

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Considerações finais

Os alunos aprendem a conviver juntos; desenvolvem o seu conhecimento e o conhecimento do outro; permitem a realização de atividades de resolução de conflitos; alcançam autonomia, solidariedade e responsabilidade; e desenvolvem a área do hipocampo, no sentido de armazenar as memórias. Esse movimento de oportunizar o diálogo, os acordos entre alunos e professores, a elaboração de regras de convivência harmoniosa, certamente, facilitará aos alunos a aprendizagem significativa e a construção do comportamento cidadão.

A Neurociência tem muito a contribuir com a Educação, pois, se os educadores conhecerem como funciona o cérebro, quais são as funções de cada parte e como se processa a aprendizagem e a não aprendizagem poderão traçar estratégias de vivências e uma práxis pedagógica embasada nos dispositivos neurais. O importante é que se inicie, ainda com os pequeninos da Educação Infantil, na hora da adaptação das relações secundárias. É nesse momento que se inicia um processo mágico de bem acolher para desenvolver a sensibilidade; de valorizar a curiosidade da criança, as habilidades sociais, o domínio do espaço, do corpo e das modalidades expressivas. Essa é a oportunidade de incentivar a investigação de desafiar, é assim que o aprendizado fortalece a complexidade das relações pois religa os saberes, envolvendo os outros elementos da realidade, que tem como resultado a produção de compreensão que se desdobra no processo de aprendizagem.

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Rosangela Nieto de Albuquerque é Ph.D. em Educação, pós-doutoranda em Psicologia Social, doutoranda em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Linguagem, professora universitária de cursos de graduação e pós-graduação, coordenadora de cursos de pós-graduação em Educação, psicopedagoga clínica e institucional, analista em Gestão Educacional, pedagoga. Autora de projetos em Educação, autora da implantação de uma clínica-escola de Psicopedagogia como projeto social. Autora de três livros: Neuropedagogia e Psicopatologias, Psicoeducação e Neuropsicologia.
E-mail: rosangela.nieto@gmail.com

Referências

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AZCOAGA, Juan. Neurolinguistica e fisiopatologia. Buenos Aires: El Ateneo, 1991.

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COLL, Cesar et al. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2004.

DÍAZ, Félix. O processo de aprendizagem e seus transtornos. Salvador: Edufba, 2011.
Disponível em: .
Acesso em: 08 maio 2016.

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