Edição 57

Gestão Escolar

Sala de aula: professores estressados, alunos entediados

Cleusa Aparecida Neves

Em tempos de desafios, ao tecermos este texto, queremos socializar nossas inquietações e esperanças e também apontar caminhos. Não temos a pretensão de dar soluções ou fórmulas, mas pistas para uma resposta concreta à exigente tarefa de ensinar com qualidade a partir da realidade que nos interpela — a sala de aula —, apontando para a urgente necessidade de mudança de mentalidade e atitude.

Como tantas outras, não consideramos a realidade escolar um caos, mas temos que admitir que nem tudo são flores. Por exemplo, angustia-nos quando encontramos salas de aula onde muitos alunos não conseguem aprender, outros não apresentam interesse pelo estudo e um número significativo, frequentemente, é colocado para fora da sala por indisciplina. Também inquieta-nos ouvir dos professores que “os alunos não querem nada”, “são desinteressados” e “estão desmotivados”; que “há alunos dormindo na hora da aula porque passam a noite navegando na internet”; que “a maioria fica querendo usar celular e MP3 no horário da aula”; e, dentre outras constatações, que “a dificuldade da escola vem da família, que não sabe dar limites e, cada vez mais desestruturada, delega toda a responsabilidade da educação para a escola e não acompanha a vida escolar dos filhos”.

Quando nos deparamos com uma realidade que nos conduz à constatação de que grande parte dos alunos não manifesta interesse nem quer interagir, comunicar-se e crescer a partir das experiências com o mundo real que é a sala de aula, precisamos tentar compreender a situação e cuidar dela. Todavia, devemos levar em conta o que dizem esses alunos quando afirmavam, por exemplo, que “as aulas são chatas” e que “assistir aula é um saco”.

É bem verdade que uma realidade assim, desafiadora, nos interpela. Por que será que os alunos estão entediados e desinteressados e deixando os adultos estressados e de cabelos em pé? Onde está a raiz do problema?

Ir em busca de respostas para tais indagações, mais que um convite, é uma convocação para acordarmos para os problemas e aprendermos a lidar com eles. Quando o assunto é sala de aula, pouco serve somente queixar-se das dificuldades sem tentar compreendê-las e enfrentá-las como um problema da escola e do professor. E, sabemos, uma análise simplória não ajuda. Precisamos usar as armas da reflexão, cientes de que a origem desse desinteresse e dessa apatia por parte dos alunos não se dá somente porque a criança e/ou o adolescente tem problemas neurológicos, é autista, hiperativo, etc., ou por questões de personalidade, adolescência ou descaso da família. O problema é muito mais complexo e envolve uma combinação de fatores.

Ao voltarmos nosso olhar para a sala de aula, arena onde se dá a “batalha” do aprender e do ensinar, queremos fazer algumas considerações. Por exemplo, não podemos pensar a realidade escolar sem levar em conta a questão da globalização, com sua crescente exigência quanto à especialização dos recursos humanos e ao massacre seletivo e excludente do mercado; o advento e a influência das novas tecnologias e as implicações delas no cotidiano escolar; a concorrência do mercado; e, não raro, a fragilidade da formação dos professores.

No que toca ao estresse dos professores, à inércia e ao descaso dos alunos, acreditamos que aconteçam, principalmente, porque predomina a educação informativa, em que a metodologia adotada não privilegia a participação. Vale ressaltar que, enquanto os alunos anseiam e buscam o ciberespaço, muitos professores ainda insistem com suas aulas expositivas na sequência formal de livros e apostilas. À base do “cuspe e giz”, transformam os alunos em meros receptores, deixando transparecer que têm dificuldade de entender que uma sala de aula, nessa dinâmica, é por demais anacrônica para crianças e jovens da era digital plenos de energia. Há premência de esses professores perceberem que esse jeito de ensinar não é mais possível, pois não atrai nem funciona para a atual geração.

Podemos agregar aos desafios cotidianos da sala de aula a dificuldade que o professor demonstra em lidar com a heterogeneidade e ver na diversidade uma fonte de riqueza. A sala de aula é um fenômeno rico e complexo, que abriga uma diversidade de ânimos, classes sociais e econômicas, sentimentos, etc. Muitas vezes, o professor desperdiça essa riqueza, ou parte dela, quando insiste em uniformizar métodos, atitudes e formas de pensar e não consegue romper com o estático/rígido nem se abrir para o convívio com a singularidade e complexidade do ser humano.

Com a perspectiva apontada para a qualidade, acreditamos que a única via para uma ação educativa mais eficaz e significativa seja a mudança de mentalidade e atitude. Educação de qualidade é um desafio exigente que pressupõe um olhar crítico sobre a realidade, somado à eficiência profissional e ao interesse e à ousadia para construí-la.

Cada vez mais nos convencemos de que o maior desafio para a escola é passar de transmissora a produtora de conhecimento. À primeira vista, isso pode parecer fácil e simples, mas não é bem assim. Dar um salto da transmissão para a construção significa uma mudança de eixo e implica vontade política, agregada à competência tanto da instituição quanto do professor. À escola, compete subsidiar a construção do ambiente de ensino — a sala de aula — e colaborar na formação do professor, a fim de que possa trabalhar o conteúdo curricular, proporcionando um aprendizado mais atraente, interessante e eficiente, desenvolvendo, a um só tempo, o espírito de colaboração, de interação e de autonomia. Ao professor, interessar-se e engajar-se com ousadia e criatividade para criar e recriar estratégias e situações de aprendizagem, pois o protagonismo da mudança em sala de aula é exclusividade dele.

Quando o professor atua sob a égide desse paradigma, ele ressignifica sua liderança na sala de aula, pois tem consciência de que seu papel não se resume a transmitir conhecimento. De transmissor de conteúdos, ele passa para facilitador do processo de ensino-aprendizagem. Como consequência, dará novo rumo à sua ação pedagógica, desenvolvendo estratégias que, efetivamente, ajudarão seus alunos a superarem as dificuldades e a tomarem as rédeas da própria aprendizagem, através da adesão às suas provocações e dos convites para conhecerem dimensões do conhecimento ainda não visitadas. Ao contrário das entediantes aulas expositivas, este é um trabalho desafiador, envolvente e instigante, tanto para quem ensina quanto para quem aprende, pois possibilita envolvimento e participação. Nessa dinâmica, o professor passa a interrogar e a interrogar-se, buscando descobrir o porquê de os seus alunos não compreenderem ou não aprenderem, não se interessarem ou se entediarem.

Sabemos que o cotidiano escolar tem seus desafios, mas não podemos permitir que a sala de aula se torne um espaço angustiante e conflitante a ponto de estressar professores e entediar alunos. Precisamos acordar e sair da comodidade. Como nos ensina Emerson, “tempos difíceis têm um valor científico. São as oportunidades que um bom aprendiz jamais perde”.

Àguisa de conclusão, ressaltamos que hoje, mais do que nunca, é inconcebível pensar na sala de aula sem considerarmos a complexidade e os avanços; sem estabelecermos a relação entre a didática, os diferentes recursos tecnológicos e o conhecimento de suas potencialidades e limitações. Vale dizer que o livro didático, o dicionário, a lousa devem continuar sendo usados, mas passam a ser um material de apoio como tantos outros que estão disponíveis para a atividade de aprendizagem, como, por exemplo, os materiais audiovisuais e as hipermídias. São inúmeros os estímulos antes não existentes; por isso, é impossível o professor virar as costas para as mudanças e os avanços do mundo que, gradativamente e cada vez mais, fazem parte da vida. Sites de pesquisa, redes sociais e softwares fazem parte do processo de socialização dos alunos tanto quanto (e, muitas vezes, mais que) os livros e a televisão. Quanto à realidade familiar de nossos alunos, não ajuda atribuirmos a culpa do insucesso ao “modelo contemporâneo”. Não podemos nos esquivar, esse é o modelo que temos, precisamos aprender a lidar com ele.

Mirando a fadiga do aprendente e do ensinante no cotidiano da sala de aula, concluímos que não há como ensinar apenas à moda antiga. São urgentes a inovação pedagógica e a renovação didática. A realidade exige de nós mais criatividade, versatilidade e habilidade para lidar com o novo, construindo novas práticas. Caso contrário, seremos mais um “adulto de cabelo em pé”. Mas, para tal, urge que o saber educativo seja melhor embasado, dentre outros, através do acesso ao conhecimento, da reflexão e participação em debates e troca de experiências. Outrossim, é imprescindível buscar garantir maior presença dos professores em momentos de estudo propiciado pela escola.

Para salas de aula com professores estressados e alunos entediados, “precisamos de professores interessantes e interessados. Precisamos de inspiradores, e não de repetidores”. Há premência em ampliar o quadro com professores que tenham esse perfil. Esse tipo de profissional não se faz em um dia, mas se constrói com e a partir de busca incessante e esforço contínuo, movido, sobretudo, por uma motivação interna. Nossa grande interrogação é: Como fazer para despertar em nossos professores o desejo de ser “interessantes e interessados, inspiradores, e não repetidores”?

Como o profeta da esperança, queremos acreditar e lutar pela mudança na educação e por uma educação de qualidade. A vida é uma sucessão de batalhas que nos cobram coragem, criatividade e um inabalável espírito de luta. Precisamos, sem prepotência e arrogância, fitar o futuro com coragem, sabendo que pessimismo não ajuda. Não podemos permitir que as dificuldades nos impeçam de sonhar e lutar. Por isso, sugerimos uma visita a Platão, em Alegoria da Caverna, obra na qual podemos encontrar inspiração para instigarmos nosso desejo e sentido para a repulsa de permanecermos no interior da caverna, como prisioneiros, que, com certeza, não é lugar para educadores/as. Contundente, o filósofo nos provoca a sairmos da caverna para que possamos ver o essencial e transcender a escuridão.

Cleusa Aparecida Neves é coordenadora pedagógica e mestre em Educação.
E-mail: cleusapneves@yahoo.com.br.

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