Edição 74

Lendo e aprendendo

Tráfico humano: dos navios negreiros ao século XXI

Emerson Santana

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O mundo presenciou e usufruiu por muitos séculos da mancha que marcou a história da humanidade chamada escravidão. No Velho Testamento, encontram-se muitas passagens que citam a prática escravocrata, e dessas passagens históricas muitos historiadores não se desprendem. Sabendo-se que as histórias do tráfico negreiro no Oriente Médio por alguns Estados escravagistas ocorreram séculos antes do tráfico europeu e que foram esses negros objeto regular do comércio de muitos anos, não se pode negar que foi esse tráfico que deu início ou abriu caminho para os demais tráficos, inclusive o tráfico transatlântico, como afirma Elikia M’Bokolo, presidente do comitê internacional da Unesco.

Alguns estudiosos acreditam que a prática da escravidão surge quando o homem não admite a si mesmo executar o trabalho que lhe foi cabido. Não há nenhum respaldo antropológico, ético, religioso e muito menos cultural que favoreça a prática da escravidão sob qualquer ótica, a não ser sobrepor a força à fragilidade.

Portanto, quando a Europa passa a entrar no eixo do tráfico de pessoas, especificamente do continente africano, muitos africanos já tinham sido levados para o Oriente Médio e a Ásia Meridional; os árabes, por anos, já haviam retirado desse continente, de forma opressora, à base da força física, aproximadamente de 18 a 20 milhões de africanos. Se não fosse o homem africano cada um uma raça — como é dito no título do livro de Mia Couto —, a África em si teria sido dizimada. Mas é em nossos portos que escrevemos mais um capítulo dessa história que se perpetua até os dias atuais. Pois foi neles que uma parte da nossa genética aportou. Em meio a corpos dilacerados, doenças, fezes e corpos em decomposição que aquele povo, sem condições de higiene, na escuridão, onde a fome e a sede eram aliadas da sofreguidão, acorrentado, na hora da alimentação, que era jogada, tinha que sobreviver em meio à imundície. Vindo de vários países do continente, ou África negra, como muitos a chamavam; fazia uma recente rota do tráfico humano; e construiu, dentro dessa triste fotografia, um país afrodescendente, o Brasil.

Somente em meados do século XIX é que as leis põem fim ao comércio de escravos, ainda assim o Brasil mantém a escravidão até 1888, sendo o último país a libertar os escravos. Mesmo havendo essa suposta libertação, os navios negreiros continuam partindo de todos os continentes; os aviões se tornaram os novos navios negreiros. O tráfico humano hoje não explora apenas o trabalho por meio da força, explora o corpo, mantendo muitas mulheres em cativeiro para exploração sexual e trabalho forçado. No Brasil, já existem leis que proíbem o tráfico de pessoas no âmbito da exploração sexual. Em 2005, depois de o Brasil reconhecer o Protocolo de Palermo e alterar o artigo 231 do nosso Código Penal, que incluiu homens, crianças e jovens também no tráfico para fins de exploração sexual dentro do território brasileiro. O tráfico humano vem de pontos específicos do Brasil. Contudo Goiás, Minas Gerais e Pernambuco são estados nos quais o tráfico internacional de pessoas atua de maneira intensa. Felizmente as leis existem, mas o processo e o pensamento escravocrata ainda perpetuam na conduta da civilização mundial, na qual infelizmente a ideia de liberdade não faz parte da evolução humana.

 

Referências

MOORE, Carlos. Racismo & Sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo. Belo Horizonte: Mazza, 2007.

A África que incomoda – sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro. Belo Horizonte: Nandyala, 2008.

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