Edição 19

Espaço pedagógico

Uma breve reflexão sobre o trabalho coletivo na escola

É muito comum ouvirmos na sala dos professores que nossos alunos não sabem trabalhar em grupo, evidenciando atitudes tais como: a cópia de trabalhos de colegas ou um aglomerado de fragmentos de textos; formação de grupos em que um ou dois realizam o trabalho, enquanto outros simplesmente assinam seus nomes a fim de receber uma nota, um conceito ou simplesmente para cumprir a tarefa proposta.

Sobre esse aspecto, poderíamos eleger muitas questões para reflexão e intervenção, como a pesquisa, por exemplo; porém, pretendemos priorizar aqui uma breve reflexão sobre o trabalho coletivo na escola.

Consultando dicionários, temos definições muito claras e comuns para as palavras coletivo, equipe e grupo. Vejamos algumas dessas definições, segundo o Dicionário Luft:

Coletivo: adj. 1. Pertencente ou relativo a muitos, comum. 2. (gram.) Que no singular designa conjunto, coleção, grupo.

Equipe: s.f. 1. Pessoal que participa de tarefa comum.

Grupo: s.m. 1. Conjunto de pessoas ou coisas formando um todo. 2. Pequena associação ou reunião de pessoas com o mesmo objetivo.

Entretanto, no contexto das relações humanas, esses conceitos não são assim tão claros. Trabalhar em grupo ou coletivamente realmente não parece tarefa fácil, afinal esse procedimento não faz parte da cultura da maioria de nossas escolas, tampouco da nossa realidade político-social; vivemos numa sociedade liderada pelo neoliberalismo,1 somos incentivados e obrigados a competir por uma vaga de emprego, por uma vaga no hospital público, por uma vaga na escola ou na universidade pública, por um lugar na fila do banco… Em contrapartida, como o próprio capitalismo tem suas contradições, as empresas exigem dos seus funcionários que saibam, entre outras habilidades, trabalhar em equipe, enfrentar desafios e mudanças constantes, assimilando e aplicando novos métodos de trabalho.

Por conta dessa tradição neoliberal, o individualismo é cada vez mais evidente em nossas atitudes, daí a necessidade de, como educadores, pararmos para refletir sobre essa questão de maneira contextualizada. Até que ponto nós, professores, trabalhamos realmente em grupo ou legitimamos a idéia de que para formar um grupo basta simplesmente acrescentar nomes de pessoas a um determinado projeto? Certamente, muitos de nós já passamos por experiências enriquecedoras ou frustrantes nesse sentido, seja enquanto estudantes ou profissionais.

Para que uma escola realize um trabalho em grupo, ultrapassando a interpretação equivocada de que para se formar um grupo basta agregar pessoas ou nomes a uma determinada atividade, é preciso que se construa um projeto político–pedagógico consistente e real; as pessoas precisam estar inseridas nesse projeto, não basta ser um documento para arquivar na escola. Seu texto precisa ser construído coletivamente, ser conhecido, discutido e realimentado por todos os envolvidos nos processos pedagógico e escolar. Além disso, seu conteúdo, compreendido, assimilado e assumido por todos, deve permear as atividades, as atitudes e as falas das pessoas.

Fusari2 afirma que a realização de um trabalho coletivo não supõe apenas a existência de profissionais que atuem lado a lado numa mesma escola, mas exige educadores que tenham pontos de partida (princípios) e pontos de chegada (objetivos) comuns.

Trabalhar em grupo exige, entre outros fatores, compartilhar idéias (que enriquecem muito mais se forem conflitantes, divergentes), informações, reflexões e ações; respeitar e preservar a individualidade e as produções do outro, percebendo-o como ser pensante, como um sujeito único e importante para o grupo; acolher o outro é fundamental para que o mesmo perceba-se/sinta-se fazendo parte do grupo; ter autonomia e iniciativa para emitir opiniões e críticas, desde que sejam construtivas; estar comprometido com a tarefa que o coletivo pretende dar conta, afinal não podemos participar de um grupo se não nos identificamos com a tarefa que o mesmo se propõe a realizar; avaliar ações e atitudes de forma dialogada, com ética e respeito, o que também não é fácil, afinal aprendemos (erroneamente!) a interpretar e realizar crítica de modo pejorativo e depreciativo ou para atender interesses individuais ou empresariais, impedindo o outro de crescer.

Trabalhar em grupo respeitando a individualidade do outro, mediando conflitos e críticas com maturidade — afinal, conflitos não devem ser abafados, mas discutidos a fim de se buscar soluções coletivamente, seja para o grupo ou para um de seus integrantes —, é um grande desafio democrático que precisamos exercitar enquanto educadores. Acreditamos que só através desse exercício poderemos compreender as atitudes e falas (ou a ausência delas) dos nossos alunos diante de trabalhos em grupo.

O trabalho coletivo na escola deve estar voltado para a construção de um perfil de cidadão (Fusari) que, obviamente, não é neutro, mas vinculado a concepções de Educação e de Sociedade. Para tanto, é fundamental (e um grande desafio!) que nós, professores, nos percebamos, além dos muros da escola, como seres individuais, sim, mas integrados a uma coletividade com características sociais, políticas, econômicas e históricas comuns, capazes de enxergar a realidade, discutir, produzir, exigir e propor soluções para problemas reais da coletividade que compõe a escola e, conseqüentemente, atender também à individualidade.

1. Neo quer dizer novo e Liberalismo se refere ao pensamento que serviu de base ao capitalismo desde seu princípio e que está baseado no individualismo e na liberdade das empresas. Se denomina novo porque ressurge depois de aproximadamente quarenta anos, após um período no qual se praticou outro tipo de política econômica, na qual o Estado intervinha de maneira considerável em todos os âmbitos da economia, inspirada na teoria keynesiana. (Extraído do Caderno n° 5, Consulta Popular, 2ª edição: SP, 2000.)

2. As citações de Fusari (Pedagogo e professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo) foram extraídas do texto A Construção da Proposta Educacional e do Trabalho Coletivo na Unidade Escolar.

Maria Aparecida da Silva: pedagoga em escola da Rede Municipal de Educação de Curitiba, com formação em Psicopedagogia e Organização do Trabalho Pedagógico.
E-mail: mariaberfran@aol.com

Bibliografia:
Caderno n° 5. O Neoliberalismo… ou o mecanismo para fabricar mais pobres entre os pobres. 2. ed. Consulta Popular: SP, 2000.
FUSARI, José Cerchi. A construção da proposta Educacional e do Trabalho Coletivo na Unidade Escolar (Texto).
LUFT, Celso Pedro. Minidicionário Luft. 9. ed. Editoras Ática e Scipione: São Paulo.

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