Edição 133
Matéria Âncora
Uma escola acolhedora
Christianne Galdino
Acolher é um verbo que significa receber alguém na própria casa; hospedar; agasalhar; dar refúgio, abrigo, proteção, etc. Em todos os sentidos do termo, essa é uma ação que remete ao convívio próximo, à ideia de um aconchego, de se sentir em casa. É comum, então, que, quando a gente imagina o ambiente de uma escola, ele seja acolhedor, como uma extensão do lar, até mesmo porque, hoje em dia, muitos dos alunos chegam a passar mais tempo na instituição de ensino do que em casa. Por mais que o sistema de educação do País esteja defasado e exista insatisfação por grande parte dos estudantes, estes ainda buscam, na maioria das vezes, construir laços afetivos com a escola, e essa relação pode ser determinante para o desenvolvimento psicossocial. Dependendo de como seja o processo de entrada na escola, por exemplo, a criança pode estabelecer uma relação boa ou ruim com os estudos por toda a vida. Então, é de fundamental importância dar atenção especial a essa etapa, cuidando de cada detalhe.

Kot63 / stock.adobe.com
E, mesmo que, para alguns gestores escolares, trabalhar para criar uma cultura mais positiva no ambiente educacional pareça uma tarefa de menor necessidade diante da série de questões consideradas mais urgentes que enfrentam diariamente, se pararmos para pensar um ambiente mais feliz e aberto pode impactar de tal modo a vida na escola que, naturalmente, as situações conflituosas vão diminuir. Inclusive, as pesquisas já comprovaram também que a gente aprende mais rápido e melhor em ambientes onde nos sentimos bem. E esse acolhimento não deve se limitar à Educação Infantil, até mesmo porque o estudante vai ter necessidades específicas em cada fase, que vão demandar estruturas físicas diferentes e posturas distintas dos educadores. Por isso, acolher deveria ser sempre o propósito primeiro das escolas, independentemente do ano dos alunos. Mas não dá para falarmos em acolhida sem considerarmos uma questão central nesse debate: a diversidade. A escola precisa estar pronta para receber todos os alunos, com e sem deficiência ou transtorno, oferecendo-lhes os recursos necessários.
E como se preparar adequadamente sem saber o que está por vir? Em primeiro lugar, é preciso entender que as mudanças vão acontecer não somente nos prédios, mas também nos métodos e nas abordagens, o que exige um empenho de todos os envolvidos para expandir os conceitos e evitar qualquer tipo de discriminação.
É fácil de imaginar que um aluno com deficiência física ou mobilidade reduzida não deve ter muita vontade de ir a uma escola cheia de degraus e corredores estreitos. Assim como podemos supor que uma sala completamente ocupada por cadeiras e sem ventilação não é um ambiente convidativo para ninguém. Felizmente, em relação ao espaço físico, muita coisa pode ser feita previamente, como a construção de rampas em vez de escadas, o alargamento das portas e a colocação de barras de apoio nos banheiros. A distribuição dos móveis nas salas de aula também pode ser reorganizada para facilitar o acesso de alunos cadeirantes ou com deficiência motora e, ao mesmo tempo, despertar o interesse e servir de estímulo aos estudantes de uma maneira geral.
Será que o formato tradicional — com as cadeiras enfileiradas e o professor à frente de um quadro ou uma lousa —, que ainda prevalece na maioria das escolas do Brasil, funciona para todo tipo de aula ou turma? Uma ideia que pode ser mais eficaz é, por exemplo, definir espaços transitórios para trabalhar temas específicos, como murais interativos nas paredes laterais; e lugares permanentes para determinadas atividades, como a rodinha de conversação ou o cantinho da leitura.

Gorodenkoff / stock.adobe.com
O ambiente deve oferecer segurança e bem-estar a todos e, assim, possibilitar uma relação de confiança entre alunos, família e escola. Mesmo as modificações das instalações e do aspecto físico da escola sendo mais fáceis de serem implantadas, há coisas que vão ser imprevisíveis. Aí entra em cena uma palavra-chave que vai ser muito útil: adaptação. O que nos leva a outra habilidade importante de cultivar na equipe, a criatividade. Mas de pouco adianta o esforço na estruturação dos prédios e do mobiliário se não for criada uma outra relação com o ambiente em que a dimensão afetiva seja tão valorizada quanto o aprendizado intelectual. E, mais uma vez, é importante frisar que esse princípio deve ser adotado não só em relação às crianças.
Indo hoje levar o meu neto na escola onde estudei a vida inteira, acenderam-se em mim memórias daquele tempo. Lembrei-me das conversas corriqueiras alegres nos corredores, mas também da partilha de acontecimentos dolorosos e das confidências sobre os primeiros relacionamentos amorosos. Eu era daquelas estudantes que não gostava de faltar à aula nem quando estava doente; na verdade, sei agora que nem era a aula o que mais importava, era o acolhimento da minha escola querida que não podia me faltar nem um dia. Meu entusiasmo, meu empenho e os bons resultados nos estudos com certeza estavam relacionados àquele ambiente, onde eu me sentia sempre pertencente, vista, respeitada, apoiada. E a gente sabe que a adolescência é um período de grandes transformações e naturalmente turbulento, quando a opinião dos nossos pares ganha uma importância ímpar. É ali, justamente no momento em que as diferenças ficam mais expostas e o convívio com a diversidade se acentua, que precisamos ter suporte para concluir a formação da nossa estrutura psicossocial. As experiências da adolescência são decisivas para o adulto que vamos ser, e é na escola onde costumamos vivenciar a maior parte desses aprendizados.
Por outro lado, a forma como o sistema educacional está organizado, com o Enem e os vestibulares sendo o foco principal das instituições de Ensino Médio e o objetivo maior das famílias, faz com que a promoção desse acolhimento, tão necessário nessa etapa da vida dos estudantes, seja escanteada, colocada em segundo plano.
A realidade está a toda hora mostrando que resgatar esse propósito é urgente, operar não somente nas mudanças no espaço físico, mas nas atitudes, e adotar práticas que tornem a escola um ambiente verdadeiramente acolhedor para estudantes de todas as faixas etárias. Assim, a relação professor-aluno, fundamental nesse momento de transição que é a adolescência, acaba sendo potencializada e se torna uma fonte de poderosos insights para a melhoria contínua de seus processos educacionais. Mas existe outro ponto que é alicerce dessa construção: a participação dos alunos; quanto mais eles se sentirem à vontade para opinar e decidir na criação desse ambiente, mais se sentirão acolhidos, e quanto mais acolhedora for a escola, mais vontade de expressar livremente seus pensamentos e sentimentos os estudantes terão. E isso vai se refletir também nos resultados cognitivos, impactando positivamente a história de vida de cada um.
Christianne Galdino é produtora, jornalista, pesquisadora e doutoranda em Antropologia pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (PPGA-UFPE).