Edição 92

Professor Construir

A importância da neuropsicologia no processo educativo

Simaia Sampaio

mulher-professora_shutt_optNeuropsicologia é a ciência que estuda as relações entre o cérebro, o comportamento e os processos mentais, tais como atenção, memória, linguagem, pensamento, motricidade. É uma área interdisciplinar e envolve saberes de vários campos do conhecimento, como neurologia, psicologia, psiquiatria, genética, neuroimagem. O neuropsicólogo tem como objetivo relacionar as alterações comportamentais observadas no paciente com as áreas cerebrais que estariam determinando tais comportamentos.

A neuropsicologia tem tido crescente atuação no que diz respeito à avaliação, na medida em que se reconhece a importância de se investigar e chegar a um diagnóstico a fim de viabilizar o tratamento mais adequado para cada disfunção. A avaliação consiste na aplicação de técnicas de entrevistas e exames quantitativos e qualitativos, através de testes envolvendo a atenção, a memória, a percepção, a linguagem e o raciocínio em pacientes de qualquer idade. Os testes são restritos e de uso exclusivo de profissionais da psicologia.

A compreensão do complexo funcionamento cerebral é relevante para profissionais que atuam em clínica, tais como psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicopedagogos, terapeutas ocupacionais, entre outros, e tem despertado o interesse em profissionais da área da educação devido à relação intrínseca com a aprendizagem.

Algumas alterações nos processos mentais e no comportamento já podem ser percebidas desde a fase pré-escolar, como hiperatividade, alterações na motricidade, na atenção, na compreensão auditiva, na memória; outras só irão se manifestar após a alfabetização, como os chamados distúrbios de aprendizagem, como dislexia, disortografia, disgrafia e discalculia.
Embora alguns pais possam suspeitar que algo não vai bem, é na escola que as alterações de comportamento ou de aprendizagem das crianças ficam mais evidentes por não conseguirem acompanhar a turma. Por exemplo, o professor dá uma consigna a uma criança de 5 anos e esta não compreende, pede para repetir ou está desatenta, ou está sempre buscando atividades alheias às do grupo de maneira que não consegue acompanhar o ritmo da turma; pode ainda isolar-se, apresentar autoagressão, ter hábitos estereotipados, como sacudir as mãos, lamber o sapato ou o chão, envolver-se em situações de risco sem perceber. Situações como essas não são difíceis de serem encontradas na pré-escola, e o professor percebe mais do que os pais, porque acaba comparando a criança com o restante da turma, que vem seguindo um curso dentro do esperado para sua faixa etária. Alguns pais ficam na dúvida se determinados comportamentos são normais para a idade porque não possuem experiência com crianças; e acabam deixando o tempo correr acreditando que podem melhorar. Embora muitas crianças evoluam positivamente com a maturidade, o mesmo pode não acontecer com todas, sendo necessária uma intervenção.
É delicada a situação do professor quando sabe que é importante sinalizar aos pais que o comportamento de seu filho não está dentro do esperado e que seria importante realizar uma avaliação. Mas é importante que essa sinalização seja feita, pois, quanto antes a criança for acompanhada por especialistas, melhor sua evolução. Ignorar só agrava o problema e aumenta as chances de maiores dificuldades de aprendizagem futuras.

Para que o professor possa perceber que algo não vai bem, ele precisará ter experiência com crianças da faixa etária com que trabalha. Realizar leituras sobre desenvolvimento infantil é imprescindível para quem trabalha com crianças. Esse é o primeiro passo.

Percebida alguma dificuldade, e que não foi sanada com intervenções em sala de aula, a família deverá ser chamada para que procure um profissional que trate da dificuldade apresentada:
Manifestações de estereotipias, ritualismo, podem ser indícios de transtorno invasivo do desenvolvimento, e as crianças devem ser encaminhadas para um neurologista ou um psiquiatra infantil para posterior tratamento com os profissionais indicados pelo avaliador.

Crianças imaturas, que não estão conseguindo acompanhar o ritmo da turma por falta de atenção, dificuldades na compreensão, dificuldades em aprender a ler e escrever ou dificuldades em fixar informações, deverão ser indicadas para avaliação junto ao serviço de psicopedagogia.

Se há alterações na linguagem, como trocas, acréscimos ou omissões de fonemas, a escola deverá indicar um profissional de fonoaudiologia o quanto antes; contudo, se apresentar uma fala tatibitate, que é uma fala muito infantilizada, um psicólogo também deverá ser indicado, pois normalmente esse sintoma está relacionado a questões emocionais.

Crianças com dificuldades na compreensão deverão ser submetidas a testagem audiométrica. Se tudo estiver dentro da normalidade, ainda assim podem apresentar Distúrbio do Processamento Auditivo Central (DPAC), disfunção que pode acarretar dificuldades no processo de alfabetização pela má compreensão dos fonemas. O distúrbio é tratado pela área da fonoaudiologia.

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Crianças com sintomas de hiperatividade deverão ser encaminhadas para avaliação com um neurologista ou com um psiquiatra infantil; devem ser submetidas a avaliação neuropsicológica e, posteriormente, acompanhadas por um psicólogo da linha cognitivo-comportamental. Se houver dificuldades de aprendizagem ou atraso maturacional associados, o psicopedagogo será indicado pelo avaliador. É importante salientar que nem sempre crianças hiperativas possuem problemas de aprendizagem, entretanto algumas comorbidades podem estar associadas, como déficits psicomotores ou alterações na linguagem interferindo na aprendizagem da leitura e escrita.

Dificuldades na coordenação motora fina poderão ser trabalhadas por um psicopedagogo e, em casos mais severos, um psicomotricista ou terapeuta ocupacional. Dificuldades na coordenação motora ampla deverão ser trabalhadas com o profissional da psicomotricidade, em espaço apropriado.

Ao trabalhar com uma criança hiperativa, é necessário que as consignas sejam diretas e claras, falar olhando diretamente para a criança (nunca de costas) e no mesmo nível; portanto, deverá agachar-se até a altura da criança. Deverá pedir que ela repita o que lhe foi dito para ter certeza de que compreendeu o que lhe foi solicitado. A sala de aula deverá ter menos estímulos visuais do que normalmente a maioria das escolas costuma ter, pois, se houver ao menos uma criança que se distraia com tais estímulos, isso deve ser levado em consideração. São crianças que normalmente exigem mais do professor; portanto, este nunca deve estar sozinho em sala de aula, devendo ter sempre um ou dois auxiliares no mesmo espaço. Devemos sempre lembrar que, por trás de uma criança hiperativa, pode haver um lar conturbado; pais que apresentam dificuldades em impor limites; pessoas que não oferecem a rotina e os limites necessários para a criança na ausência dos pais, enquanto trabalham. Portanto, o professor sozinho não dará conta dessa demanda. Os pais irão precisar ser orientados por um terapeuta, e, se necessário, a criança também deverá estar em terapia.

menina-7-anos_Depositph_opt Crianças com DPAC podem se apresentar dispersas em ambientes com ruídos e se sentadas próximas a paredes ou janelas que reverberem sons externos. Recomenda-se que se sentem no meio da sala e, ao receberem instruções de conteúdo, o professor deverá insistir num silêncio maior da turma; do contrário, as informações poderão chegar distorcidas. Essa criança irá sempre precisar de um acompanhamento fora da escola com
fonoaudiólogo específico que trabalhe com exercícios de estimulação do processamento auditivo.

Crianças com déficits motores devem receber maior estímulo da escola nas aulas de recreação ou de expressão corporal. Investir em colchonetes, túneis e escadinhas é importante para que a criança tenha uma movimentação corporal segura, podendo girar, saltar, rolar, arrastar-se, engatinhar, subir, pular, treinando e desenvolvendo as funções motoras.

Crianças autistas deverão ser estimuladas sempre no quesito socialização. Algumas delas possuem atraso intelectual, outras possuem potencial cognitivo elevado. Crianças com síndrome de Asperger podem ler muito cedo e sozinhas (não é regra) por possuírem ótima memória, mas podem necessitar de ajuda para se inserir num grupo. É importante saber que crianças autistas podem se incomodar muito com barulho, não lidam bem com situações que fogem da rotina; outras podem ser agressivas, principalmente as que não desenvolveram ainda a fala como expressão de comunicação. Tudo isso deve ser considerado para que intervenções sejam realizadas conforme as necessidades específicas de cada um.

Crianças inteligentes em fase de alfabetização e que terminaram o ano sem ter aprendido a ler podem ser crianças disléxicas ainda não diagnosticadas. Essas crianças possuem déficit no componente fonológico e devem ser submetidas a treinamentos frequentes de consciência fonológica com exercícios que envolvam o método fônico. Irão precisar de apoio externo envolvendo profissionais da fonoaudiologia e da psicopedagogia.
O professor deverá ser orientado, pelos respectivos profissionais, sobre a melhor maneira de lidar com a criança e se há necessidade de adaptações no ambiente da sala de aula e poderá ajudar de acordo com a dificuldade que cada criança manifesta.

Simaia Sampaio é autora dos livros Neuropsicopedagogia e aprendizagem e Transtornos e dificuldades de aprendizagem (Wak Editora). Pedagoga, psicopedagoga clínica, especialista em Neuropsicologia da Aprendizagem.

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