Edição 99
Dicas da nossa língua
A variação e o preconceito linguístico
Lécio Cordeiro
Você algum dia já se deu conta de que ninguém fala da mesma forma? No nosso cotidiano, isso fica bem claro. O tempo inteiro, estamos mudando a nossa forma de nos expressarmos. Por exemplo: falamos de maneira diferente com nossos amigos, com nossos pais, com o diretor da escola, com o entregador de pizza, etc. E não é só isso: falamos também de acordo com a nossa classe social, com o local onde vivemos e com a nossa idade. Assim, apesar de a nossa língua materna ter apenas um nome (português), ela não é uma só: ela é infinitamente diversificada. É como se o português fosse composto de várias línguas…
Chamamos essa diversidade de línguas de variação linguística, um fenômeno que não acontece apenas com o português. Todas as línguas estão em constante mudança, variação, tanto ao longo do tempo quanto durante o dia. Em função disso, por exemplo, nos séculos XV e XVI,
dizia-se fror, e não flor. Como somente os nobres falavam fror, esta era a forma considerada “correta”, enquanto a forma flor, falada pelo povo, era “errada”. Hoje, entendemos que não existem formas certas ou erradas: o que existe é variação.
Todas as formas variantes de uma língua são igualmente ricas e expressivas e atendem a todas as necessidades dos grupos sociais que as utilizam. Apesar disso, existe ainda muita discriminação de uma língua ou de uma variante. Chamamos essa discriminação de preconceito linguístico.
O preconceito linguístico tem origem em alguns mitos sobre a língua. Os mitos são explicações que, mesmo aceitas pelas pessoas, não têm fundamento científico. Por exemplo: há alguns anos (e ainda hoje!), muita gente pensava que a mulher era menos inteligente que o homem, uma afirmação sem qualquer fundamento lógico.
Os mitos são explicações que, mesmo aceitas pelas pessoas, não têm fundamento científico.
Mitos!
Existem muitos mitos sobre a nossa língua:
• O português é muito difícil.
• As pessoas sem instrução falam tudo errado.
• O correto é falar assim porque se escreve assim.
• O português correto é o de Portugal.
• Brasileiro não sabe falar português.
• Quem fala “errado” é burro.
Do ponto de vista científico, nenhuma dessas afirmações tem sentido. Assim, não há língua feia ou bonita, fácil ou difícil, inferior ou superior, etc. Por isso, é importante para nós sabermos nos expressar de acordo com a situação, com o contexto de uso da língua: se estou conversando com os meus amigos em uma festa, posso ser informal, mas, se vou a uma entrevista de emprego, tenho de ficar atento para me expressar de maneira formal, ou seja, de acordo com a norma culta. É preciso sempre procurar se adequar à situação: com quem estou falando, onde estou falando, para quê…
Lécio Cordeiro é formado em Letras pela UFPE. É editor e autor de livros didáticos de Língua Portuguesa. E-mail: leciocordeiro@editoraconstruir.com.br