Edição 80

A LEI Nº 11.645/08

Aula da quinta

Cristiane Cibelly N. Procópio

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Relatos de alunos do 4º ano do Ensino Fundamental I sobre a história e a cultura dos povos indígenas

“Tia, eu gostaria de ser dono de um museu de índio, um museu igual ao da foto que a senhora mostrou pra gente, só com coisa de índio”
(Fala de um aluno logo após uma aula de História, cuja temática era Povos Indígenas, em agosto de 2013).

Introdução

A Constituição brasileira de 1988 traçou, pela primeira vez na história do nosso país, um quadro jurídico novo para a regulamentação das relações do Estado com as sociedades indígenas contemporâneas. Rompendo com uma tradição de quase cinco séculos de política integracionista, ela reconhece aos indígenas o direito à prática de suas formas culturais próprias. O Título VIII, Da Ordem Social, contém um capítulo chamado Dos Índios, em que diz que são reconhecidos aos índios a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

De acordo com a Lei nº 11.645, de março de 2008, deve constar no currículo oficial das redes de ensino público e privado a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.

O ensino da temática indígena, de que trata este trabalho, desenvolve-se a partir de episódios ocorridos em sala de aula com alguns alunos que foram demonstrando interesse pelo assunto e ao longo das aulas traziam questões, dúvidas e, principalmente, desvendavam suas curiosidades diante de um povo que no imaginário de algumas dessas crianças nem existia mais.

Crianças entre 9 e 10 anos de idade, rodeadas de brinquedos, jogos e artefatos tecnológicos, no uso corrente e quase diário da internet, interessadas no indígena parece até brincadeira, mas nem pensar em dizer isso a eles, pois como bem disse um dos alunos: “Psiu! Silêncio!O que a tia tá falando é sério, isso, né?: brincar de índio não!”. Afinal, as aulas de História juntamente com as de Matemática — por incrível que possa parecer — eram as mais esperadas ao longo da semana, e, diferentemente da segunda, a primeira só ocorria uma vez por semana e em uma quinta-feira, o que gerava neles certa ansiedade, uma expectativa sobre o que ia acontecer na aula da quinta.

Este texto propõe uma reflexão a respeito do que os alunos entendem sobre os povos indígenas tendo como base o uso do material didático como meio ilustrativo, mas não como única fonte de informação. O livro O Brasil Indígena: um Contexto Amplo e Diversificado – 4º Ano (esse livro faz parte de uma coleção composta de nove livros, divididos com conteúdos que vão do 1º ao 9º ano. Para as turmas do Fundamental, séries iniciais (1º ao 5º), cabem às professoras elaborar suas propostas e ministrá-las em sala de aula. Para as turmas do fundamental séries finais (do 6º ao 9º), fica para a professora de História incorporar essa temática dentro da sua carga horária), das autoras Janete Lins Rodrigues e Maria Carmelita Lacerda, já utilizado como apoio, não foi a única fonte para a compreensão por parte das crianças sobre quem são, como são e como vivem os indígenas no Brasil. Foram utilizados, sobretudo, vídeos, fotografias e histórias vivenciadas por mim durante as minhas aulas no curso de Especialização em Antropologia da Ufal.

Para as autoras, essa obra se torna importante por tratar da diversidade dos povos indígenas e por permitir — através das pesquisas e entrevistas com representantes desses povos, com quem foi permitido o diálogo — uma construção histórica da temática, com abordagem sociológica e antropológica simultaneamente.

Cabe salientar que existe toda uma discussão sobre educação indígena e educação para o indígena. Segundo Grupioni (2000), ainda hoje essa diferenciação se mostra operativa quando o assunto é Educação e povos indígenas.

[…] Consolidou-se, tanto na Antropologia como no indigenismo, uma distinção entre educação indígena e educação para o índio. […] O primeiro termo refere-se aos processos e práticas tradicionais de socialização e transmissão de conhecimentos próprios a cada sociedade indígena. Abarca os processos pelos quais uma sociedade internaliza em seus membros um modo próprio e específico de ser, que garante sua sobrevivência e reprodução, ao longo de gerações, possibilitando que valores e atitudes considerados fundamentais sejam transmitidos e perpetuados. […] Já o segundo termo, educação para o índio, ganhou nova roupagem nos últimos anos: fala-se agora em educação escolar indígena. Ele descreve o conjunto de práticas e intervenções que decorrem da situação de inserção dos povos indígenas na sociedade nacional, envolvendo agentes, conhecimentos e instituições, até então estranhos à vida indígena, voltados à introdução da escola e do letramento. Essa modalidade tem relação direta com as políticas implementadas pelo Estado junto aos povos indígenas. O parâmetro que impera é o da escola formal, seja para reproduzi-lo, adequá-lo ou contestá-lo (p. 274).

aula_quinta_2Sem dúvida, devemos encarar como um importante avanço o ingresso do ensino da história e da cultura indígena nas escolas públicas e privadas. Tratar dessas questões em sala de aula é muito importante; trazer à tona questões como vivência, organização social, diversidade linguística, relação com a natureza, religião e culinária é permitir que ocorra um diálogo entre povos indígenas e sociedade nacional a partir do que esses povos têm a nos dizer.

No que concerne a este trabalho, a sociedade nacional está representada pelas crianças (crianças não indígenas, alunos de uma escola particular da periferia de Maceió e que se autoidentificam como negras, pardas e/ou brancas) pelo que elas têm a nos ensinar — professores(as) —, através do seu olhar, do seu entendimento a respeito do que é ser “indígena de verdade”. A todo momento, durante as aulas, foi problematizada essa questão indígena. Com exemplos de vídeos e fotografias, os alunos foram vendo que indígena para ser indígena não tem que fazer a dança da chuva ou andar pelado 24 horas por dia. Isso ficou muito marcante na fala deles.

Eu agora entendi, tia, índio pode usar celular como o meu pai, sem deixar de ser índio.

Eles não precisam mostrar que são índios usando cocar, minha mãe é enfermeira e quando tá em casa não usa jaleco.

Em seus estudos sobre Antropologia da Criança, Tassinari (2011) mostra a importância de se pensar a partir do que as crianças têm a nos dizer e que assuntos silenciados pelos adultos se revelam em outros olhares a partir das várias formas de ser criança, ressaltando que os estudos antropológicos têm contribuído muito com aquilo que se pretende das crianças em seus mais diversos contextos socioculturais.

[…] as crianças nos ensinam tanto lições genéricas sobre a humanidade (e seu processo de cognição, de aquisição da linguagem, de funcionamento da mente, entre outros) como lições específicas sobre contextos socioculturais que os adultos não são capazes de revelar (p. 9).

Portanto, a partir do que os livros trazem em termos de conteúdo, pretendo mostrar com este trabalho que o processo ensino-aprendizagem vai para além do que o livro didático propõe. As experiências, os relatos e as percepções de mundo contam muito quando o assunto é aprendizado. Nesse ponto, as percepções dos alunos são o norte deste trabalho, eles são os protagonistas, e cada palavra do que eles têm a dizer é um dado valiosíssimo. E com isso a pergunta de praxe “Alguém tem alguma dúvida?” foi, por inúmeras vezes, substituída por outra: “Alguém tem mais alguma coisa a dizer?”.

O entusiasmo das aulas da quinta: a cada semana uma descoberta

Todo final de ano letivo é a mesma coisa, principalmente quando o assunto é a escolha do livro didático para o próximo ano. As editoras, na figura do seu representante, trazem em suas bolsas os lançamentos, as edições revisadas, os tablets e tantos outros materiais que fica quase impossível saber qual é a melhor opção. A proposta é lançada à escola, mas cabe ao professor a decisão final, a escolha daquele que será, por pelo menos 1 ano, o seu companheiro de trabalho.

O ano é 2013; o mês, fevereiro; e o relato de experiência que apresentarei diz respeito às aulas de História ministradas por mim em uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental I, em uma escola da rede privada no bairro do Tabuleiro do Martins, na periferia de Maceió. Serão narradas aqui algumas situações e falas que foram registradas no diário de classe de meus alunos, que tiveram o anonimato preservado, referentes à temática História e Cultura dos Povos Indígenas do Brasil, proposta no livro O Brasil Indígena: um Contexto Amplo e Diversificado – 4º Ano, que contém duas unidades. A primeira, intitulada Os Primeiros Povos, traz uma série de textos, imagens e atividades sobre vivências indígenas, organização social, diversidade linguística, relação com a natureza e medicina; a segunda ressalta as heranças culturais, a partir da ancestralidade, da construção do espaço geográfico, da culinária e da religião, também por meio de textos, imagens e atividades.

Sou professora nessa escola desde 2011. Em 2013, fui convidada pela Direção da escola a assumir a turma do 4º ano, que era vista por todos da instituição como complicada e bastante indisciplinada. De antemão, confesso o quão desafiante foi ser professora de vinte alunos entre 9 e 10 anos de idade, em sua grande maioria meninos — catorze para ser mais exata — que nitidamente tinham muita energia para gastar. Enfatizo essas informações porque foram eles — os meninos — que por diversas vezes colaboraram para o bom andamento das aulas, os mesmos meninos que eram os responsáveis pelo rótulo de a turma mais bagunceira da escola surpreenderam quando o assunto era povos indígenas.

Como de costume (ao menos para mim), a primeira semana de aula corresponde ao período de adaptação, em que são feitas dinâmicas para que a turma vá se conhecendo e, aos poucos, vá perdendo a timidez característica dos primeiros dias. São apresentados para a turma o material didático adotado para o ano letivo e a proposta de aula para cada disciplina.

Pois bem, aqui começa meu relato de experiência, que irei construindo a partir da narrativa de meus alunos. Durante a apresentação do livro didático e dos dois livros complementares — o de educação indígena e o de afro-brasileira — fui mostrando aos alunos o que veríamos e como trabalharíamos esse material no decorrer do ano letivo, que seria uma espécie de reforço para o livro principal (por livro principal deve-se entender o livro-módulo que abarca o conteúdo de todas as disciplinas (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Cidadania, Geografia, Arte e Língua Inglesa) em um volume único). Cada livro deveria ser abordado e utilizado em sala de aula de acordo com a metodologia de cada professor.

Com a turma do 4º ano, preferi fazer a escolha de qual livro utilizar primeiro a partir do que eles quisessem. Para minha surpresa, todos os que estavam presentes (dezesseis alunos) escolheram o livro O Brasil Indígena: um Contexto Amplo e Diversificado – 4º Ano, com a justificativa de que seria bom conhecer a história dos indígenas. Nesse contexto, dois alunos chamaram a minha atenção: “Tia, nesse livro a gente vai poder aprender a caçar, pescar e fazer a dança da chuva igual como os índios faziam?”. Sem que eu pudesse ter tempo para responder, o que me foi muito bom, outro aluno se adiantou e respondeu: “É claro que não, a gente vai aprender que índio é igual a gente e que deve ser respeitado”.

Essas duas falas me fizeram pensar a respeito do que eles compreendiam sobre o que é ser indígena, como eles viviam e principalmente como eles vivem, pois para grande parte dos alunos esse povo não existia mais.

Situações e comentários do tipo “Não se tem mais índios como antigamente” ou “E existe índio no Nordeste?” foram problematizados de forma bastante eloquente nas aulas que tive no módulo Etnicidade e Identidade Social, do curso de Especialização em Antropologia – Ufal, o que me foi muito útil também com meus alunos.

Barth (2000), em sua crítica ao conceito de grupo étnico como um conjunto de indivíduos com origem histórica, linguística e cultural comum, rompe com esses paradigmas ao perceber que a etnicidade só será motor da diferença organizacional se os indivíduos a aceitarem, forem constrangidos por ela, agirem em relação à mesma e a experenciarem.

A partir da compreensão do que o outro, o externo, o diferente, tem a nos revelar, tentei mostrar aos meus alunos que para ser indígena não é preciso estar de cocar e praticando o toré (ritual indígena que envolve dança e performance, ligado a elementos da natureza e da religiosidade indígena). Os tempos são outros, e assim como nós estamos o tempo todo nos adaptando a novas situações, com os indígenas não foi diferente — só que para eles aconteceu de forma muito mais impactante, pois foram forçados a se enquadrar em um tipo de cultura que nada tinha a ver com o que eles acreditavam.

Grupioni, ao mostrar que novas possibilidades têm surgido no panorama da educação voltada para os povos indígenas no Brasil, ressalta o papel da Constituição de 1988 nesse cenário.

[…] a Constituição de 1988 merece especial atenção, pois foi com a sua promulgação que se reconheceu aos índios o direito de permanecerem índios e terem suas tradições e modos de vida respeitados e protegidos pelo Estado brasileiro, rompendo com a tradição legislativa e administrativa que sempre procurou incorporar os índios à comunhão nacional, entendendo-os como categoria étnica e social transitória, fadada ao desaparecimento. A Constituição de 1988 inaugurou uma nova fase no relacionamento dos povos indígenas com o Estado e com a sociedade brasileira ao reconhecer suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições e ao atribuir ao Estado o dever de respeitar e proteger as manifestações das culturas indígenas. Em seu art. 210, fica assegurado aos povos indígenas o direito de utilizarem sua língua materna e processos próprios de aprendizagem, abrindo caminho para transformar a instituição escolar em um instrumento de valorização e sistematização de saberes e práticas tradicionais, ao mesmo tempo em que possibilite aos índios o acesso aos conhecimentos universais (p. 274-275).

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As aulas de história e cultura dos povos indígenas foram ministradas em um período de 5 meses — iniciado em abril e concluído em agosto. Ao longo das aulas, foram realizadas leituras de contos, mitos e lendas indígenas, abordagens mais teóricas — obviamente adequadas ao cenário das crianças —, apresentação de vídeos e fotografias e atividades de fixação propostas no livro, além de outras em ocasião daquilo que foi ministrado, como produção de cartazes, apresentação teatral e produção de texto em formato de redação. Vale salientar que parte do conteúdo dessas aulas entrou na avaliação do 2º bimestre a pedido dos próprios alunos.

Em agosto tive uma aula de campo organizada pela professora Dra. Fernanda Rechenberg, da Ufal, como parte das atividades propostas no módulo Culturas Populares e Patrimônio. A visita à cidade de Palmeira dos Índios, localizada na região Agreste do interior alagoano, foi muito interessante e me rendeu duas aulas da quinta muito gratificantes.

Nessa viagem pude conhecer o Museu dos Xucurus, onde fiz alguns registros visuais — vídeos, fotografias — dos artefatos que ambientam o espaço do museu e gravações com vários depoimentos do cacique-geral, o Sr. Manoel Selestino. A seu convite, fomos à sua aldeia, localizada na Serra do Capela, em Palmeira dos Índios, e lá assistimos a uma apresentação de toré e tivemos contato com alguns objetos produzidos por eles, todos expostos e colocados à venda. Nessa ocasião comprei uma pulseira; e meu noivo, um apito que emite o som de pássaros. Essa experiência, que também documentei em um diário, foi útil para a elaboração das minhas duas últimas aulas que ainda restavam para concluir a temática indígena com meus alunos.

A primeira aula logo após a visita à cidade de Palmeira dos Índios foi totalmente narrativa, contei aos meus alunos como foi a visita, o contato com a aldeia, com o museu e fui explicando, por meio de exemplos empíricos, tudo aquilo que havíamos conversado durante as aulas. Mostrei-lhes os objetos que comprei na aldeia — apito e pulseira —, o que foi motivo de muita alegria; os objetos, passaram de mão em mão, e todos queriam tocar o apito e usar a pulseira.

Muitas foram as perguntas, curiosidades; o interesse era tamanho que me rendeu mais uma aula. Obviamente não me lembrarei de todos os questionamentos, mas algumas perguntas são impossíveis de serem esquecidas.

“Tia, como é um índio de verdade?”

“Tia, ele tava usando roupa mesmo? Camisa de botão e calça?”

“O cacique tem celular?”

“É verdade que o ‘padre’ deles se chama xamã?”

“Eles deixaram a senhora tirar foto?”

Diante de tantas perguntas, que fui me desdobrando em responder, ficou acordado entre a gente que a melhor maneira de eles entenderem o que foi e como foi essa visita era através de imagens, das fotografias e dos vídeos que fiz no momento da visita à cidade de Palmeira dos Índios.

Chegada a última aula da quinta sobre povos indígenas, por volta das 13h30, organizei as carteiras de forma que todos pudessem assistir à projeção no data-show. Apagadas as luzes, dei início ao primeiro dos três vídeos que exibi na aula (cada vídeo com duração média de 5 minutos), mostrando o ritual do toré (essa apresentação continha apenas parte do ritual, algo como o “toré para turista ver”. Uma apresentação com poucos indígenas, em um espaço reservado longe das malocas e próximo à entrada da fazenda). Terminada a exibição dos vídeos, dei início à apresentação de slides com várias fotos tiradas no museu — e também na aldeia —, mostrando sua fachada, seus objetos e visitantes. A cada foto mostrada, eu fazia breves comentários para situar a turma, e, com isso, íamos contextualizando a gama de informações que a temática naquele momento proporcionava.

As imagens na página a seguir mostram um pouco daquilo que foi exposto em sala de aula e que provocou em cada uma das crianças muitas curiosidades. Dividi-as em duas partes para melhor compreensão e contextualização. A primeira parte retrata o momento da visita à aldeia — que foi melhor explicada durante a exibição dos vídeos —, a segunda parte retrata a visita ao Museu dos Xucurus, visita esta guiada pelo cacique-geral, Sr. Manoel Selestino.

PARTE 1

I – Cocar produzido por indígenas do aldeamento Serra do Capela, Palmeira dos Índios (AL). Agosto de 2013. Fonte: da autora.

II – Flor produzida por indígenas do aldeamento Serra do Capela, Palmeira dos Índios (AL). Agosto de 2013. Fonte: da autora.

III – Ritual do toré apresentado por alguns indígenas do aldeamento Serra do Capela, Palmeira dos Índios (AL). Agosto de 2013. Fonte: da autora.

IV – Outro tipo de adorno de cabeça confeccionado pelos indígenas da Serra do Capela, Palmeira dos Índios (AL). Agosto de 2013. Fonte: da autora.

V – Crianças indígenas do aldeamento Serra do Capela, Palmeira dos Índios (AL) na apresentação do toré. Agosto de 2013. Fonte: da autora.

VI – Cacique Manoel Selestino e sua tribo – aldeamento Serra do Capela, Palmeira dos Índios (AL). Agosto de 2013. Fonte: da autora.

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PARTE 2

VII – Placa de identificação do Museu Xucurus. Palmeira dos Índios (AL). Agosto de 2013. Fonte: da autora.

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Essas imagens, bem como as aulas ministradas ao longo de 5 meses, tiveram por objetivo mostrar aos alunos que ainda existem indígenas no Brasil e consequentemente no Nordeste; que, sim, são pessoas como eu, como eles — isso ficou muito marcado com a participação das crianças durante a apresentação do toré —; e que eles usam roupa, usam sapatos, têm telefone celular e tantas outras coisas, mas que nem por isso eles se tornam menos indígenas.

Para minha alegria pude perceber que algumas coisas foram bem pontuadas e conversadas, obviamente não esgotamos a temática indígena, mas alguns preconceitos e estereótipos passaram a ter outras percepções, um olhar mais carinhoso, típico das crianças, foi isso que notei ao longo das aulas. Livres, elas colocaram suas opiniões e me ensinaram que, muito além de lidar com o diferente, é preciso, antes, conhecer esse diferente, para só então respeitá-lo. Assim foi a ponto de uma criança chegar e dizer: “Tia, hoje que eu conheci um museu. Já sei o que eu quero ser quando crescer… Tia, eu gostaria de ser dono de um museu de índio, um museu igual ao da foto que a senhora mostrou pra gente, só com coisa de índio”.

Considerações finais

Com as aulas, muito foi ensinado, a troca de saberes entre as crianças e, principalmente, a desconstrução de estereótipos foram marcadamente o eixo de todas as aulas, pois nada do que preparava para ministrar saía como o esperado. Por muitas vezes saí do roteiro e deixei que os alunos fossem os protagonistas. Suas visões diante do outro tiraram o tampão do preconceito, e, pela inocência tão característica da infância, pude perceber o quanto as crianças têm a nos ensinar, um verdadeiro exercício de alteridade visto por uma ótica muitas vezes silenciada pelos adultos.

campanha_8Como afirma Tassinari, a infância tem várias formas de ser compreendida, e a criança deve ser parte constituinte da vida social, ela é ativa e revela uma variedade de fenômenos que muitas vezes não são nem revelados na escola, o que torna esse universo e principalmente esse olhar diante das coisas do mundo bem particular.

Essa experiência em sala de aula foi gratificante e continuou sendo porque foi além do que se é construído socialmente. A nomenclatura indígena por si só já é uma invenção, de um mundo do branco que abriu as portas para o indígena entrar. Muito ainda tem que ser problematizado, a temática sobre povos indígenas deve continuar, mostrando que o apagamento da história não deve ser perpetuado; que o Brasil não foi descoberto, e sim encontrado; que o dia 19 de abril foi o dia que o homem branco definiu como Dia do Índio; e que nós, adultos, temos que ser mais sensíveis ao que as crianças têm a nos dizer, pois só então seremos capazes de ensinar para viver, para desbravar, para amar e para lutar, e não viver apenas para repassar o que está posto em qualquer lugar.

Nada está concluído, muitas questões aparecerão, e a luta continua. E, usando uma frase de um aluno, dita no dia 19 de abril de 2013: “Quero que a senhora me pinte pra eu ir pra guerra. Vou lutar pela paz!”, termino por dizer que o diferencial em ser professor está naquilo que a gente apreende do que aprendeu, e eu aprendi que ainda sei muito pouco, que tudo é um processo e que meus alunos têm muito mais a me ensinar.
Cristiane Cibelly N. Procópio é bacharel em Ciências Sociais – Ufal, cursando Especialização em Antropologia – Ufal. Endereço eletrônico: cibaprocopio@gmail.com

 

Referências

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BARTH, Fredrik. Os Grupos Étnicos e suas Fronteiras; A Identidade Pathan e sua Manutenção. In: Tomke Lask (Org.). O Guru, o Iniciador e Outras Variações Antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000, pp. 25-68; 69-94.
CAVALCANTE, Edmar Amaral; RODRIGUES JUNIOR, Adail Sebastião. A Sala de Aula sob o Olhar Etnográfico: um estudo de caso. Revista Presença Pedagógica. Belo Horizonte, v.11, n. 63, p. 46-53, maio/jun. 2005.
GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Educação e Povos Indígenas: Construindo uma Política Nacional de Educação Escolar Indígena. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 81, n. 198, p. 273-283, maio/ago. 2000.
LACERDA, Maria Carmelita. O Brasil Indígena: um Contexto Amplo e Diversificado 4º ano. João Pessoa, PB: Grafset, 2011.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. 2 ed. Brasília, 2005.
TASSINARI, Antonella Imperatriz. O que as Crianças Têm a Ensinar a Seus Professores? Revista Antropologia em Primeira Mão/ Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis (UFSC), v. 129, 2011.

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