Edição 58
A fala do mestre
Bater ou dialogar?
Grazielle Rocha França
Indiscutivelmente, sabemos que crianças e adolescentes testam seus pais ou qualquer outra pessoa responsável por sua educação. O primeiro importante teste ocorre quando o bebê, sem querer, dá uma mordidinha no seio da mãe. O que ele espera com isso? Que ela lhe dê um tapinha? Não! Que ela diga: “Não, não pode! Machuca!”.
Em seguida, outros testes são feitos pelos “pesquisadores”: objetos são jogados repetidamente no chão, daí aparecem aquelas birras básicas do tipo “não quero comer”, “não vou tomar banho”, “quero ir com você”. Tudo para perceber qual é a reação de quem os educa. E quanto aos adolescentes? Também não são diferentes: é a nota baixa na escola, aquele cheiro de cigarro na roupa, o horário para chegar que não foi cumprido, o dinheiro da mesada gasto em uma semana, entre outros exemplos.
A Pedagogia para propor limites
Tanto as crianças quanto os adolescentes realizam essas pequenas experiências para perceberem se o terreno familiar é seguro ou se estão pisando em areia movediça. Na verdade, eles querem testar se os pais lhes dão os limites que tanto precisam e se a relação é enriquecida com carinho, amor e confiança.
Sabemos que os pais são muito diferentes na forma de educar e que isso depende da forma como foram educados. Assim, alguns reagem aos “testes” com paciência, conversam com seus filhos, questionam, dizem “não” e explicam o porquê, ou seja, preferem o diálogo como forma de aproximação, negociação e manutenção de uma relação bem bacana entre eles e os filhos.
No entanto, outros pais, mais esquentadinhos, sem paciência para escutar, preferem dar um tapa a dialogar. Bater é o caminho mais curto entre o que se pode ou não fazer; não porque educa e ensina o certo e o errado, mas porque amedronta. A criança que leva umas palmadas realmente fica quieta, obedece momentaneamente porque o tapa dói e aprende que, para conseguir alguma coisa, precisa bater. Então, na escola, passa a bater nos colegas, a exigir o que quer batendo nos outros. Geralmente, seus pais não sabem por que seus filhos agem assim, não se dão conta de que estão, de certa forma, contribuindo para tudo isso.
Agora vamos imaginar a seguinte cena: na saída da escola, um pai de um adolescente o espera ansioso dentro do carro. Devido à demora do garoto, o pai vai até a sala de aula e o encontra conversando com seus amigos. Num ímpeto de raiva, começa a gritar com seu filho na frente de todos e dá um tapa no seu rosto para dizer que estava com pressa. Parece assustador? Pois é! Mas histórias assim já fazem parte do cotidiano escolar. Será que o garoto que apanhou do pai aprendeu a ser mais responsável? Está lidando melhor com horários? Não. Com certeza, pontualidade ele não deve ter aprendido. Deve ter ficado com muita vergonha de seus colegas e com muita raiva de seu pai, que não pode esperar do filho um comportamento cortês, um carinho, um abraço, mas, sim, um ataque de rebeldia. Se existia uma relação de confiança entre pai e filho, ela ficou despedaçada.
Educar sem violência
Bater ou dialogar é uma discussão da nossa época. Quando meus avós eram crianças, o diálogo não existia da forma que existe hoje, mas ninguém precisava de um tapa para aprender alguma coisa. Na verdade, o que valia era uma cara feia, um olhar sisudo mandando obedecer, porque os pais, agindo dessa maneira, ensinavam o respeito aos mais velhos, davam limites às crianças, afinal eram as autoridades da casa. Contudo, nos nossos dias, os tapas até estão virando motivo de deboche. Quem nunca viu uma criança dizendo: “Pode bater, que não dói”? Com tal provocação, os pais podem passar das contas e bater mais do que queriam. Há casos em que o descontrole emocional é tanto que o tapinha acaba em espancamento. Assim, os pais que batem e são revidados pelos filhos não são mais as autoridades da casa, mas, sim, os reais agressores.
Crianças e adolescentes não precisam de um tapa. Precisam de um “não” seguro e firme e de pais assertivos e carinhosos que lhes deem continência e limites, regras claras, que lhes digam “pode”, “não pode”, “está certo”, “está errado”. Mais do que tudo, eles precisam de palavras associadas a ações que lhes ensinem valores e atitudes, para que, a partir dessa aprendizagem, possam, sozinhos, fazer suas próprias escolhas.
Segundo a psicóloga Jan Hunt, há relação direta entre o castigo corporal na infância e os comportamentos agressivos ou violentos na adolescência ou fase adulta. O castigo físico passa a mensagem injusta e nociva de que “o mais forte sempre tem razão” e de que é permitido ferir alguém, desde que esse alguém seja menor e menos poderoso.
Uma vez que as crianças aprendem pelo exemplo dos pais, o castigo físico ensina que bater é um modo correto de exprimir sentimentos e solucionar problemas. Se uma criança não vê seus pais resolverem dificuldades de um modo criativo, poderá utilizar a agressão como uma forma prática de superar os desafios cotidianos.
Grazielle Rocha França é psicóloga, especialista em Educação Infantil e psicopedagoga.
Endereço eletrônico: grazirf@yahoo.com.br.
Mundo Jovem – Um jornal de ideias. Ano 48, n. 408, julho de 2008.