Edição 122

Matéria Âncora

Campanha da Fraternidade 2022

Texto base

2. ESCUTAR

2.6. Formação humana e o papel da educação

54. A formação humana integral nos conduz a refletir sobre as diversas formas de educar e de construir as comunidades humanas, as sociedades e as civilizações, tecidas universalmente pelas relações pessoais e coletivas. A educação, em sentido amplo, abrange pertencimento e a participação dos sujeitos no mundo, de modo integral e solidário.materia-ancora (1)

55. Nos tempos atuais, em que somos convidados a escutar com especial atenção os impactos e as consequências da pandemia da Covid-19, faz-se necessário reconhecer como afetamos e somos afetados por nossas condições frágeis de humanidade. Muito se discutiu sobre o exercício da coletividade e de atitudes responsáveis para atenuar a transmissão do vírus. Questões econômicas, sociais, culturais e religiosas também sobressaíram durante a pandemia. É preciso, sobretudo, neste amplo, complexo e sofrido contexto, olhar e ouvir com especial amor a educação e seus sujeitos, em seus novos desafios, interpelações e perspectivas de futuro.

56. Nessa direção, a educação para a formação integral parte do reconhecimento mútuo entre as realidades sociais, culturais, econômicas, nas quais cada pessoa é levada a ampliar suas competências críticas em relação às suas próprias condições reais. Por essa razão, precisam ser pensadas novas formas de educar não baseadas em uma racionalidade técnico-utilitária, mas, sim, em um reconhecimento básico: o ato educativo pressupõe ações amplas e complexas que demandam um reconhecimento do lugar que a pessoa ocupa na sociedade em que está inserida, tornando-se um agente que contribua com o desenvolvimento de uma nova cultura de acolhimento.

57. A crise desencadeada pela Covid-19 fez ecoar a perspectiva humanista da educação. É preciso educar para viver em comunhão. Educar para conceber a democracia como um estado de participação. Educar como ação esperançosa na capacidade de aprender do humano e de estabelecer relações mais fraternas em sociedade e com a natureza. A forma que reagimos em uma crise, nossas capacidades instaladas e nossas prioridades revelam mais de nós mesmos do que a própria crise. Revelam também o que priorizamos e o que não priorizamos no campo de educação.

58. O humanismo, o tecnicismo, a solidariedade, o egoísmo e tantas outras características da sociedade são frutos, também, de um tipo predominante de educação, de uma determinada seleção curricular e metodológica. Dessa forma, as nossas opções na educação, a partir de seus vários contextos educativos, são aperitivos daquilo que viveremos em sociedade.

59. Todos esses elementos até aqui sinalizados são alguns exemplos de um currículo do nosso tempo. Não devemos percebê-lo como algo que deve ser transformado somente em conteúdo escolar, provas e testes, mas em um conteúdo de vida. Um conteúdo que deve ser acolhido em todos os nossos contextos educativos: família, Igreja, organizações sociais, na Educação Básica, Educação Superior, entre outros. Cada contexto educativo possui sua particularidade, seus desafios e sua contribuição potencial para a construção de uma sociedade mais fraterna.
2.7. A fraternidade e a amizade social como contextos educativos

60. “Os pais são os primeiros, mas não os únicos, educadores de seus filhos”.20 Além dos pais e da família, uma aldeia inteira tem a capacidade de educar. Entretanto, no século XXI, essa aldeia é formada por uma imensa rede social, que tem abrangência global e plasma um novo jeito de ser e de viver. Há espaços sociais que historicamente se organizaram e que são importantes lugares formativos: Igreja, comunidades, associações, onde as pessoas se organizam, exercem liderança, atuam pastoralmente, crescem espiritual e humanamente, celebram sua vida e aprofundam a sua fé. Evidentemente, pode haver ambiguidades e contradições em todas estas organizações e espaços sociais, entretanto, a origem, a atribuição e a finalidade de cada um dos espaços sociais visam educar as pessoas para a vida em sociedade.materia-ancora (7)

20 CDSI, n. 240.

61. O contexto educativo da família, no entanto, também está suscetível à violência doméstica, sobretudo contra mulheres, crianças, adolescentes e idosos. Durante a pandemia da Covid-19, no Brasil e no mundo, houve um enorme crescimento da violência doméstica. Segundo a Unesco, com o fechamento das instituições de ensino, cerca de 1,5 bilhão de estudantes e jovens em todo o planeta estão sofrendo ou já foram afetados pelo impacto do fechamento de escolas e universidades devido à pandemia. Pessoas que permaneceram fora da escola e fechadas em suas casas durante mais de um ano.21 No Brasil, isso ocorreu dos centros de Educação Infantil às universidades; e, ainda, muitos dos pais permaneceram em casa com trabalho remoto (teletrabalho). Foi necessário conciliar trabalho doméstico, trabalho remoto, cuidado com os filhos, aulas remotas dos filhos e permanência simultânea de todos em casa o tempo todo, com moradias geralmente precárias.

21 Disponível em: https://pt.unesco.org/covid19/educationresponse/globalcoalition. Acesso em: 24/6/2021.

É preciso educar para viver em comunhão.

62. Nessas condições, os pais enfrentaram o estresse das múltiplas tarefas; as crianças ficaram mais irritadiças pela restrição de mobilidade e ausência de colegas; aumentou abruptamente o tempo de convivência familiar; e, às mulheres, restou a sobrecarga de trabalho e a falta de um suporte social, particularmente o escolar. A tudo isso se somaram o clima de instabilidade social; a carência de redes de proteção social; a instabilidade econômica; a insegurança com o risco de contágio, doença e morte; e a insuficiência de estruturas de serviço à saúde pública.22 Devido, dentre outros, a tais fatores, o contexto familiar foi um dos mais impactados pela pandemia, suscitando o aumento dos conflitos e da violência doméstica.

22 MARQUES, Emanuele Souza et alii. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela Covid-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cadernos de Saúde Pública, v. 36, n. 4, Epub: Rio de Janeiro, abr./2020. Disponível em: (https://doi.org/10.1590/0102-311×00074420).materia-ancora (3)

63. As artes e a literatura também são educativas, pois ajudam a interpretar o mundo pela ótica estética. O teatro, a música, a dança, a pintura, a escultura, uma boa leitura e algumas das dimensões da arquitetura, do design, da publicidade, possuem uma linguagem singular, que eleva o espírito humano e o projeto civilizatório. Uma sociedade que se fecha em um projeto educativo apenas técnico, pragmático e utilitário empobrece o horizonte existencial das pessoas e anula a sua capacidade criativa.

67. No campo educacional, as bibliotecas se tornaram digitais e suas obras passaram a ser consultadas de qualquer lugar do mundo. Periódicos eletrônicos integraram-se aos gigantescos portais de acesso. Novas metodologias e tecnologias educacionais eclodiram a partir das possibilidades da Internet. Surgiu a Educação a Distância (EAD) com a possibilidade de estudar em qualquer lugar do mundo. Todo esse processo foi intensificado na educação formal, em proporções desiguais, a partir da pandemia de 2020. Muitos novos desafios, sobretudo éticos, políticos, pedagógicos e psicoculturais, são vividos por essas novas realidades virtuais emergentes.25

25 Essa nova realidade levou a Igreja a divulgar, dentre outros, dois importantes documentos intitulados Ética na internet e Igreja e internet. Sobre esse recorte temático, ver: LEMOS, Carolina Teles; AMADO, Wolmir Therezio. Concepções e uso da mídia e da internet na Igreja Católica. Pesquisas em teologia, v. 3, n. 5, p. 154-174, julho de 2020. Disponível em: https://periodicos.puc-rio.br.

68. Essas novas tecnologias precisam formar e se tornar, sempre mais, comunidades abertas onde existe o próximo sem fronteiras, como nos ensina o Papa Francisco em sua Carta Encíclica Fratelli Tutti. Também nestes espaços virtuais pode ser exercida uma prática educativa que orienta para o intercâmbio fecundo, a gratuidade que acolhe, a valorização do conteúdo com sabor local, a abertura ao horizonte universal, a superação do narcisismo bairrista, a inclusão dos mais frágeis e dos pobres. São espaços para o diálogo social, não para a troca de opiniões exaltadas e os monólogos agressivos que avançam em paralelo. São possibilidade para o encontro e a amizade social, sustentados pela disposição de abertura à verdade, trabalho pela paz, perdão que supera o ímpeto de vingança, memória que mantém a lembrança dos erros e vigilância para não repetir novas atrocidades na História.

2.9. A Educação Básica

73. A Educação Básica no Brasil, segundo os dados do Censo de 2020, possuía 47.874.246 estudantes matriculados e 2.212.018 docentes atuando em 180.610 escolas. O segmento com a maior cobertura de matrículas era das crianças de 6 a 14 anos, com 99,7% nesta faixa etária matriculadas, seguido das crianças de 4 a 5 anos com 93,8% matriculadas. O segmento com a menor quantidade de matrículas era o dos jovens e adolescentes, de 15 a 17 anos.

74. Quase a metade dos alunos matriculados na Educação Básica são atendidos pelos municípios brasileiros (48,4%). Em 2020, a rede privada teve uma participação de 18,6 %. A rede estadual foi responsável por 32,1% das matrículas, e a federal teve uma participação inferior a 1% do total de matrículas.27 É fundamental destacar que a educação pública no Brasil é responsável pela maioria das matrículas na Educação Básica, o que torna mais premente os avanços de acesso, permanência e qualidade. Uma educação pública inclusiva e de qualidade é condição da justiça social de que ainda carecemos no Brasil. Quando não priorizamos a educação pública no Brasil, construímos uma dupla defasagem: não enfrentamos uma dívida social histórica e prolongamos essa situação de injustiça para as próximas gerações.

27 Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/educacao-e-pesquisa/2021/01/educacao-basica-teve-47-3-milhoes-de-matriculas-em-2020#~:text=No%20an0%20passado%2C%20existiam%20no,579%20mil%20matr%C3%ADculas%20a%20menos. Acesso em: 15/5/2021.

75. Ainda, pautando-se nas informações do Censo, o número de matrículas da Educação Especial chegou a 1,3 milhão em 2020, um aumento de 34,7% em relação a 2016. Nesse caso, o levantamento se refere aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e/ou altas habilidades/superdotação em classes comuns ou em classes especiais exclusivas. O percentual de matrículas de alunos de 4 a 17 anos da Educação Especial incluídos em classe comum também aumentou gradativamente, passando de 89,5%, em 2016, para 93,3%, em 2020.

Essas mudanças na educação são necessárias e urgentes e, por isso, precisam ser feitas com zelo e não somente para o atendimento legal ou de disputas do calendário eleitoral.”materia-ancora (3)
78. A Educação Infantil, como primeira etapa da Educação Básica, ocupa grande relevância no processo de desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social. A educação na primeira infância é de suma importância, pois, possibilita que a criança socialize e interaja desenvolvendo suas habilidades. Segundo dados do Censo Escolar 2019, são quase 9 milhões de crianças na Educação Infantil, com 71,4% das matrículas na rede municipal e 27,9% na rede privada, muitas destas comunitárias e confessionais conveniadas com o poder público.28

28 Disponível em: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/matriculas-na-educacao-infantil-crescem-12-6-nos-ultimos-cinco-anos/21206. Acesso em: 2/7/2021.

81. O levantamento das principais iniciativas das redes municipais de escolas são exemplos do que possivelmente aconteceu na rede estadual, federal e privada. Infelizmente, a desigualdade de condições e de construção das respostas também ficaram evidentes, ampliando as desigualdades já vividas anteriormente no sistema educacional e na sociedade brasileira como um todo. Os efeitos adversos da pandemia na educação, como dificuldades de aprendizagem, evasão, exposição das crianças em situação de vulnerabilidade, ainda serão mais bem compreendidos no futuro próximo. O fundamental é que as respostas que serão construídas não reproduzam as desigualdades já existentes.

82. Outro aspecto que merece destaque é o processo de implementação de reformas educacionais importantes no Brasil, como a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a reforma do Ensino Médio. Elas estavam sendo discutidas e implementadas em um contexto de polarização política e instabilidade institucional nos últimos anos e foram afetadas, também, pela pandemia da Covid-19. A situação política e a pandemia não diminuem a necessidade das mudanças educacionais, pelo contrário, a forma como reagimos na educação diante das crises é um sinal de necessidade das mudanças. Essas mudanças na educação são necessárias e urgentes e, por isso, precisam ser feitas com zelo e não somente para o atendimento legal ou de disputas do calendário eleitoral. Porque são urgentes precisam ser bem-feitas, caso contrário viveremos em uma sucessão de reformas sem resultados efetivos.

83. Há mais de 50 anos, a Igreja no Brasil se esforça para favorecer e criar meios de superação do analfabetismo. Belo exemplo foram as escolas radiofônicas, o nascimento do Movimento de Educação de Base (MEB), que unia instrumento de comunicação, prática regional e valorização da pessoa como protagonista no processo de aprendizagem. Esta e tantas outras iniciativas demonstram o empenho da Igreja e seu compromisso com a educação.

85. A situação das pessoas em condição de analfabetismo ainda se apresenta como um dos grandes desafios da Educação Básica no Brasil. A alfabetização é um direito humano que deve “assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas nas pessoas”.30 Capacita indivíduos, famílias e comunidades e melhora a sua qualidade de vida. Em 2019, a taxa de brasileiros com 15 anos ou mais que não sabia ler ou escrever um bilhete simples ficou em 6,6%, segundo dados da Pnad.

30 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, n. 4. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs.materia-ancora (4)

87. A condição de analfabetismo é causa de pobreza e de extrema vulnerabilidade social. Uma pessoa não é plenamente cidadã se não consegue fazer leitura crítica, argumentação e interação em uma sociedade letrada. Em 1978, a Organização das Nações unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) qualificou a alfabetização de funcional quando for suficiente para que os indivíduos possam inserir-se adequadamente em seu meio, sendo capazes de desempenhar tarefas em que a leitura, a escrita e o cálculo são demandados para seu próprio desenvolvimento e para o desenvolvimento de sua comunidade.31

31 Revista Ciência da Educação: Educação e Sociedade. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/5pH848XC5hFCqph7dGWXrCz/?lang=pt. Acesso em: 14/7/2021.

89. A promoção integral, humana e cristã de adolescentes, jovens e adultos, mediante o desenvolvimento de programas e projetos educacionais e culturais, tendo como foco principal a educação popular, espera por uma renovação do compromisso das comunidades cristãs com um novo pacto pela educação a começar pelas comunidades urbanas e rurais mais vulneráveis e menos favorecidas pelo serviço público.

2.10. As Escolas Católicas de Educação Básica

91. A Educação Católica no Brasil tem contribuído de forma significativa para a consolidação de uma prática educativa que ajude a sociedade a entender e mitigar questões que marcam o contexto do mundo em que vivemos, tratando da complexidade e do inter-relacionamento de fenômenos tais como pobreza, consumo predatório, degradação ambiental, deterioração urbana, saúde, conflitos e violação dos direitos humanos, que ameaçam a ecologia integral.

92. As Escolas Católicas, enquanto comunidade educativa, são lugares de encontro da educação integral da pessoa humana por meio do projeto pedagógico que tem o seu fundamento em Cristo, orientado para realizar uma síntese entre fé, cultura e vida.33 Neste sentido, destaca-se a contribuição da Educação Católica, por meio da excelência acadêmica, a partir das práticas pedagógico-pastorais, à luz de uma ecoteologia, no processo de construção de uma sociedade sustentável e respeitosa dos Direitos Humanos conduzindo a uma transição em direção a sistemas verdadeiramente inclusivos que protejam a nossa casa comum.materia-ancora (4)

33 Documento para os Seminários e as Instituições de Estudo: Educar juntos na Escola Católica, missão partilhada de pessoas consagradas e fiéis leigos – Educar juntos na Escola Católica. Disponível em: (vatican.va). Acesso em: 10/6/2021.

95. “A Escola Católica, que está particularmente atenta aos problemas educativos, é de grande importância para a sociedade e para a Igreja. Sua proposta é o humanismo integral. Os programas estatais preveem muitas vezes cursos de pedagogia, psicologia, didática, em forma histórica e sistemática. Recentemente as ciências da educação subdividiram-se em um grande número de especializações e correntes. Além disso foram invadidas por ideologias filosóficas e políticas. Os alunos experimentam às vezes a impressão de uma fragmentação confusa. Os professores das ciências pedagógicas devem ajudar os estudantes a superar a dispersão e guiá-los na formação de uma síntese crítica. A elaboração desta síntese parte da premissa de que todas as correntes pedagógicas contêm coisas verdadeiras e úteis. É necessário, portanto, conhecer, julgar, escolher”.34

34 CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA. Dimensão Religiosa da Educação na Escola Católica – Orientações para a reflexão e a revisão. 7 de abril de 1988, n. 62.

2.13. Professores e gestores em sua missão de educadores

111. Em todos os tempos, os educadores tiveram desafios inerentes ao contexto social, político e econômico, dentre outros. Na atual realidade, não é diferente. Nesta era da complexidade, levantam-se demandas nos variados âmbitos que abrangem tanto a organização educativa em suas opções pedagógicas quanto a pessoa e a profissão do professor.

112. Aos gestores, além das questões administrativas, financeiras e de toda ordem, importa ter claro um modelo de educação que priorize o encorajamento ao aprendizado e a construção de conhecimentos significativos, que permitam a todos os atores do processo educativo abrirem-se à aprendizagem como tarefa que nos acompanha pela vida afora.42

42 Conforme o Relatório Dellors, apresentado à Unesco, a educação deste novo século exige tal abertura, incluindo ainda como Pilares da Educação o “aprender a fazer”, “aprender a conviver”, “aprender a aprender” e o “aprender a ser”.materia-ancora (5)

113. Pensar em uma formação humana que transcenda a lógica do mercado e dos exames regulamentares, tais como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e os vestibulares, constitui-se na pauta do dia para todas as instituições, especialmente as confessionais. É importante superar a lógica da exclusão. Seja aquela que passa pela ilusão de que apenas o acesso ao Ensino Superior é a garantia de melhores condições de vida, bem como do discurso que se alicerça no entendimento de que uma grande maioria de pessoas está tendo acesso ao Ensino Superior. Na verdade, se não houver conhecimento necessário para o exercício de uma profissão, acaba-se por ampliar ainda mais o muro de separação entre pobres e ricos, reforçando, assim, uma democratização segregativa.

117. A pandemia da Covid-19 trouxe consigo a possibilidade de priorizar os conteúdos mais relevantes, sem os quais uma boa formação será deficitária. É importante destacar que o acesso às ferramentas digitais não aconteceu de maneira ampla. Muitas soluções digitais foram construídas para os momentos de isolamento social, porém é necessário avançar, em especial no acesso e na qualidade do acesso a essas mesmas soluções. Uma ação de inclusão digital, quando não acontece de forma equitativa, possui em seu bojo uma nova qualidade de exclusão social.

118. O tema da atualização e do uso de tecnologias educacionais é uma constante na educação. A escola é chamada a rever constantemente os meios que utiliza para facilitar os processos de aprendizagem. Nos últimos anos, as tecnologias digitais ganharam grande relevância, que foi intensificada durante a pandemia da Covid-19. É importante considerar que o uso de tecnologias digitais possui um grande potencial. As tecnologias podem muito, mas não podem tudo. É preciso evitar a ilusão de uma solução mágica para todos os desafios da educação. É fundamental também perceber outros dois aspectos: as tecnologias digitais quando ofertadas de maneira desigual reforçam e qualificam a exclusão que se espera superar. O segundo aspecto é que elas não devem ser percebidas como artifício para diminuição do custo professor no processo educacional. A educação pode ser facilitada por programas e plataformas, mas a sua autoria deve ser centrada na ação humana.

119. Uma educação pensada a partir da complexidade em que está mergulhada a sociedade é chamada a estabelecer diálogo permanente com diferentes atores sociais, com a comunidade local e com profissionais de diferentes áreas do conhecimento. Além disso, as práticas interdisciplinares e de colaboração entre as disciplinas da mesma e de outras áreas do conhecimento concorrem para a partilha dos saberes e promovem uma visão mais ampla sobre as diferentes questões que envolvem a vida, a pessoa, a sociedade e o planeta. A aproximação entre os próprios professores pode constituir um caminho para a formação de uma ordem profissional, o que permitiria melhor organização com fins de valorização dos trabalhadores da educação e, também, da efetivação dos processos democráticos, tão necessários à consolidação das instituições e da própria educação como um patrimônio intangível da humanidade.

Uma ação de inclusão digital, quando não acontece de forma equitativa, possui em seu bojo uma nova qualidade de exclusão social.”

2.15. Outros contextos educativos

128. A Constituição Federal, em seu artigo 205, ressalta que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família. Será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Ela é um direito subjetivo, inalienável e que deve ser garantido a todos os indivíduos. Entretanto, a educação existe mesmo onde não há escolas, extrapolando os muros das instituições de ensino. A educação popular, social e comunitária muito tem contribuído, em consonância com as instituições de ensino, ao longo da história, para a potencialização das pessoas e comunidades como sujeitos de direitos e de deveres. Ela se dá em uma sociedade democrática, que diariamente luta por políticas públicas estruturais e de Nação que acabam, pela sua inexistência ou ineficácia, em várias situações, ampliando a desigualdade e a violência contra as infâncias, adolescências e juventudes.

129. O contexto político-econômico-social que vivemos afetou a sociedade brasileira em seus diversos campos, ampliando, assim, as lacunas referentes aos direitos de momentos de aprendizagem dos estudantes na Educação Básica. No caso das instituições de ensino formal, houve o aumento da evasão e do abandono escolar, perdas significativas de aprendizagem. Ocorreu também a ampliação da desigualdade de acesso e permanência das oportunidades educacionais dos estudantes, o aumento do número de reprovações, além do adoecimento emocional dos profissionais da educação e dos estudantes. Quem mais tem sido impactado nos territórios da educação, em escolas e nos espaços educacionais não formais, foram e são os mais vulneráveis.

131. Os desafios para a efetivação de uma educação de qualidade são grandes. É preciso um olhar atento e empático para a educação quilombola, popular, indígena, com os surdos e deficientes visuais, que sofrem com diversos desafios, dentre os quais a formação de professores; a falta de uma política pública reparadora e afirmativa que atinja todos os territórios de aprendizagem; o abismo educacional, a falta de acesso e condições de permanência, tanto na Educação Básica como no Ensino Superior; a desconexão do currículo da escola formal para com as especificidades dessas comunidades e pessoas.

Entretanto, a educação existe mesmo onde não há escolas, extrapolando os muros das instituições de ensino.”materia-ancora (5)

136. É necessária uma abertura e sensibilidade no que se refere à realidade das pessoas que se encontram em uma situação de exclusão e tratamento discriminatório. Seja na educação formal, como também na não formal, a educação precisa ter marcas de testemunho profético, sendo ousada e aberta à utopia. Dessa forma, afeta, potencializa e transforma os indivíduos como atores-sujeitos sociais; uma educação que relaciona unidade e pluralidade. Atenta e disponível aos mais frágeis, que transmita conteúdos, hábitos, valores e virtudes, a partir da relação na proposição do encontro. Portanto, uma educação para o cuidado com a casa comum, que valoriza a dimensão lúdica, o diálogo e o respeito, que acompanha e ensina o verdadeiro, o belo e o bom,44 em todos os contextos sociais.

44 SAYAGO, Óscar Armando Pèrez. (Org.). O Projeto Educativo de Francisco. Curitiba: PUCPRESS, 2019. 352 p.
137. É importante ir além dos muros das instituições de ensino e experenciar as diversas oportunidades presentes no desenho dos territórios educativos em um contexto de crescente singularidade de grupos populacionais em convivência, acelerado pelos processos de globalização e das mobilidades e geridos pelo diálogo multicultural.45 Fortalecer o prisma da multiculturalidade e interculturalidade nos sistemas educacionais demanda uma nova práxis dos educadores e de perspectivas da educação, que precisa ser dialógica e que rompe com a imposição de silêncios.

45 O multiculturalismo aqui abordado é aquele que pressupõe a igual dignidade entre os seres humanos, em que nenhuma cultura se sobrepõe a outra, porém todas devem, harmoniosamente, conviver e manifestar-se nas suas diferenças, garantindo a identidade própria de cada cultura, sua diversidade cultural e o reconhecimento das minorias (LEGRAMANDI, Aline Belle; GOMES, Manuel Tavares. Insurgência e resistência no pensamento freiriano: propostas para uma pedagogia decolonial e uma educação emancipatória. Revista @mbienteeducação, [S.I.], v. 12, n. 1, p. 24-32, jan. 2019. ISSN 1982-8632. Disponível em: http://publicacoes.unicid.edu.br/index.php/ambienteedicacao/article/view/669/636. Acesso em: 14/4/2021).

138. Para uma prática dialógica educativa, é necessário ainda promover uma vivência participativa e cristã, de abertura ao mundo e aos outros, pois “o sujeito que se abre ao mundo e aos diferentes saberes inaugura, com seu gesto, a relação dialógica que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história”.46

46 Malgesini, G. & Giménez, C. (2000). Guia de conceptos sobre migraciones, racismo e interculturalidad. Madrid: Los libros de la Catarata.

3. DISCERNIR

3.3. Horizontes próprios da educação cristã

3.3.3. Educação para todos

187. Sendo a educação o meio que propicia o amadurecimento integral da pessoa, a humanização, a Igreja compreende que se trata de um direito universal, seja na infância e juventude, seja na formação continuada do adulto, para que cada pessoa possa desenvolver as suas próprias capacidades e colaborar com a sociedade. 70 “Ao direito inalienável a uma educação digna, corresponde, da parte da sociedade, uma obrigação, também fundamental, de propiciar os meios necessários para que tal direito democrático seja concretizado para todos”, e, nesse sentido, “o Estado, administrador dos recursos que recebe da sociedade, deve providenciar, de modo equitativo, a distribuição dos meios que possam garantir o maior rendimento para a efetivação do direito de todos ao acesso à educação”.71

70 GE, n. 3; cf. CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Gaudium et Spes. In: SANTA SÉ. Concílio Ecumênico Vaticano II: Documentos. Brasília: Edições CNBB, 2018, p. 199-329, n. 60

71 CNBB. Educação, Igreja e sociedade. (Documento da CNBB, 47), n. 76.

188. Como direito universal, é importante que haja diversidade de ofertas, entre as quais a educação cristã. De forma que, servindo-se de seus direitos, as famílias cristãs possam escolher instituições e processos educativos que estejam de acordo com seus princípios e crenças.72 Assim, é necessária a garantia da coexistência de diferentes propostas educativas, entre as quais a cristã, de forma a garantir o direito das famílias de optarem por uma educação em continuidade com seus valores,73 pois os filhos não podem ser obrigados a frequentar aulas que estejam em desacordo com a fé.74

72 GE, n. 3.

73 Ibidem, n. 6; cf. CELAM. Documento de Aparecida: Documento Conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Brasília-São Paulo: Edições CNBB-Paulus-Paulinas, 2008, n. 339.

74 CONCÍLIO VATICANO II. Declaração Dignitatis Humanae: sobre a liberdade religiosa. In: SANTA SÉ. Concílio Ecumênico Vaticano II: Documentos. Brasília: Edições CNBB, 2018, p. 669-688, n. 5.

189. Uma vez que contribui para o progresso da sociedade, a responsabilidade pela educação é compartilhada por diversas instâncias, como “os meios de comunicação social, as múltiplas organizações de atividades culturais e esportivas, os agrupamentos juvenis e, sobretudo, as escolas”,75 em uma relação de subsidiariedade76 em que a família aparece como a primeira responsável,77 mas não a única. Ao poder público cabe garantir o acesso universal respeitando as opções das famílias quanto ao projeto educativo.

75 GE, n. 4.

76 Ibidem, n. 3.

77 Ibidem, n. 6.

Ao poder público cabe garantir o acesso universal respeitando as opções das famílias quanto ao projeto educativo.”

materia-ancora (1)
190. Uma educação para todos requer que todos — família, escola, sociedade — estejam pactuados para oferecer os melhores esforços para formar pessoas maduras e com responsabilidade na construção do bem comum. Essa é a proposta do Papa Francisco com o Pacto Educativo Global, cujos compromissos atualizam os critérios para uma educação autenticamente cristã. É preciso ter sempre presente esses compromissos e mobilizar todos os atores sociais para:78

1º) colocar no centro de cada processo educativo — formal e informal — a pessoa, o seu valor e a sua dignidade, para fazer emergir a sua especificidade, a sua beleza, a sua singularidade e, ao mesmo tempo, a sua capacidade de estar em relação com os outros e com a realidade que a rodeia, rejeitando os estilos de vida que favorecem a difusão da cultura do descarte;

2º) ouvir a voz das crianças, dos adolescentes e dos jovens a quem transmitimos valores e conhecimentos, para construir juntos um futuro de justiça e paz, uma vida digna para toda pessoa;

3º) favorecer a plena participação das meninas e dos jovens na instrução;

4º) ver na família o primeiro e indispensável sujeito educador;

5º) educar e educarmo-nos para o acolhimento, abrindo-nos aos mais vulneráveis e marginalizados;

6º) empenhar-nos no estudo para encontrar outras formas de compreender a economia, a política, o crescimento e o progresso, para que estejam verdadeiramente a serviço do homem e da família humana inteira na perspectiva de uma ecologia integral;

7º) guardar e cultivar a nossa casa comum, protegendo-a da exploração dos seus recursos, adotando estilos de vida mais sóbrios e apostando na utilização exclusiva de energias renováveis e respeitadoras do ambiente humano e natural, segundo os princípios de subsidiariedade e solidariedade e da economia circulante.

78 FRANCISCO. Mensagem em vídeo por ocasião do encontro promovido pela Congregação para a Educação Católica, quinta-feira, 15 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/pont-messages/2020/documents/papa-francesco_20201015_videomessaggio-global-compact.html.

3.5. Educar para o diálogo

204. Jesus também educa pelo diálogo. Sua capacidade de iniciar uma conversa com os seus interlocutores demonstra seu apreço ao uso da palavra como meio de envolver a pessoa em sua inteligência, memória e afetos. A disposição de Jesus em ouvir os pedidos, os relatos de dor e sofrimento e as perguntas é sinal de uma pedagogia em que o ensino está associado interativamente ao reconhecimento do outro como pessoa capaz de compreender e de agir iluminado por uma nova luz. Subjaz uma compreensão do ser humano como ser de razão e da palavra.

205. Essa pedagogia do diálogo, presente em outras tradições culturais e filosóficas, foi assumida na comunidade eclesial a partir da exemplaridade de Jesus, desde a forma literária de uma das mais antigas obras da patrística, como Diálogo com Trifão de Justino de Roma, até as mais recentes metodologias sinodais. No âmago da evangelização e da educação na perspectiva cristã, aposta-se no diálogo como atitude fundamental para relações saudavelmente humanizadas. Ensina o Vaticano II a importante relação entre fraternidade e diálogo: “Para cultivar boas relações humanas, convém promover os verdadeiros valores humanos, e de maneira especial a arte de conviver fraternalmente, de cooperar, bem como a arte de dialogar”.84

84 CONCÍLIO VATICANO II. Decreto Apostolicam Actuositatem. In: SANTA SÉ. Concílio Ecumênico Vaticano II: Documentos. Brasília: Edições CNBB, 2018, p. 481-528, n. 29.

209. Diálogo não significa concordar com tudo. Ele se estabelece com quem está aberto a essa experiência enquanto compromisso de amor. Isso implica não negociar o que é inegociável nas convicções de cada um e de cada grupo. Uma educação que provoca a cultura do diálogo é capaz de identificar e nomear lugares, situações e ambientes onde a intolerância, a violência e o ódio são disseminados e, assim, refletir suas causas e buscar soluções para sua superação. “Em uma sociedade pluralista, o diálogo é o caminho mais adequado para reconhecer o que sempre deve ser afirmado e respeitado”.87 A escola e a universidade, por suas características plurais, são um campo fértil para verdadeiras experiências do encontro, do diálogo, da reflexão e do olhar atento sobre a realidade.

87 FT, n. 211.
4. AGIR

4.4. Educar é iniciar processos

245. O que podemos aprender com a pandemia para iniciar novos processos que contribuam para o nascimento de uma nova realidade educacional? A descoberta de nossa vulnerabilidade pode ser a ocasião para nascer uma nova força de cooperação. Tudo está interligado. Não existe solução fácil para problemas difíceis. Priorizar a educação supõe empenho concreto que vai desde a família até a elaboração de políticas públicas. Iniciar processos a partir de pequenas práticas e perseverança nos propósitos estabelecidos.

246. A pandemia nos possibilitou a redescoberta da compaixão e da misericórdia de Deus, expressa, tanto na oração pelos enfermos, pelas vítimas, como na prática da solidariedade com os pobres, sobretudo aqueles em situação de fome, vulnerabilidade social e insegurança alimentar. A Ação Solidária Emergencial da Igreja no Brasil, “É tempo de cuidar”, testemunha essa realidade.

4.5. Avaliar o compromisso com a educaçãomateria-ancora (2)

268. Não há dúvidas de que a qualidade da educação depende da participação de todos os atores envolvidos em um clima de apoio e solidariedade. Avaliar o esforço e o compromisso com a educação no lugar onde moramos é um passo importante para construir caminhos novos que conduzam a uma educação de qualidade.

269. Será que compreendemos de fato o modelo de educação que está sendo vivenciado hoje? Como traduzir e transmitir a fé no âmbito da educação? Como está o acesso à educação em nossa comunidade? Os pobres têm as mesmas oportunidades, o mesmo acesso e as mesmas condições? Como está a participação da família na educação?

270. Os planos de Educação desde o âmbito federal, estadual e municipal estão sendo preparados, discutidos e seguidos? Como a população participa desse processo? Qual o envolvimento dos pastores (padres, diáconos, bispos, vida religiosa) nesse processo? Nós mesmos conhecemos esses planos e como estão sendo implementados?

271. Existe uma integração entre o governo federal, estadual e municipal, de modo que cada um cumpra com sua responsabilidade na educação? Como as organizações sociais, instituições envolvidas no trabalho educacional são apoiadas, acompanhadas e fiscalizadas? As políticas educacionais estão tendo a devida continuidade ao longo dos governos? Os problemas estão sendo adequadamente detectados e estão sendo feitas propostas para superá-los?

272. Quais são os pontos fortes e as carências de nossas escolas? Como integrar famílias e escola em um processo educacional que exige várias frentes de atuação? A escolas estão sendo apoiadas e recebendo recursos para superar suas limitações? Se não estão recebendo, o que está sendo concretamente feito para superarmos essa situação?

273. Existe verdadeira participação da comunidade e das famílias na gestão das escolas? Os professores recebem o apoio e a consideração necessária para desenvolver o seu trabalho? Quando existem problemas e conflitos, as famílias podem dialogar com a escola e com os professores em busca das melhores soluções? Qual a ideia que temos de educação quando confiamos nossos filhos às instituições de ensino? O foco está somente no aspecto intelectual, técnico, científico ou existe um real interesse pela educação integral?

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Campanha da Fraternidade
2022: Texto-Base. Brasília: Edições CNBB,
2021.
Textos extraídos do livro: Texto-Base Campanha
da Fraternidade 2022. Págs. 29, 30, 31, 32, 34,
36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 49, 51, 54, 55, 56, 57,
73, 74, 79, 80, 92, 93, 94, 103, 104.
www.edicoescnbb.com.br

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