Edição 34

Matérias Especiais

Como Desenvolver a Capacidade de Aprender

Vicente Martins

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São três os fatores que influem no desenvolvimento da capacidade de aprender: primeiramente, a atitude de querer aprender. É preciso que a escola desenvolva, no aluno, o aprendizado dos verbos querer e aprender, de modo a motivá-los para conjugá-los assim: eu quero aprender. Tal comportamento exigirá do aluno, de logo, uma série de atitudes como interesse, motivação, atenção, compreensão, participação e expectativa de aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser pessoa.

O segundo fator diz respeito às competências e habilidades, no que poderíamos chamar, simplesmente, de desenvolvimento de aptidões cognitivas e procedimentais. Quem aprende a ser competente desenvolve um interesse especial de aprender. No entanto, só desenvolvemos a capacidade de aprender quando aprendemos a pensar. Só pensamos bem quando aprendemos métodos e técnicas de estudo. É esse fator que garante, pois, a capacidade de auto-aprendizagem do aluno.

O terceiro fator refere-se à aprendizagem de conhecimentos ou conteúdos. Para tanto, a construção de um currículo escolar, com disciplinas atualizadas e bem planificadas, é fundamental para que o aluno desenvolva sua compreensão dos ambientes natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade, conforme o que determina o art. 32 da LDB.

Uma pergunta, agora, advém: saber ensinar é tão importante quanto saber aprender? Responderei assim: há um ditado, no meio escolar, que diz: “Quem sabe ensina”. Muitos sabem conhecimentos, mas poucos ensinam a aprender. Ensinar a aprender é ensinar estratégias de aprendizagem. Na escola tradicional, o P, maiúsculo, significa Professor-representante do Conhecimento; o C, maiúsculo, significa Conhecimento acumulado historicamente na memória social e na memória do professor; e o a, minúsculo, significa o aluno, que, a rigor, para o professor e para a própria escola, é tábula rasa, isto é, conhece pouco ou não sabe de nada. Isso não é verdade. Saber ensinar é oferecer condições para que o discípulo supere, inclusive, o mestre. Numa palavra: ensinar é fazer aprender a aprender, de modo que o modelo pedagógico desenvolva os processos de pensamento para construir o conhecimento, que não é exclusividade de quem ensina ou aprende.

É papel dos professores levar o aluno a aprender para conhecer, o que pode ser traduzido por aprender a aprender, em que o aluno é capaz de exercitar a atenção, a memória e o pensamento autônomo.

As maiores dificuldades dos docentes residem nas deficiências próprias do processo de formação acadêmica. Nas universidades brasileiras, os cursos de formação de professores (as chamadas licenciaturas) se concentram muito nos conteúdos que vêm de ciências duras, mas se descuidam das competências e habilidades que deve ter o futuro professor, em particular, o domínio de estratégias que permitam a ele se comportar de modo eficiente, autônomo e estratégico.

Os docentes enfrentam dificuldades de ensinar a aprender, isto é, desconhecem, muitas vezes, como os alunos podem aprender e quais os processos que devem realizar para que seus alunos adquiram, desenvolvam e processem as informações ensinadas e apreendidas em sala de aula. Nesse sentido, o trabalho com conceitos como aprendizagem, memória sensorial, memória de curto prazo, memória de longo prazo, estratégias cognitivas, quando não bem assimilados, no processo de formação dos docentes, serão convertidos em dores de cabeça constantes, quando o docente ensina, mas não tem a garantia de que está, realmente, ensinando a aprender. A noção de memória é central para quem ensina a aprender.

As maiores dificuldades dos alunos residem no aprendizado de estratégias de aprendizagem. A leitura, a escrita e a matemática são meios ou estratégias para o desenvolvimento da capacidade de aprender. Entre as três, certamente, a leitura, especialmente a compreensão leitora, tem o seu lugar de destaque. Ler para aprender é fundamental para qualquer componente pedagógico do currículo escolar. Através dessa habilidade, a leitura envolve a atividade de ler para compreender, exigindo que o aluno, por seu turno, aprenda a concentrar-se na seleção de informações relevantes no texto, utilizando, para tanto, estratégias de aprendizagem e avaliação de eficácia.

Aprender, pois, a selecionar informação é uma tarefa pedagógica de quem ensina e um desafio cognitivo para quem aprende. A escola e a família são instituições ainda muito conservadoras. Nisso, por um lado, não há demérito, mas às vezes também não há mérito. No Brasil, muitas escolas utilizam procedimentos do século XVI, do período jesuítico, como a cópia e o ditado. Nada contra os dois procedimentos, mas sem que tenham uma fundamentação pedagógica e que valorizem a escrita criativa do aluno, decerto terão pouca repercussão no seu aprendizado.

Muitas escolas, por pressões familiares, não discutem temas como sexualidade, especialmente a vertente homossexual. Sexualidade é tabu no meio familiar e no meio escolar, mesmo numa sociedade que enfrenta uma síndrome grave como a Aids. A escola ensina, como paradigma da língua-padrão, regras gramaticais com exemplário de citações do século XIX e não aceita a variação lingüística de origem popular, que traz marcas do padrão oral e não-escrito. E assim por diante. São exemplos de que a escola é realmente conservadora.

Isso acontece também com as pedagogias. Tivemos a pedagogia tradicional, a escolanovista, a piagetiana, a vigostkyana e já falamos em uma pedagógica pós-construtivista com base na teoria de Gardner. Umas cuidam plenamente de um aspecto do aprendizado como o conhecimento, mas se descuidam completamente da capacidade cognitiva e metacognitiva, dos interesses e das necessidades dos alunos.

Na história educacional, no Brasil, os dados mostram que quanto mais teoria educacional mirabolante, menos conhecemos o processo ensino–aprendizagem e mais tendemos, também, a reforçar um distanciamento professor–aluno, porque as pedagogias tendem a reduzir ações e espaços de um lado ou do outro. Ora o professor é sujeito do processo pedagógico, ora o aluno é o sujeito aprendente. O desafio, para todos nós, é o equilíbrio que vem da conjugação dos pilares do processo de ensino–aprendizagem: mediação, avaliação e qualidade educacional.

Seja como for, o importante é que os docentes tenham conhecimento dessas pedagogias e possam criar modelos alternativos para que haja a possibilidade de o aluno aprender a aprender, ou seja, ser capaz de descobrir e aprender, por ele mesmo ou em colaboração com outros, os procedimentos, os conhecimentos e as atitudes que atendam às novas exigências da sociedade do conhecimento.

A Constituição Federal, no seu art. 205, e a LDB, no seu art. 2o, preceituam que a educação é dever da família e do Estado. Em diferentes momentos, a família é convocada, pelo poder público, a participar do processo de formação escolar: no primeiro instante, matriculando, obrigatoriamente, seu filho em idade escolar no Ensino Fundamental. No segundo instante, zelando pela freqüência à escola, e, num terceiro momento, articulando-se com ela, de modo a assegurar meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento, zelando, com os docentes, pela aprendizagem dos alunos.

O papel da família no desenvolvimento da capacidade de aprender é tarefa de natureza legal ou jurídica e deve ser, pois, o de articular-se com a escola e seus docentes, velando, de forma permanente, pela qualidade de ensino.

O papel da família é de zelar, a exemplo dos docentes, pela aprendizagem. Isso significa acompanhar de perto a elaboração da proposta pedagógica da escola, não abrindo mão de prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento ou em atraso escolar, bem como assegurar meios de acesso aos níveis mais elevados de ensino, segundo a capacidade de cada um.

As mídias convencionais ou eletrônicas apontam para uma revolução pós-industrial centrada no conhecimento. Estamos na chamada sociedade do conhecimento, em que um aprendiz dedicado à pesquisa pode, em pouco tempo, superar os conhecimentos acumulados do mestre. E tudo isso é bom para quem ensina e para quem aprende.

O conhecimento é possível de ser democraticamente capturado ou adquirido por todos: todos estão em condições de aprendizagem. Claro, a figura do professor não desaparece, exceto o modelo tradicional, do tipo sabe-tudo, mas passa a exercer um papel de mediador ou instrutor ou mesmo um facilitador na aquisição e no desenvolvimento da aprendizagem.

A tarefa do mediador deve ser, então, a de buscar orientar, diante das diversas fontes disponíveis, especialmente as eletrônicas, os melhores sites, indicando links que realmente trazem a informação segura.

Infelizmente, por uma série de fatores de ordem socioeconômica, muitos docentes não acessam a Internet e, o mais grave, já sofrem a conseqüência dessa limitação, levando, para a sala de aula, informações desatualizadas e desnecessárias para os alunos, especialmente em disciplinas como História, Biologia, Geografia e Língua Portuguesa.

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Vicente Martins é palestrante e professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, Ceará.
E-mail: vicente.martins@uol.com.br

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