Edição 65

Em discussão

Como é que se constrói a inteligência da criança?

Luís Lobo

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Toda criança já nasce com inteligência, isto é, com a capacidade de aprender ou compreender, com percepção e capacidade de se adaptar. Mas quanto maior é a sua experiência, mais aprende. E quanto mais aprende, mais se desenvolve mentalmente. E quanto mais se desenvolve, mais aprende. E quanto mais ela aprende, mais experiência ganha. O que quer dizer que a inteligência se constrói de forma contínua, não é estática, melhora com o próprio uso. Estudos neurológicos provam que a utilização do cérebro estimula a formação de novas conexões entre os neurônios (as chamadas sinapses), facilitando a comunicação entre as células e favorecendo o processo do pensar.

A organização mental começa com os primeiros movimentos que o bebê faz e com a sua percepção destes. O que quer dizer que amarrar um recém-nascido na manta e impedi-lo de movimentar-se é um atentado contra o seu desenvolvimento físico e intelectual. A liberdade é fundamental para o desenvolvimento do bebê e da criança, tanto quanto o é para o adolescente e para o adulto. Só que, privados de liberdade, adolescentes e adultos podem recuperar o tempo perdido. Para o bebê e para a criança pequena, qualquer constrangimento aos seus movimentos e qualquer restrição grave à conquista do seu espaço geográfico vai ser extremamente prejudicial ao seu desenvolvimento integral. O crescimento deve ser um processo global, integrado, contínuo, emocional, intelectual e físico. Por isso mesmo a importância do amor (traduzido para a compreensão do bebê em carinho e atenção) e da liberdade.

Desde o primeiro minuto de vida, o bebê mostra-se sensível e receptivo ao estado de ânimo das pessoas em volta, especialmente da mãe. Dos inúmeros estímulos que ele recebe do meio ambiente, o que mais importa para ele é a atenção da mãe. O amor, para o recém-nascido e para a criança pequena, só é compreensível através de estímulos físicos: presença, contato direto, o cheiro, a voz. E é a partir do amor que o bebê realiza sua primeira tarefa na vida: organizar mentalmente o mundo que o cerca para poder entendê-lo e para situar-se. É uma tarefa pesada, que requer todo o apoio possível e bastante estímulo, amor e liberdade.

Sem amor, ele não tem confiança e, sem liberdade, não tem oportunidade para a prática de viver. Um educador inglês, A. S. Neill, afirma que as crianças “não necessitam tanto de ensino quanto de amor e compreensão”. Pais realmente amorosos e atentos são os que têm a capacidade de criar bem.

Uma série de experiências comprova que os bebês reconhecem a voz da mãe e reagem mais a ela. Também reconhecem a voz do pai, mas não se sabe exatamente por que reagem menos a ela. Isso significa que a mãe tem um papel fundamental no desenvolvimento intelectual do bebê. Em primeiro lugar, com a sua presença. Em segundo lugar, atendendo às necessidades básicas da criança, o que lhe transmitirá confiança. Em terceiro lugar, estimulando os seus sentidos.

O papel da mãe e do pai é criar uma situação amiga, segura e permissiva, para que a criança possa agir e reagir de modo natural. É entender ou procurar entender as necessidades e reações da criança, ser capaz de observá-la para compreendê-la. É ter convivência suficiente para conquistar-lhe a compreensão. É respeitar a criança como pessoa, única, ajudá-la a enfrentar dificuldades, a tomar decisões, a experimentar, a aceitar regras e limites, a assumir responsabilidades, a tentar novamente quando for preciso.

A inteligência natural da criança desenvolve-se quando reconhecemos as suas competências, confiamos nela, apoiamos suas iniciativas, admitimos sua liberdade. “Amar é a palavra-chave para a segurança física e emocional”, escreve Neill. E é essa segurança que permite o desenvolvimento natural da inteligência.

Carl Rogers, autor de Liberdade para Aprender, tem razão: nossa sociedade precisa de criaturas livres, criativas, inovadoras, e não de repetidoras da ciência e do comportamento do passado. Só crianças criadas com amor e liberdade são livres, criativas e inovadoras, exatamente porque não têm medo de experimentar, além de terem apoio e confiança para tentar.

LOBO, Luís. Escola de Pais: Para que seu Filho Cresça Feliz. Rio de Janeiro: Lacerda, 1997.

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