Edição 30
Matérias Especiais
Como lidar com a Baixa Freqüência Escolar
Vicente Martins
Como as escolas públicas e privadas podem lidar com a infreqüência escolar, especialmente quando alunos e docentes faltam às horas-aula ou têm baixa freqüência aos dias letivos? Na jornada escolar, que entendimento devemos ter do período letivo? No presente artigo, pretendo responder às duas questões acima levantadas com base nas concepções sobre a freqüência interpretadas à luz da Constituição Federal (1988) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a Lei nº 9.394, promulgada em 1996.
Comecemos, então, pelo art. 206 da Constituição Federal (1988). Entre os diversos princípios enumerados no referido artigo, o primeiro refere-se à igualdade de condições para o acesso e a permanência dos alunos na escola. Mais adiante, no art. 208, o legislador, ao tratar sobre o dever do Estado com a educação, determina que o mesmo será efetivado mediante várias garantias de acessibilidade à escola, estabelecendo, como competência do Poder Público, o recenseamento dos educandos no Ensino Fundamental e outras ações como a de fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola (§ 3º). Essas prescrições da Constituição Federal migraram, ipsis litteris, para a LDBEN.
O conteúdo do § 3º do art. 208 da Constituição Federal é reproduzido, em 1996, no art. 5º da LDBEN. A lei reafirma que cabe ao Poder Público zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola. Portanto, aqui o dispositivo é mais aplicável para diretores, coordenadores e professores das redes estadual e municipal de ensino, enquanto agentes do Poder Público, e como os estabelecimentos privados de ensino seguem as orientações nacionais, o zelo pela freqüência é uma tarefa também dos pais ou responsáveis.
A infreqüência de professores e alunos aos estabelecimentos de ensino — aqui entendida como falta de freqüência às horas-aula, ou a baixa freqüência aos dias letivos — fere, portanto, os ditames legais da Constituição Federal e da sua legislação correlata, a LDBEN.
No art. 12, inciso VII, da LDBEN, cabe aos estabelecimentos de ensino informar aos pais, aos responsáveis ou mesmo aos alunos, quando na maioridade, sobre sua freqüência e seu rendimento acadêmico, bem como sobre a execução da proposta pedagógica ou do projeto pedagógico do estabelecimento de ensino.
Ainda no referido art. 12, inciso III, cabe às instituições assegurarem o cumprimento dos dias letivos e das horas-aula estabelecidos. Como sabemos, nos estabelecimentos de educação escolar, existem dias letivos e horas letivas ou horas-aula, duas categorias importantes do chamado período letivo. Por hora-aula, devemos entender o espaço de tempo estipulado para o desenvolvimento de uma aula, isto é, o período em que o professor desempenha atividade docente com os alunos, em grupo ou individualmente. Em geral, a duração de cada hora-aula é de 50 minutos.
No âmbito da jornada escolar, o dia letivo pode ser tomado como em duas acepções: a primeira, como de trabalho escolar efetivo. Isso quer dizer, como prescreve a LDBEN, que o dia letivo não compreende aqueles reservados às provas finais ou aos resultados de recuperação. Uma segunda acepção compreende que o dia letivo é aquele em que os alunos ocupam seu tempo em atividades relativas ao desenvolvimento do currículo, na escola ou fora dela (visitas, excursões ou viagens, desde que devidamente planejadas). Assim, quando o professor vai à escola, mesmo não ministrando horas-aula, está ministrando (observe que estou repetindo o verbo no gerúndio) seus dias letivos.
Quanto à freqüência ou infreqüência escolar dos docentes, o que se deve entender, enfim, nesse particular, é que a freqüência no âmbito escolar deve ser entendida como sinônimo de assiduidade, isto é, se efetiva, legalmente, quando o docente: (1) se faz presente constantemente no estabelecimento de ensino; (2) não falta às suas obrigações; e (3) se aplica, outrossim, quando o docente executa com tenacidade as suas tarefas acadêmicas (ensino, pesquisa, extensão, administração). Em substância, ser assíduo, ao pé da letra, como se pode sugerir da forma latina assidùus, é o docente estar sempre presente, em corpo e espírito, no estabelecimento de ensino.
O art. 12, no seu inciso IV, diz que cabe às instituições de ensino a incumbência de velar (aqui, o verbo significa “cuidados, proteção a; tratar de, interessar-se, dedicar-se, zelar, proteger”) pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente (PTD). Grifaria o pronome cada para dizer que é da incumbência do estabelecimento de ensino interessar-se e zelar pelo PTD de cada docente.
No caso das universidades, vale destacar o que prescreve o art. 47 da LDBEN, em referência à educação superior, referindo-se o ano letivo regular, ao determinar que é obrigatória a freqüência de alunos e professores, salvo no caso da educação a distância.
Assim, a freqüência é obrigatória, particularmente nos seguintes casos: (1) quando se refere a uma obrigação imposta por lei, no caso a Lei nº 9.394 (LDBEN); e (2) no caso de pressão moral da comunidade universitária (docentes, alunos e funcionários). Como imposição de lei, no caso a LDBEN, em geral, os docentes têm obedecido efetivamente à lei à medida que cada profissional de educação escolar cumpre, conforme sua carga horária de trabalho, a tarefa de ministrar os dias letivos e as horas-aula.
No tirante à pressão moral, o que nos leva a evocar aqui uma questão de ordem ética, a verdade é que a maioria dos docentes, em sala de aula, busca oferecer boas condições de ensino aos nossos alunos, de ofertar à comunidade um ensino de qualidade, um ensino voltado à aprendizagem do aluno, esforço traduzido, eticamente, como um caráter imperativo na relação interpessoal professor–aluno que se impõe à consciência de cada profissional de educação escolar, sem a necessidade de coerção física ou terrorismo psicológico por parte dos gestores escolares, diretores ou coordenadores dos estabelecimentos de ensino.
Uma última palavra é a seguinte: é papel dos estabelecimentos de ensino, quanto à freqüência dos docentes às aulas, tomar, sempre, como guia de acompanhamento profissional, o que prescreve a LDBEN, diretriz importante para o trabalho escolar. O art. 13 da LDBEN diz que, entre as incumbências dos docentes (a rigor, os professores com cargos públicos ou contratados segundo as normas trabalhistas da CLT), está a de ministrarem “dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional”.
Fora do ordenamento jurídico, especialmente o do parâmetro estabelecido pela LDBEN, qualquer instituição de ensino — pública ou privada, municipal, estadual ou federal — que negue o princípio de liberdade de ensinar do docente e a liberdade de aprender do aluno está fora da lei, em desobediência civil.
Numa exegese simples, significa que os docentes devem ministrar os dias letivos, dentro ou fora do estabelecimento de ensino, com ou sem a presença dos alunos, como no caso do tempo de preparação para suas atividades didáticas em sala de aula. De outro modo, aos docentes deve ser assegurada a tarefa de ministrar horas-aula, dentro ou fora também dos estabelecimentos de ensino, sendo que, nesse caso, unicamente nessa situação, com a presença obrigatória dos alunos.
Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, Estado do Ceará.
E-mail: vicente.martins@uol.com.br