Edição 59

Matérias Especiais

Como poderiam ser as estratégias de aula para os alunos resilientes?

Celso Antunes

Uma escola resiliente teria que tipo de aulas?

Apenas aulas expositivas?

Aula expositiva, no seu sentido tradicional, em que o professor se coloca, de forma prepotente, como proprietário do conhecimento para, em doses homeopáticas, passá-lo a seus alunos, obviamente não, mas o método usado pelos professores em uma escola resiliente pode abrigar momentos de aula em que o professor expõe saberes, sintetizando e organizando informações. A exposição pode e deve, muitas vezes, abrigar a formulação de questões, a estimulação dos debates e a coleta de conclusões, passando a todos as diferentes propostas dos alunos reunidos em grupo. Mas mesmo uma aula expositiva com essas características deve se alternar com muitas outras, que, a título de exemplo, sugerimos com destaque:

• Os jogos operatórios

Os jogos operatórios são propostas de trabalho em grupo nas quais as ações cooperativas desenvolvidas entre os alunos visam buscar a solução para um problema proposto pela equipe docente. Dessa maneira, esses jogos — jogo de palavras, jogo do telefone, autódromo, cochicho e muitos outros — reproduziriam, dentro da sala de aula, uma busca de soluções em que o grande adversário a vencer seria o conteúdo do próprio desafio. Assim, as equipes não estariam disputando entre si, mas buscando, na solidariedade e no companheirismo, as saídas aos desafios propostos. Guardando-se as devidas proporções, cada jogo operatório representa um enigma oculto que exige estudo coordenado e esforço recíproco para chegar à solução. Esta, por sua vez, abriga diferentes respostas, de tal maneira que duas ou mais equipes podem igualar-se na excelência ainda que apresentando conclusões diferentes. O que vale não é “adivinhar a resposta que o professor guarda”, mas identificar caminhos para se chegar a ela. Mais importante que marcar este ou aquele jogo operatório é planejá-los como alternativas de um método de ensino através do qual diferentes estratégias conduzem à identidade de uma meta claramente delineada no currículo e nos objetivos perseguidos. Nas sugestões bibliográficas que se apresentarão ao final, diversas obras tratam de diferentes tipos de jogos operatórios e suas regras.

• A técnica das metáforas

A metáfora é outra excelente ferramenta para se consolidar a aprendizagem e implica em realizar conexões entre palavras ou ideias que normalmente podem parecer não estabelecer relação entre si, mas possuem algo em comum. Dessa maneira, uma fábula, um conto, uma anedota, uma ocorrência no pátio, uma notícia trazida por um aluno pode estimular a relação entre um tema que se pesquisa ou que já se pesquisou. É evidente que o uso da metáfora, tal como acima se explicou, será inútil como processo metodológico se ela chegar “pronta” para o aluno. Ao contrário, as metáforas devem estimular reflexões, e todas as significativas devem ser acolhidas.

Por exemplo: qual a relação entre o desempenho da seleção de vôlei da escola e a questão da seca nordestina? Os professores podem — e devem — buscar essas conexões, mas os caminhos percorridos serão apenas modelos estimuladores de outros que os alunos, individualmente ou em grupo, deverão buscar. Para que o emprego de metáforas mostre-se produtivo, dois fundamentos necessitam estruturá-las:

1. É essencial que se decida qual princípio geral está efetivamente envolvido no tema. No exemplo exposto, cabe decidir aonde a metáfora levará o aluno. Saber que existe seca em parte expressiva do território brasileiro? Identificar suas causas meteorológicas? Compreender o drama social que ela ocasiona? Perceber o envolvimento político que o tema encerra? Todos esses ou alguns desses quesitos?

2. Selecionar uma ideia que seja adequada à busca metafórica, jamais improvisando. O trabalho com metáforas não pode surgir de forma ocasional, apoiando-se no conceito de que duas ideias distintas sempre abrigam conexões. Uma fábula, muitas vezes, comunica muito bem o conceito que se busca associar; outras vezes, não. Associar, por exemplo, a fábula do lobo e do cordeiro à prepotência do mais forte e vê-la diluída em muitos esquemas sociais representa uma metáfora, mas essa mesma fábula provavelmente nada tem de associativo ao máximo divisor comum.

O uso de metáforas incentiva os alunos a desenvolverem conexões entre as ideias e a matéria acadêmica, descobrirem padrões subjacentes nas conexões, desenvolverem uma escrita crítica, estimulando o interesse pelos conteúdos explicados e propiciando campo aberto a múltiplos questionamentos.

• O estudo de casos

Os estudos de casos possuem objetivos mais ou menos similares com o ensino através de metáforas, pois, em última análise, visam associar o caso a ser examinado a um conteúdo acadêmico que se propõe desenvolver. A grande diferença é que a metáfora representa uma associação “aberta” e, portanto, não necessariamente exemplar, e o “caso” a ser exposto e discutido constitui um paradigma fechado. O estudo de casos, entretanto, pode ser exposto ou narrado tal como aconteceu, mas sua discussão deve propor alternativas divergentes do ocorrido. O filme a que se assistiu constitui, em muitas circunstâncias, um “caso” a se estudar, pois, se não é dado aos alunos inventar o enredo, já que o mesmo já está exposto, será sempre interessante estimulá–los à criatividade de propor outros caminhos, outros finais para a solução que se viu. Muitas vezes, os professores indagam como conseguir casos para seu uso em sala de aula ou, ainda, navegam na improvisação de aguardar que eventualmente ocorram para então explorá-los. Não acreditamos que possa existir uma relação “pronta” de casos, pois a realidade escolar é sempre intransferível — e o caso, excelente para alguns, poderá mostrar-se inócuo para outros —, assim como não aceitamos que seu surgimento possa manifestar-
-se de forma improvisada.

Preferimos acreditar que os casos são sempre descobertos quando existe a procura e que um grupo de professores empenhados em relacioná-los, pelos próprios passos e experimentos, pela própria vida e pelos próprios desafios, a eles chegarão.

• A resolução de problemas

Ainda uma vez é possível confundir-se a estratégia sobre a solução de problemas com o uso de metáforas ou estudos de casos. É evidente que uma metáfora ou um caso debatido pode abrigar solução a um problema, mas a estratégia conhecida por esse nome implica em um modelo diferente, estruturado através de sete componentes fundamentais:

1. Identificar o problema sabendo associá-lo ao conteúdo a ser transmitido. Existem inúmeros temas curriculares — a lei da gravidade, por exemplo — que não simbolizam qualquer problema, mas sua existência pode vir a se constituir em um problema a partir do uso que deles se pretende fazer. No desvio de um curso fluvial para irrigar uma plantação, a lei da gravidade pode vir a ser o maior problema a ser enfrentado.

2. Pesquisar dados e informações. Não será possível proporem-se debates visando à solução de um problema se os debatedores se apresentarem “vazios” de conteúdos, informações, conhecimentos, pensamentos e opiniões que envolvam a questão debatida.

3. Desdobrar o problema. Nesta etapa, o problema necessita ganhar novo enfoque, que alinhará seu desdobramento em subproblemas, ampliando o espaço de sua atuação. Em síntese, é importante que, antes da caminhada em direção a uma solução, se amplifiquem todas as raízes e toda a dimensão do macroproblema e dos microproblemas decorrentes. Se o problema inicial gerou uma questão básica, é importante levantarem-se outras questões, hierarquizando a prioridade das respostas que se buscará construir.

4. Liberar as ideias solucionadoras. Esta etapa simboliza um verdadeiro brainstorming, uma “tempestade cerebral” de soluções não necessariamente viáveis, gerando muitas ideias e alternativas. Habituados à censura, muitas vezes os alunos temem expor o que pensam ou se acomodam na preguiça mental; esta etapa visa exatamente inverter esse comodismo, explorando a criatividade e eliminando-se a barreira de qualquer censura imediata.

5. Descobrir a solução. Diante da verdadeira “enxurrada” de ideias, esta etapa busca selecioná-las, jamais tendo como critério a presunção de que as mais corretas são as que melhor se identificam com as da equipe docente, mas através de criterioso reexame do problema e do formato da ou das melhores soluções para ele.

6. Registrar as etapas do procedimento. É importante que os alunos percebam a plenitude da estratégia utilizada e identifiquem o integral alcance do objetivo previamente estabelecido.

7. Estabelecer um plano de ação. Se o problema selecionado e debatido não abriga o envolvimento do aluno ao afastá-lo das perspectivas de uma efetiva contribuição, que, ao menos, possa esse aluno transferir os caminhos percorridos para outros problemas que certamente enfrenta ou virá a enfrentar.

O uso dessa estratégia incentiva o aluno a se envolver cognitivamente com os temas estudados e se identificar não como receptor de um saber pronto, mas como agente construtor de seu processo de aprendizagem.

• Os projetos

O projeto é uma pesquisa ou uma investigação sobre um tema ou um conteúdo que se acredita interessante conhecer e desenvolver em profundidade. Ainda que sejam possíveis projetos individuais, o mais recomendável para salas de aula é que sejam efetuados por um pequeno grupo de alunos. Dessa forma, o objetivo de todo projeto centraliza–se em torno de um esforço investigativo deliberadamente voltado para o encontro de respostas ou soluções convincentes para o desafio proposto. Em geral, os projetos são organizados através das seguintes fases:

1. A definição dos objetivos com a caracterização do desafio a ser superado.
2. A abertura do projeto com o estabelecimento de suas linhas gerais, desde a quantidade de participantes, o cronograma consensualmente definido, a função de cada participante no projeto, os recursos materiais ou humanos necessários à consecução dos trabalhos.

3. A investigação através das fontes, estabelecidas na abertura, e que pode incluir pesquisas em textos impressos ou eletrônicos, visitas, entrevistas e construção do modelo da apresentação dos resultados do esforço investigativo.

4. A apresentação, que pode ser textual, verbal, com exposição de objetos, representações dramáticas, painéis, corais, gravações ou outras formas de linguagem.

5. A avaliação sempre circunscrita aos objetivos previamente definidos. Podemos afirmar que um projeto foi razoável, bom ou excelente na dimensão com que se alcançaram os objetivos previamente estabelecidos.

• Os pensamentos críticos

Provavelmente, a melhor maneira de se trabalhar o pensamento crítico dos alunos é o professor apresentar uma aula assumindo, em momentos diferenciados, o papel de acusador e, depois, de defensor de uma ideia polêmica. Para que esse procedimento se concretize, é necessário que o tema a ser exposto aos alunos possa abrigar uma ou mais contradições e, assim, perspectivas de visão positiva e negativa sobre o assunto. Quando tal ocorrer, o procedimento do professor será o de preparar argumentos substanciais para cada uma das duas posições. Durante um terço da aula, com a maior veemência possível, o professor apresentará os argumentos favoráveis à ideia, tal como um advogado de defesa o faria, e, logo depois, assumirá papel extremamente oposto — como o de um promotor —, combatendo os argumentos da primeira exposição e apresentando a ideia antagônica.

Após essa apresentação — que, dependendo do tema, poderia durar mais de uma aula —, caberia aos alunos interrogar ambos os “advogados”, sempre colhendo respostas antagônicas sobre o assunto, apresentadas pelo professor, que assume a “defesa” e a “acusação”.

Após essa sessão de debates, que eventualmente poderia abrigar espaços para réplicas (resposta a quem contesta uma afirmação) e tréplicas (resposta a uma réplica), o tema poderia ser colocado em votação simbólica, preservando-se no aluno o espírito da dúvida e a descoberta do direito de assumir posições críticas sobre o conteúdo apresentado, nem sempre coincidente com a opinião de todos.

Uma continuidade extremamente interessante dessa atividade é solicitar aos alunos que, por exemplo, votaram “sim” que, em uma prova, defendam os argumentos do “não” e vice-versa.

ANTUNES, Celso. Resiliência: a Construção de uma Nova Pedagogia para uma Escola Pública de Qualidade. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

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