Edição 109

Professor Construir

Competências socioemocionais em sala de aula: uma questão de saúde mental

Rosangela Nieto de Albuquerque
Heloísa Catunda de Vasconcelos

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas – 2018), cerca de 300 milhões de pessoas sofrem de depressão. Essa é a 9ª causa de doença e incapacidade entre os adolescentes, e a ansiedade é a 8ª principal causa. A depressão é uma doença psiquiátrica crônica que se caracteriza principalmente pela oscilação dos estados de humor, predominantemente acompanhada pelos sentimentos de melancolia, apatia, tristeza profunda e perda de energia, podendo se apresentar por sintomas físicos e/ou comportamentais. A Opas (2018) ainda afirma que transtornos emocionais podem ser profundamente incapacitantes para o funcionamento de um adolescente, afetando o trabalho e a frequência escolar.

Paralelamente às evidências, nunca se falou tanto em competências socioemocionais em espaço escolar (universidades e instituições educativas) como tem se falado atualmente. Talvez por estarmos diante de tantas instabilidades emocionais, os educadores buscam alternativas para promover um ambiente mais saudável e pulverizam reflexões. Podemos pensar em desenvolvimento de competências socioemocionais dentro de ambientes escolares a partir de ações educativas e preventivas para saúde mental de crianças e adolescentes?

38Conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das unidades federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio em todo o Brasil.

A BNCC estabelece que todos os estudantes desenvolvam, ao longo da escolaridade básica, conhecimentos, competências e habilidades, orientados pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. A BNCC enfatiza os propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.

Em 2018, a atualização da BNCC direcionou a proposta de educação para o século XXI (feita pela Unesco), com ensino integral e implementando as competências socioemocionais dentro das competências e habilidades gerais; sendo assim, discorrer sobre essa temática envolve falar sobre educação das emoções e também de relações interpessoais.

Pensar sobre educação implica refletir basicamente sobre desenvolvimento humano, aprendizagem, transformação e também como se comportar em sociedade. A educação pode ser dividida em três subtipos: educação formal, educação não formal e educação informal. Essas três categorias, em determinados pontos, assemelham-se e diferenciam-se em seus conceitos e objetivos, porém, em muitas situações, é evidente que uma atravessa a outra. A educação formal se caracteriza como aquela que é desenvolvida por conteúdos demarcados, estruturalmente hierarquizados, que seguem uma sequência de níveis, regulamentados por leis, como, por exemplo, as escolas e as universidades. Nesses ambientes, é inegável a presença de leis e ordens que determinam como se comportar de forma preestabelecida. Os objetivos desse tipo de educação estão voltados para desenvolver capacidades como inteligência, motricidade, percepção através de conteúdos pedagógicos que se atualizam historicamente (GOHN, 2006).

Já a educação informal é caracterizada por ser apreendida no coletivo, geralmente Igreja, família, vizinhança, amigos, quando estamos inseridos em uma cultura e linguagem, podendo variar de acordo com os espaços em que transitamos e os lugares em que residimos, desenvolvendo determinados comportamentos, hábitos, costumes e valores morais, a partir do envolvimento com os indivíduos daquela sociedade. Por estar extremamente arraigada à cultura, a educação informal não segue modelos preestabelecidos para ser desenvolvida, acontecendo de forma natural e espontânea. Basicamente, é passada e ensinada através da transmissão de gerações que compõem aquele núcleo.

Por fim, a educação não formal é aquela em que a aprendizagem ocorre em espaços que dividimos com todas as pessoas de outros grupos a que pertencem indivíduos diferentes, é o “outro” desconhecido. Sendo grupos diferentes daqueles que transitam em espaços de ação coletiva cotidiana, esse campo de aprendizagem está voltado para o lado social: de como as identidades de grupo são construídas.

Compreendendo a educação por essas três perspectivas, observamos tudo o que envolve o ser humano: seu espaço de habitar, suas relações interpessoais, a construção de sua própria identidade, a cultura na qual está inserido. O que fica evidente nesses três tipos de educação é que o ambiente escolar é comum a todos. É na escola que desenvolvemos as potencialidades cognitivas, como inteligência, raciocínio, memória, concentração, atenção, criatividade, e também onde se começa a construir a identidade, justamente a partir do momento em que nos deparamos com as diferenças e os conflitos que lá dentro surgem.

A escola de antigamente já não é a mesma dos tempos atuais. A preocupação em formar seres humanos autônomos, independentes, criativos e seguros ultrapassou os moldes da “educação tradicional”, que simplesmente cumpre o currículo com conteúdos que mensuram o coeficiente de inteligência. A escola do século XXI precisa se adaptar à realidade vigente, às necessidades que surgem, aos fenômenos que estão emergindo, às dificuldades que vêm se apresentando.

Precisamos ficar atentos e nos empenhar em desenvolver para além do que temos feito, de passar conteúdo curricular e desenvolver habilidades para o convívio em sociedade. A saúde mental é urgente… As estatísticas apresentam um número considerável de adoecimento…

A depressão infantojuvenil é uma delas, o percentual de casos registrados é assustador e aumenta a cada década. Quando essa doença psiquiátrica acomete crianças, principalmente, é preciso ficar atento, pois elas muitas vezes não conseguem expressar os sintomas, mas os sinais são significativos, como a perda do desejo de explorar e aprender novas coisas, o afastamento de pessoas com quem ela gostava de ficar, até o isolamento e a falta de apetite. Já o adulto, por conseguir se expressar e entender a mudança de comportamento, identifica os sentimentos de melancolia, apatia e tristeza profunda, por exemplo, e consegue falar com alguém para pedir ajuda.39

A criança, muitas vezes porque não foi estimulada a falar sobre como está se sentindo ou nomear aquilo que sente, acaba por guardar para si aquilo que lhe gera estresse, tensão, ansiedade ou medo e, então, fica mais vulnerável à doença mental. Dessa maneira, temos um desafio a ser lançado para toda a comunidade escolar: começar a estimular crianças a falar sobre suas emoções e nomeá-las através da psicoeducação, ensinando formas de como reagir diante de conflitos, por meio do diálogo e de jogos e brincadeiras que possam desenvolver outras habilidades que envolvam as competências socioafetivas.

Certamente, hoje, o termo competência socioemocional é muito mencionado na área educacional, debatido em congressos e simpósios pelo mundo afora. Compreender conceitos a partir da etimologia das palavras é um bom caminho para se iniciar a discussão sobre o assunto. No Dicionário Aurélio, competência significa conjunto de habilidades, saberes e conhecimentos. Já o termo socioemocional é interessante que seja desmembrado em socio/social e emocional, que diz respeito às emoções. Dessa maneira, compreende-se por social algo que diz respeito à sociedade e aos cidadãos que dela fazem parte: política e social. Já emocional significa reação moral, psíquica ou física, geralmente causada por uma confusão de sentimentos que, diante de algum fato, situação, notícia etc., faz com que o corpo se comporte tendo em conta essa reação, expressando alterações respiratórias, circulatórias. Diante desses conceitos, pode-se chegar a um consenso de que competência socioemocional nada mais é do que a aptidão que uma pessoa tem em saber regular e lidar com suas próprias reações diante de conflitos e tensões advindos de relações interpessoais, seja com situações-problema, seja com pessoas.

Estudar a inteligência emocional nas pessoas tem sido uma área cada vez mais explorada, cada dia vem crescendo e ocupando diversos espaços na sociedade, seja dentro de empresas, instituições de ensino, vida particular, etc. Para Goleman (2012), a estrutura da inteligência emocional é formada por quatro pilares: a autoconsciência, sendo a capacidade de estarmos conscientes de nossos próprios sentimentos e entendê-los; a consciência social (ou empatia), a capacidade de sermos conscientes das emoções alheias; a autogestão, aptidão em gerenciar o controle dos nossos impulsos, lidando com nossas emoções, principalmente aflitivas e fortes; e o gerenciamento de relacionamentos, tomado pela capacidade de resolver problemas pessoais e interpessoais, de controlar os impulsos, de expressar sentimentos e de se relacionar positivamente com os outros.

Educar nossas crianças para estar preparadas para lidar com suas próprias emoções e desenvolver a inteligência emocional é importantíssimo para elas, para a família e qualquer outro que se relacione com elas. Estarem aptas para isso também permite a migração desse conhecimento para pessoas de seu convívio íntimo, construindo, dessa maneira, um ambiente pacífico e harmonioso.

Introduzir, ainda na infância, a dinâmica de como gerir suas próprias emoções pode beneficiar futuramente na vida adulta, ajudando na redução da probabilidade de envolvimento com drogas; no manejo das frustrações em relacionamentos amorosos; na habilidade de mediar conflitos; na facilidade para atingir metas; e a ser empático, tolerante e altruísta, entre tantos outros ganhos. Potencializar as competências emocionais poderia ser uma alternativa para prevenir doenças psiquiátricas e proporcionar saúde mental, e os ganhos também são consideráveis no rendimento pedagógico em crianças com problemas de ansiedade. Dado o prognóstico, intervir na educação emocional — não só em settings terapêuticos, mas também dentro das escolas — pode render bons frutos no ensino, na aprendizagem e nas avaliações, visto que a ansiedade, devido ao fato de as ideias ruminantes persistirem na cabeça da criança, tira a concentração para estabelecer uma aprendizagem mais “limpa” e fluida. Não basta preparar as crianças somente para estar em sociedade. É preciso educar de forma que elas saibam lidar consigo mesmas, com suas emoções, de forma positiva ou reduzindo os danos.

Considerações finais

Não cuidar da saúde mental na infância implica falar sobre um aumento na probabilidade de se ter como consequência o prejuízo da saúde física e mental de um adulto, limitando futuras oportunidades. Sendo assim, para finalizar com a pergunta feita no início do texto, “Podemos pensar em desenvolvimento de competências socioemocionais dentro de ambientes escolares a partir de ações educativas e preventivas para saúde mental de crianças e adolescentes?” Devemos pensar nisto a partir do princípio de que na escola também agimos de maneira preventiva, e não remediativa. Prevenir doenças psiquiátricas através do resgate da dignidade humana, como proporcionar ambientes harmoniosos, segurança e amor, é também um ato de educação e de empatia com o mundo inteiro. Afinal, as crianças de hoje serão os adultos de amanhã, e, então, como desejar um mundo melhor se não estamos preparando as crianças e os jovens com competências socioemocionais e com saúde mental para viverem através do cuidado com eles mesmos?

REFERÊNCIAS

DICIONÁRIO AURÉLIO. Disponível em: https://www.dicio.com.br/competencia/. Acessado em: 17 ago. 2019.

FOLHA INFORMATIVA. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5635:folha-informativa-depressao&Itemid=1095. Acessado em: 17 ago. 2019.

GOHN, Maria da Glória. Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio Avaliação e Políticas Públicas na Educação. Rio de Janeiro, v. 14, n. 50, p. 27-38. Jan.-mar. 2006.

GOLEMAN, Daniel. O cérebro e a inteligência emocional: novas perspectivas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL. BNCC – Base Curricular Nacional. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acessado em: 17 ago. 2019.

LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL. BNCC – Base Curricular Nacional. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao/praticas/caderno-de-praticas/aprofundamentos/195-competencias-socioemocionais-como-fator-de-protecao-a-saude-mental-e-ao-bullying. Acessado em: 17 ago. 2019.

OPAS – ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE – Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5779:folha-informativa-saude-mental-dos-adolescentes&Itemid=839. Acessado em: 17 ago. 2019.

Rosangela Nieto de Albuquerque é ph.D. em Educação (Untref), pós-doutoranda em Psicologia (Universidad John F. Kennedy), Doutora em Psicologia Social (Universidad John F. Kennedy), Mestre em Ciências da Linguagem, psicopedagoga clínica e institucional, pedagoga, licenciada em Letras (Português/Espanhol), consultora ad hoc do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), professora dos cursos de graduação e pós-graduação (Mestrado e Doutorado), autora e organizadora de doze livros.

E-mail: rosangela.nieto@gmail.com

cubos