Edição 86
Professor Construir
Dez pricípios para ser um bom professor
Vicente martins
Apresentamos um decálogo contendo princípios para a atividade docente de um bom professor do terceiro milênio, período marcado pela informação e pelo conhecimento tecnológico.
O professor do século XXI é aquele que, além da competência, da habilidade interpessoal, do equilíbrio emocional, tem a consciência de que mais importante do que o desenvolvimento cognitivo é o desenvolvimento humano e o respeito às diferenças — que estão acima de toda Pedagogia.
A função do bom professor do século XXI não é apenas a de ensinar, mas também a de levar seus alunos ao reino da contemplação do saber. Eis, então, os dez passos na direção de uma pedagogia do desenvolvimento humano:
1. Aprimorar o educando como pessoa humana. A nossa grande tarefa como professor ou educador não é a de instruir, mas a de educar nosso aluno como pessoa humana, como pessoa que vai trabalhar no mundo tecnológico, mas povoado de corações, de dores, incertezas e inquietações humanas.
A escola não pode se limitar a educar pelo conhecimento destituído da compreensão do homem real, de carne e osso, de corpo e alma. De nada adianta o conhecimento bem ministrado em sala de aula, se, fora da escola, o aluno se torna um homem brutalizado, desumano e patrocinador da barbárie.
Educamos pela vida com perspectiva de favorecer a felicidade e a paz entre os homens.
2. Preparar o educando para o exercício da cidadania. Se, de um lado, primordialmente, devemos ter como grande finalidade do nosso magistério o ministério de fazer o bem às pessoas, fazer o bem é preparar nosso aluno para o exercício exemplar e pleno da cidadania. Ela não começa quando os pais registram seus filhos no cartório nem quando os filhos, aos 18 anos, tiram sua carteira de identidade civil. A cidadania começa na escola, desde os primeiros anos da Educação Infantil, e se estende à Educação Superior, nas universidades; começa com o fim do medo de perguntar, de inquirir o professor, de cogitar outras possibilidades do fazer, enfim, quando o aluno aprende a fazer, a construir o espaço de sua utopia e criar um clima de paz e bem-estar social, político e econômico no seu meio.
3. Construir uma escola democrática. A gestão democrática é a expressão de ordem na administração das escolas. Os educadores que atuarão no novo milênio devem ter na gestão democrática um princípio de que não arredam pé, não abrem mão. Quanto mais a escola for democrática, mais transparente ela se torna.
Quanto mais a escola é democrática, menos erra, tem mais acerto e possibilidade de atender, com equidade, às demandas sociais. Quanto mais exercitamos a gestão democrática nas escolas, mais nos preparamos para a gestão da sociedade política e civil organizada.
Aqui, pois, reside uma possibilidade concreta: chegar à universidade, concluir um curso de Educação Superior e estar preparado para tarefas de gestão no Governo do Estado, nas prefeituras municipais e nos órgãos governamentais. Quem exercita a democracia em pequenas unidades escolares constrói um espaço próprio e competente para assumir responsabilidades maiores na estrutura do Estado. Portanto, quem chega à universidade não deve nunca descartar a possibilidade de inserção no meio político e de poder exercitar a melhor política do mundo: a democracia.
4. Qualificar o educando para progredir no mundo do trabalho. Por mais que a escola qualifique seus recursos humanos, por mais que adquira o melhor do mundo tecnológico, por mais que atualize suas ações pedagógicas, ela sempre estará marcando passo diante das novas transformações cibernéticas; mas a escola, por meio de seus professores, poderá qualificar o educando para aprender a progredir no mundo do trabalho, o que equivale a dizer e oferecer instrumentos para dar respostas não acabadas (porque a vida é um processo inacabado) às novas demandas sociais, sem medo de perdas, sem medo de mudar, sem medo de se qualificar, sem medo do novo, principalmente o novo que vem nas novas ocupações e empregabilidade.
5. Fortalecer a solidariedade humana. É papel da escola favorecer a solidariedade, mas não a solidariedade de ocasião, que nasce de uma catástrofe, mas do laço recíproco cotidiano e de amor entre as pessoas. A solidariedade que cabe à escola ensinar é a solidariedade que não nasce apenas das perdas materiais, mas que chega como adesão às causas maiores da vida, principalmente as referentes à existência humana. Enfim, é na solidariedade que a escola pode desenvolver, no aluno-cidadão, o sentido de sua adesão às causas do ser e seu apego à vida de todos os seres vivos, aos interesses da coletividade e às responsabilidades de uma sociedade a todo instante transformada e desafiada pela modernidade.
6. Fortalecer a tolerância recíproca. Um dos mais importantes princípios de quem ensina e trabalha com crianças, jovens e adultos é o da tolerância, sem o qual todo magistério perde o sentido de ministério, de adesão aos processos de formação do educando. A tolerância começa na aceitação, sem reserva, das diferenças humanas. Só a tolerância é capaz de fazer o educador admitir modos de pensar, de agir e de sentir diferentes dos de um indivíduo ou de determinados grupos, políticos ou religiosos.
7. Zelar pela aprendizagem dos alunos. Muitos de nós, professores, principalmente os do magistério da educação escolar, acreditam que o importante, em sala de aula, é o instruir bem, o que pode ser traduzido em ter domínio de conhecimento da matéria que ministra. No entanto, o domínio de conhecimento não deve estar dissociado da capacidade de ensinar, de fazer aprender. De que adianta ter conhecimento e não saber, de forma autônoma e crítica, aplicar as informações? O conhecimento não se faz apenas com metalinguagem, com conceitos a, b ou c, e sim com didática, com pedagogia do desenvolvimento do ser humano, sua mediação fundamental. O zelo pela aprendizagem passa pela recuperação daqueles que têm dificuldade de assimilar informações seja por limitações pessoais ou sociais. Daí a necessidade de uma educação dialógica, marcada pela troca de ideias e opiniões, de uma conversa colaborativa em que não se cogita o insucesso do aluno.
Se o aluno fracassa, a escola também fracassou. A escola deve riscar do dicionário a palavra fracasso.
Quando o aluno sofre com o insucesso, também fracassa o professor.
A ordem, pois, é fazer sempre progredir, dedicar-se mais do que as horas oficialmente destinadas ao trabalho e reconhecer que nosso magistério é missão, às vezes, árdua, mas prazerosa; às vezes, sem a recompensa financeira condigna que merecemos; ainda assim, pouco a pouco, vamos construindo a consciência na sociedade, principalmente a política, de que a Educação, se não é panaceia, é o caminho mais seguro para reverter as situações mais inquietantes e vexatórias da vida social.
8. Colaborar para a articulação da escola com a família. O professor do novo milênio deve ter em mente que o profissional de ensino não está mais em um pedestal, não é dono da verdade, representante de todos os saberes, capaz de dar respostas para tudo. Articular-se com as famílias é a primeira missão dos docentes, inclusive para contornar situações desafiadoras em sala de aula. Quanto mais conhecemos a família dos nossos alunos, mais os entendemos e mais os amamos. Uma criança amada é disciplinada. Os pais são, portanto, coadjuvantes do processo ensino-aprendizagem, sem os quais nossa ensinança fica coxa, não vai adiante, não educa. A sala de aula não é sala de estar do nosso lar, mas nada impede que os pais possam ajudar nos desafios da pedagogia dos docentes. Também não é inoportuno que os professores se aproximem dos lares para conhecer de perto a realidade dos alunos e possam, juntos, pais e professores, fazer a aliança de uma pedagogia de conhecimento mútuo, compartilhado e mais solidário.
9. Participar ativamente da proposta pedagógica da escola. A proposta pedagógica não deve ser exclusividade dos diretores da escola. Cabe ao professor participar do processo de elaboração da proposta pedagógica da escola até mesmo para definir, de forma clara, os grandes objetivos da escola para seus educandos.
Um professor que não participa, se trumbica, perde-se na solidão de suas aulas e não tem como se pensar enquanto ser participante de um processo maior, holístico e globalizado. O mundo globalizado, para o professor, começa quando ele se sente parte das decisões da escola, da sua organização administrativa e pedagógica.
10. Respeitar as diferenças. Se, de um lado, devemos levantar a bandeira da tolerância como um dos princípios do ensino, o respeito às diferenças conjuga-se com esse princípio, de modo a favorecer a unidade na diversidade, a semelhança na dessemelhança. Decerto, o respeito às diferenças de linguagem, às variedades linguísticas e culturais é a grande tarefa dos educadores do novo milênio.
O respeito às diferenças não tem sido uma prática no nosso cotidiano, mas, depois de cinco séculos de civilização tropical, descobrimos que a igualdade passa pelo respeito às diferenças ideológicas, às concepções plurais de vida, de pedagogia, às formas de agir e de ser feliz dos gêneros humanos.
O educador, pois, deve ter a preocupação de reeducar-se de forma contínua, uma vez que nossa sociedade ainda traz no seu tecido social as teorias da homogeneidade para as realizações humanas, teoria que, depois de 500 anos, conseguiu apenas reforçar as desigualdades sociais. Nossa missão é dizer que podemos amar, viver e ser felizes com as diferenças, pois, nelas, encontraremos nossas semelhanças históricas e ancestrais: é, dessa maneira, a nossa forma de dizer ao mundo que as diferenças nunca diminuem, e sim somam valores e multiplicam os gestos de fraternidade e paz entre os homens.
Pela manhã, o bom religioso abre o livro sagrado e reflete sobre o bem e o mal. Por um feliz amanhã, o bom professor abre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e aprende a conciliar o conhecimento e a humanidade.
Vicente Martins é graduado e pós-graduado em Letras pela Uece e tem mestrado em Educação pela UFC. Atualmente, é professor do Centro de Letras da UVA (Sobral, CE).
Contato: vicente.martins@uol.com.br.