Edição 18

Matérias Especiais

“Educação deve ser trabalhada por resultados”

Mozart Neves Ramos foi reitor da UFPE por sete anos, até assumir a Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco, em 2002. É professor do Departamento de Química da UFPE, com doutorado pela Unicamp e pós-doutorado pela Universidade de Milão. Com 21 anos, graduou-se em Química pela UFPE. Em entrevista à Construir Notícias, ele fala sobre vários aspectos da educação.

Por Leonardo Bastos

Construir Notícias – Qual a meta de sua gestão na área de Educação?
Mozart Neves Ramos – O principal desafio da educação pública em nosso estado é melhorar a qualidade do ensino dentro do contexto da avaliação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – Saeb, do Ministério da Educação (MEC). Acredito que Educação, como tudo na vida, deve ser trabalhada por resultados. Minha meta é colocar a Educação em uma posição melhor no cenário nacional.

CN – Em sua opinião, é possível erradicar, ou pelo menos reduzir, o analfabetismo?
MNR – Nesse ponto, tanto no contexto do Saeb como no do Saepe (Sistema Estadual de Avaliação), em que espero os resultados mais significativos, está exatamente a questão das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Nesse sentido, eu aposto primeiro no regime de colaboração entre estado e município. É preciso cada vez mais fortalecer esse regime de colaboração. Temos que ter políticas para fazer a mudança de qualidade nessas primeiras quatro séries. A minha prioridade à frente da Secretaria de Educação é com a alfabetização e a leitura. Se não começarmos pela base, fica muito difícil fazer mudanças de qualidade a longo prazo. Meu grande desafio é implantar programas de qualidade em parceria com empresas, institutos, Governo Federal e municípios, como o Alfabetizar com Sucesso, para alfabetizar as crianças nas duas primeiras séries; depois, alfabetizar crianças e adolescentes na 3ª ou 4ª série que ainda não estão alfabetizados; e implantar programas sólidos de leitura. Estamos incentivando as gerências regionais para que elas desenvolvam programas de leitura. O programa Criança que Lê usa ações lúdicas para criar movimentos de leitura dentro dos municípios e nas escolas. Criamos um observatório de leitura em Nazaré da Mata. Temos que, cada vez mais, incentivar a leitura como elemento importante para esse processo de continuidade da alfabetização e inserção social de nossas crianças numa Escola de qualidade. Eu acredito que, em uma nova cultura de Escola, na qual haja supervisão, avaliação externa, capacitação e material didático, tudo isso está acoplado a esses programas, cuja espinha dorsal é formada pelo Alfabetizar com Sucesso, nas duas primeiras séries; o Se Liga, nas quatro primeiras; o Acelera, que faz a correção idade-série; os programas de leitura, entre eles o Observatório de Leitura e o Criança que Lê. Há também o Qualiescola, uma parceria com empresas que ajudam na melhoria da gestão escolar no Ensino Fundamental. Estou apostando todas as minhas fichas nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Já tivemos melhorias no Saeb 2003. Enquanto, no Ensino Fundamental, o Brasil e o Nordeste pioraram em termos de aprovação, e houve um aumento de reprovados de 2001 para 2002, em Pernambuco, no Ensino Fundamental, melhoramos em todos os indicadores: aprovação, reprovação, mais alunos concluíram o ensino e menos abandonaram a escola. Melhoramos, mas ainda há muito para ser feito.

CN – Qual o objetivo do Governo de Pernambuco em relação à inclusão digital?
MNR – O Estado de Pernambuco, através de sua Secretaria de Educação, utilizou recursos da venda da Celpe (Companhia Energética de Pernambuco) para informatizar 40% das escolas, com 400 laboratórios de informática, um por escola. Todas as escolas têm pelo menos um computador instalado na área de gestão escolar. Uma pesquisa do MEC mostrou que Pernambuco é o terceiro estado do País com maior número de computadores por escola e acesso à Internet, através do PE Digital e de parcerias com a Telemar e com a Fundação Bradesco. Houve um avanço muito grande, mas agora está sendo feito um segundo tempo, que é a capacitação e a formação de pessoal. A aquisição dos computadores e dos laboratórios foi feita em 2002. A capacitação é feita em parceria com a rede municipal. Em Iati e em Taquaritinga do Norte, ambos no Agreste, todos os professores da rede pública, do Estado e do município, foram capacitados. Em cidades como Águas Belas e Iati, há pouco tempo, não havia acesso à Internet; hoje, os alunos já têm, através da Internet, acesso a redes de comunicação. Chegamos a 400 escolas, mas temos mil escolas. Dentro do programa do Banco Mundial, há verbas importantes para complementar a informatização das escolas. Por outro lado, a gente viveu um drama. Antes, as escolas não tinham laboratórios de informática nem computadores, e agora estamos com o problema de roubos nas escolas e perdemos vários computadores. Por isso, estamos implantando a vigilância eletrônica, que, além da vigilância em si, dentro do contrato existe uma cláusula de que se houver o roubo de algum computador, a empresa que for responsável pela segurança deverá repor o equipamento. Isso é importante também para preservar o patrimônio adquirido pelas escolas. Nosso estado avançou muito, mas precisa chegar a 100% das escolas com laboratórios de ensino de Informática. Nossa meta será atingida com recursos do Banco Mundial.
“A minha prioridade à frente da Secretaria de Educação é com a alfabetização e a leitura. Se não começarmos pela base, fica muito difícil fazer mudanças de qualidade a longo prazo.”
CN – Que tipos de estímulos financeiros podem ser oferecidos aos professores?
MNR – A questão do salário do professor é um dos maiores desafios enfrentados na área do ensino público. Normalmente, face ao grande número de profissionais de Educação, qualquer aumento substancial gera um impacto na folha de pessoal, e os governantes, sem o crescimento econômico que todos nós esperamos que venha a acontecer no País, dificilmente dariam um aumento sem entrar na lei de responsabilidade fiscal. Por outro lado, o próprio governador, recentemente, numa inauguração de uma escola em Águas Belas, reconheceu que esse é um desafio. O que estamos fazendo para tentar trabalhar essa questão? Há o salário direto e indireto. O indireto vem a partir da qualificação docente. Estamos hoje com um grande programa de qualificação docente, atingindo a três mil professores da rede estadual, através de recursos do programa Alvorada (do MEC). Por outro lado, estamos implantando, neste ano, o plano de cargos e carreiras, que vai dar um impacto importante nos salários, principalmente nos dos professores mais antigos. O passo seguinte talvez seja implantar uma política de avaliação de desempenho, para complemento salarial.

CN – Como adaptar a Educação para os alunos da área rural?
MNR – Esse talvez seja o desafio da inclusão social. Nós temos hoje muitas escolas rurais no Brasil, mas muitas nem sequer têm banheiros. Felizmente, o MEC tem uma política específica para a educação na zona rural. Já estamos nos adiantando com uma parceria com o Instituto Dom Helder Camara e com a Cáritas, para instituir uma política de qualidade para a zona rural. Quando não houver a escola em determinado lugar, e o aluno necessitar de transporte escolar, esse transporte precisa ser feito com dignidade. Pernambuco se adiantou e aprovou, em 2003, uma lei intitulada A Caminho da Escola, com a qual destinamos recursos do tesouro do Estado para o transporte escolar. Também é preciso oferecer um projeto pedagógico que tenha a ver com a realidade local, que possa fazer com que a criança compreenda os desafios do campo, o seu potencial de crescimento e o de desenvolvimento de seu país. Não podemos importar para o campo questões próprias da zona urbana, principalmente das regiões Sudeste e Sul, que têm uma realidade rural absolutamente diferente, por exemplo, daqui do Nordeste. É preciso complementar as ações pedagógicas a partir das realidades locais, de tal maneira que a criança se sinta estimulada a se manter e se fixar no campo e a valorizar as questões do campo. A Escola tem um papel importante nesse processo.
“É preciso oferecer um projeto pedagógico que tenha a ver com a realidade local, que possa fazer com que a criança compreenda os desafios do campo, o seu potencial de crescimento e o de desenvolvimento de seu país.”
CN – Existe interesse da Secretaria Estadual em nivelar os salários com os praticados na rede particular?
MNR – Esse é um desafio muito grande, pois, tanto no Ensino Superior como na educação básica, os salários pagos na rede pública são mais baixos que os da rede privada. Entretanto, há um ponto a ser considerado, que é o salário direto e o indireto. Na rede pública, há um estímulo mais forte na formação e qualificação do professor. Como eu disse, a própria Universidade Federal de Pernambuco tem mil doutores em decorrência de uma ação forte de política de qualificação de recursos humanos. A Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, também fez um investimento forte, mas os salários das universidades públicas estão bem abaixo dos das faculdades particulares, que normalmente já pegam o professor qualificado. Elas não têm, muitas vezes, o interesse em mandar o professor para um mestrado ou doutorado, porque isso, de alguma maneira, vai bater na mensalidade do aluno. No que toca à educação básica, acho que só vai vir uma mudança na valorização docente se houver a institucionalização de um fundo para a educação básica. O Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef, já teve um papel importante na melhoria do salário do professor do Ensino Fundamental. Mas esse modelo já está esgotado. Precisamos partir para um fundo de educação básica que inclua o Ensino Médio. Uma vez aprovado o Fundo de Educação Básica – Fundeb, nós poderemos talvez pensar numa mudança salarial, mas eu só acredito na mudança salarial se vier acompanhada de resultados, de desempenho, que possa separar o joio do trigo. Não vejo um aumento linear como uma solução para a educação de qualidade.

CN – Que assuntos devem ser incluídos no currículo escolar básico?
MNR – Os chamados temas transversais, sejam de etnia, como educação indígena e raça negra, doenças sexualmente transmissíveis e meio ambiente. Temos uma lei estadual sobre o estudo da história da cultura negra. Nossa política tem sido de implementar esses temas principalmente da 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental.

CN – O que deve ser feito em relação aos cursos técnicos profissionalizantes?
MNR – Numa escola pública, jamais o setor privado poderá exercer a direção da escola. Isso é impossível, porque a Constituição não permite. O que se precisa fazer é trabalhar uma situação de parcerias. A política dos últimos anos, ao mesmo tempo que apontou para a criação dos Cefets — Centros Federais de Educação Tecnológica, não investiu nessa vontade política de instituir a educação tecnológica profissional como algo absolutamente importante, eu considero, para diversificar o Ensino Superior. Esse é um nicho de mercado que está extremamente aberto, que teria condições de empregabilidade mais rápida dentro desse mercado. Os cursos do Cefet-PE tiveram uma maior procura que seus equivalentes nas universidades. Então, há o mercado; são cursos que duram de dois a três anos. O que precisa ser colocado com clareza é uma política nacional de financiamento dos cursos técnicos profissionais para recuperar a qualidade de seus laboratórios, um programa mais forte de qualificação profissional e, ao mesmo tempo, uma possibilidade de integrar essas iniciativas com o setor empresarial, para atualizar os currículos.

CN – Que parcerias podem ser feitas entre as redes de ensino público e particular?
MNR – Essa pergunta é interessante porque, aparentemente, são dois sistemas que competem entre si. Com o setor empresarial, por exemplo, ou com instituições, nós temos feito muitas parcerias. Com relação à escola privada, temos feito pouco, e acho que precisaria ver, porque há uma coisa que nos une, apesar dos regimes administrativos serem diferentes; um é público, e o outro é privado. Mas nós temos algo em comum: a Educação é um bem público. Sendo um bem público, independentemente de em qual rede o aluno esteja, a Educação tem que ser oferecida com qualidade. O Governo do Estado tem feito ações complementares na formação dos alunos da rede pública, por exemplo, o Rumo à Universidade e o Rumo ao Futuro, programas que apóiam os alunos da rede pública na sua formação complementar de ingresso à universidade. As aulas são dadas por professores das escolas particulares. Isso é importante porque esses professores têm um perfil com maior capacidade de complementar aquela formação que o professor da rede pública dá para o ingresso do aluno à universidade, através do vestibular. Ações complementares podem dar uma contribuição muito importante para as redes.

CN – De que forma as experiências desenvolvidas no Centro de Ensino Experimental podem favorecer alunos e professores, tanto da rede pública como privada?
MNR – O Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano, que agrega hoje 350 alunos da 1ª série ao Ensino Médio, apresenta uma nova política para a formação do jovem empreendedor formado como um cidadão. É uma escola que tem a cultura da supervisão, da avaliação externa, de resultados, a partir de seu projeto pedagógico. O foco é formar o cidadão, com dignidade, compromisso dos professores. Se não houver a participação da sociedade na educação brasileira, o Governo, só, não vai resolver o problema. Ou há um pacto pela Educação, integrando os setores organizados da sociedade com a área executiva do setor público, ou não iremos resolver o problema da educação neste país. Esse é o sentimento que eu tenho. Os centros (ainda serão implementados mais sete) serão referência de educação de qualidade.

Mozart Neves Ramos
1988 – Dipartimento Di Chimica Industriale e Ingegneria Chimica Politecnico Di Mil, DCIIE-PM, Itália. Título: Parametrização de Intensidades Vibracionais e Dinâmica Molecular. Orientador: Giuseppe Zerbi.Área do conhecimento: Físico-química.
1982 – Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, Campinas, Brasil. Título: Interpretação de Parâmetros de Intensidades Vibracionais e Previsão de Espectros no Infravermelho. Orientador: Roy Edward Bruns. Palavras-chave: Espectro, Infravermelho, Vibração. Área do conhecimento: Físico-química.
1987 – Pós-doutorado.
1978 – Doutorado em Química.
1977 – Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, Recife, Brasil. Área do conhecimento: Engenharia Química.
1973 – Graduação em Química.

Produção bibliográfica
Artigos publicados em periódicos: 85
Completos: 85
Trabalhos publicados em anais de eventos: 114
Completos: 38
Resumos: 76

Orientação concluída
Dissertações de mestrado: 1
Teses de doutorado: 3
Informações complementares
Participações em banca de trabalhos de conclusão: 3
Fonte: Lattes

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