Edição 103
Profissionalismo
Entrevista: TDAH
Paulo Urban por Sílvia Lakatos
1. Quais são os indicativos de que uma criança pode ter, de fato, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)?
Regra geral, os psiquiatras doutrinados pelas diretrizes dos Manuais de Estatística e Diagnóstico, os malfadados DSMs, editados, desde 1952, pela American Psychiatric Association (APA), fazem o diagnóstico de TDAH tendo por base uma somatória de sintomas ali listados, relacionados a esse transtorno, tais como, e predominantemente, sinais de agitação psicomotora e inquietude por parte das crianças (hiperatividade), associados a um prejuízo nas capacidades de concentração e memória (déficit de atenção) que as tarefas escolares ou mesmo habituais requerem, sintomas estes, a propósito, que dão nome a esse suposto distúrbio. Outros sintomas menores e comuns, evidentemente, vêm a estes atrelados, tais como irritabilidade, impulsividade, impaciência, esquecimentos, distrações recorrentes, ansiedade acentuada, etc., tudo isso acarretando um prejuízo nos relacionamentos pessoais e também no rendimento escolar ou mesmo acadêmico, para o caso de pessoas adultas igualmente assim diagnosticadas.
O nome Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) surgiu pela primeira vez em 1980, no DSM-III, e a morbidade distinguia-se em dois tipos: TDA com hiperatividade e TDA sem hiperatividade. Somente no ano 2000, na revisão do DSM-IV, originalmente publicado em 1994, foi que se juntou tudo sob a mesma sigla: TDAH.
E já me sinto aqui chamado a fazer logo de início duas críticas: a primeira se refere ao descabido desta sigla, APA, que deveria mais corretamente ser trocada para USPA (United States Psychiatric Association), visto que é a Psiquiatria dos EUA que está aqui a ditar regras, e a América, todos bem sabemos, é imensamente maior e mais rica em diversidade que aquele país tão somente. Importante dizer isso, pois, já pela sigla comumente aceita pela Psiquiatria ensinada em nossas universidades, bem se vê o quanto estamos servilmente atrelados à ideologia estadunidense muito mais que a um pensamento psicoclínico legítimo que não deveria jamais assumir como conduta o que ditam esses DSMs pelos quintais do mundo afora.
Segundo ponto: vale esclarecer, não existem doenças novas a não ser na infectologia, e estas se devem à mutação de vírus e bactérias. Talvez possamos ainda falar de algumas doenças novas na área da medicina ocupacional e da medicina espacial, em certas circunstâncias. Nas demais áreas da Medicina, o que há de novo não são as doenças absolutamente, mas, sim, técnicas diagnósticas. Daí, eu me pergunto: até quando seguirá incolumemente adiante este engodo da APA em fabricar doenças novas a cada nova edição de seus discutíveis DSMs?
Diga-se de passagem que é estarrecedor o seguinte fato: por ocasião da formação do colegiado responsável pela publicação do último DSM-V (2013), descobriu-se que, de seus 170 membros, 95% mantinham estreita relação financeira com a indústria farmacêutica, cifra esta que chegava a 100% nos comitês formados para discutir os transtornos de humor e esquizofrenia, por exemplo, dados estes que por si só promovem os médicos à classe dos segundos maiores interessados na propagação de novas doenças, só perdendo para a dos fabricantes de remédios.
Pois bem, em 1983 nascia do seio dessas comissões da APA a assim chamada síndrome do pânico, nada mais que uma roupagem nova para aquilo que Freud um século antes, em 1894, já chamara de neurose de angústia, quadro este por ele descrito em profundidade e com maior propriedade, algo bem distante do “prato raso” a que se resumem os DSMs da APA, espúrios e vazios no que diz respeito a pensamento clínico. Mas a inclusão da síndrome do pânico no DSM-III–R (R de revisão do recente DSM-III, publicado em 1980), feita às pressas em 1983, cumpria manter vivo no mercado o Anafranil como solução para o pânico, uma vez que o Prozac, prestes a ser lançado, já se sabia, tornar-se-ia o antidepressivo da moda, o que acarretaria prejuízo bilionário para o laboratório fabricante do Anafranil.
Hoje, em verdade, já sabemos que tanto o Anafranil quanto o Prozac deixam a desejar. Enfim, síndrome do pânico e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), convenhamos, são nomes impactantes que, fomentados por uma mídia direcionada, logo caem no “domínio popular” com o intuito de manter em alta por décadas a fio a venda de miraculosas drogas; logo mais, conforme estas “doenças novas” comecem a ficar velhas, outras “novas doenças” vão sendo criadas com esse mesmo propósito.
O mais recente DSM-V, edição de 2013, por exemplo, esforça-se para caracterizar como pacientes psiquiátricos a maioria das mulheres que apresentam transtornos menstruais e ainda os indivíduos acostumados a tomar diariamente seu cafezinho; aqui o DSM-V força a barra para fazer destes dependentes químicos da cafeína, mas a argumentação é tão ridícula que essas modas não lograram êxito, pelo menos até agora; ademais, ainda há gás suficiente no que foi pela APA plantado no imaginário popular para que os laboratórios sigam lucrando absurdamente com um simples TDAHzinho mesmo.
Em 2007, por exemplo, o diagnóstico de TDAH rendeu 4 bilhões de dólares à indústria química; esse lucro subiu vertiginosamente para 9 bilhões já em 2012. É a psiquiatria acadêmica criando e mantendo uma imensa multidão de anônimos drogados pelos 5 continentes, tirando perverso proveito dessa cumplicidade que logo se estabelece entre pais mal-acostumados à função de pais e médicos que convenientemente vêm em seu socorro e lhes explicam que não se preocupem em estar presentes a educar seus filhos, afinal há vários remedinhos que podem ocupar esse trabalhoso lugar. Os pais ficam realmente mais tranquilos quando ouvem da boca de afamados médicos e cientistas que o problema não é com eles, senão mera questão de neuroquímica, coisa de patologia concretamente catalogada (lá no Manual), algo a ser, portanto, medicamentosamente tratado.
2. A partir de qual idade já é possível diagnosticar o problema?
Creio que seja possível diagnosticar o problema e medicar nossas crianças precocemente, tão logo estas comecem a ter opinião própria e a dizer para seus pais sob as mais diferentes maneiras que elas também estão no mundo e que, inclusive, fazem parte da família.
Digo sempre em consultório aos que me perguntam sobre o tema: tudo que devo declarar sobre TDAH é que qualquer déficit de atenção (por parte dos pais) acaba mesmo repercutindo na hiperatividade (dos filhos). E é bom não deixarmos brecha para hipocrisias quanto a isso, pois é justamente através delas que entram os médicos administrando inopinadamente, às crianças, aos jovens e adolescentes, seus fantásticos remédios.
Em concordância ao tema e na saudável contramão dos descaminhos pelos quais vem se perdendo dia a dia esta neurótica e conturbada civilização em que vivemos, valho-me das sábias palavras de Tenzin Gyatso, Sua Santidade, o XIV Dalai Lama:
“A atmosfera em que uma criança vive seu dia a dia e que é percebida por ela é um dos elementos-chave a determinar se sua vida será bem-sucedida. Em uma família em que existe amor e compaixão, as crianças serão adultos mais felizes e realizados. Sem amor, toda a sua vida futura corre o risco de ser estragada, arruinada. O afeto tem, portanto, uma influência decisiva no desenvolvimento das crianças”. Infelizmente, distantes dessa clareza, o que vemos à nossa volta? Outro dia desses, num restaurante, vi entrar uma família: pai, mãe, duas meninas por volta de 7 e 9 anos e um menino menor, devia ter uns 5. Mal se sentaram à mesa em frente à minha, cada qual abriu seu celular; o garoto ficou no tablet, no joguinho. Os adultos só dirigiram palavra ao garçom, a fim de fazer o pedido, e, depois, para pedir a conta. Não os vi conversar uma só vez entre si. Não me parecia também um casal brigado. Por umas raras vezes, as meninas mostraram uma à outra seus respectivos celulares, e vi também a mãe insistir para que o garotinho comesse, até porque ele só queria jogar. Terminado o almoço, levantaram-se e saíram, as meninas e o pai andando feito robôs por entre as mesas, sem despregar os olhos de seus aparelhos, e a mãe levando o menino no colo, ele ainda jogando. Que dizer? Nem é preciso ser vidente pra saber aonde esses abduzidos urbanos irão dentro em breve parar; essas três crianças, se já não estiverem sendo medicadas por conta sabe-se lá de quê, são grandes candidatas a cair na rede do TDAH. Basta que comecem a incomodar seus pais com algum tipo de comportamento arredio ou que, de repente, passem a ter baixo rendimento na escola e as professoras as julguem, muito embora crianças inteligentes, um tanto distraídas e relapsas com os deveres e as lições. A propósito, é justamente essa a forma mais comum pela qual os filhos chamam a atenção de seus pais para o fato de que precisam receber deles algo mais que escola, mesada, celular e almoços fora de casa; infelizmente, o tiro lhes sai pela culatra: em vez de ganharem com isso um maior convívio e entendimento com seus pais, recebem em troca um médico regular e vários comprimidos a serem tomados diariamente. Sim, tempos difíceis os nossos; imersa em sua crise de valores, a sociedade se põe cada dia mais à deriva e equivocadamente tem confiado a psiquiatras ainda mais perdidos a direção de seu barco. Por isso estamos naufragando, e não haverá psicotrópico que nos salve. E fique claro: não há laboratório algum do mundo que um dia sintetize a pílula capaz de curar os males de angústia. Único remédio verdadeiramente eficaz a tratar nossa condição existencial é o amor. Lamentavelmente, pais e médicos andam esquecidos disso.
3. Que testes e exames são realizados para fechar um diagnóstico preciso?
Felizmente não há nenhum. Mas nem por isso os psiquiatras se fazem de rogados e pedem auxílio aos psicodiagnósticos feitos por psicólogos também adestrados à moda do TDAH, aqueles que, em vez de assumir seu preponderante papel no trato dessas questões, se põem subservientes aos interesses da classe médica. Há ainda psiquiatras e neurologistas que incautamente solicitam aos pais dessas crianças exames de ressonância magnética na ideia de encontrar possíveis “marcadores biológicos” determinantes da TDAH. Eu até me rio disso, visto que não há substrato orgânico nem para as doenças puras da alma nem para as questões de comportamento, como é o caso da assim chamada TDAH. E é nisto que a psiquiatria clássica de bases psicodinâmicas, como era a de Freud e a de Jung, dentre outros mestres, centrada na investigação do psiquismo, cada vez mais desprezada, se diferencia desta outra que ora se acha travestida sob o nome de neurociências. Quando procuramos pela realidade da alma, de nada nos servem microscópios, estetoscópios, nem os exames de neuroimagem; precisamos antes procurar por ela através do olhar, do sorriso e do pranto, inclusive, que expressam os pacientes, e é assim, buscando honestamente saber de sua dor, que mais acessamos o nível de compaixão capaz de identificar no outro essa mesma esfera anímica que igualmente em nós se faz presente. É, portanto, pela psicoclínica e por uma anamnese bem colhida, pelo contato horizontal com nossos pacientes que melhor se faz um diagnóstico em psiquiatria. É preciso ”pensar de fato a clínica”, algo bem diferente do que pregam os DSMs. Sintomático, pois, que a psiquiatria ensinada nas escolas esteja cega quanto à natureza da alma, haja vista ela haver vendido a sua.
4. Em sua opinião, está realmente ocorrendo uma proliferação de falsos casos de TDAH?
Nem tenha dúvida. Os números são alarmantes. Tenho alguns dados anotados: cerca de 1,6 milhão de crianças recebeu medicação psicotrópica nos EUA no ano de 2005. Os números hoje passam da casa de 4 milhões. Lá é o país onde mais se medicam crianças. O Brasil é o segundo. E não somente por conta de TDAH, mas por outras maluquices dos DSMs, tudo isso reflexo de uma sociedade insana que se propõe a tratar suas crianças segundo os pressupostos de sua própria insanidade. Crianças de todas as idades, até bebês mais agitadinhos, têm recebido coquetéis de medicamentos com até 4 ou 5 especialidades farmacêuticas associadas numa mesma receita. São antidepressivos, ansiolíticos, estabilizadores de humor, neurolépticos, etc., tudo na mesma prescrição. Muitas dessas substâncias misturadas se neutralizam entre si, por terem ação antagônica; bem mais temerário, contudo, é quando potencializam seus efeitos colaterais. Prescrições assim mais apontam para uma falta de clareza diagnóstica de quem as prescreveu. Para os incapazes de pensar a clínica, os DSMs têm sido boa tábua de salvação. Por isso é que vivo advertindo os pacientes que me chegam tomando sabe-se lá quantos psicofármacos ao mesmo tempo: nenhum remédio é inócuo. Quanto mais substâncias diferentes associadas houver numa receita, menos deve lá saber o médico o que de fato anda fazendo. Nessas horas, melhor nem perder tempo tentando trocar de receita, o mais prudente é trocar logo de médico.
5. Quais são os tratamentos mais recomendados (e eficazes) atualmente?
O ideal é que todos esses casos que se incluem nos assim chamados TDAH, por serem antes questão de comportamento que casos psiquiátricos legítimos, fossem tratados eminentemente por diferentes técnicas e abordagens de psicoterapia, inclusive para os pais. Raramente há crianças que de fato precisem ser medicadas, em que pese a força do discurso psiquiátrico dominante, que através de poderosa mídia prega o contrário. Sim, é difícil lutar contra essa falsa promessa que o remédio oferece, garantindo curar problemas que nem de longe são de ordem bioquímica. E é assim que vamos pondo pra debaixo do tapete os reais problemas de relacionamento entre pais e filhos, cada vez mais banalizando o uso temerário de remédios potencialmente perigosos que vão sendo dados aos nossos filhos como se fosse um copo-d’água. De longe, a droga mais usada nesses casos de TDAH é o metilfenidato, popularmente conhecido por seu nome comercial: Ritalina, mas usa-se também o modafinil. Ambos são estimulantes centrais que atuam por mecanismos ainda muito pouco esclarecidos sobre os núcleos hipotalâmicos, a caixa-preta do sistema nervoso central. Eu jamais daria uma droga dessas à minha filha, por exemplo; a propósito, não a receitaria nem mesmo para um inimigo. Sequer o talonário de receitas especiais “tipo A”, necessário à prescrição dessas duas drogas, mandei rodar na gráfica; ora, se por princípio não as prescrevo, por que haveria de ter o receituário que lhe é específico? Quando um paciente mais desavisado me pede Ritalina, sugiro que faça uso (abuso até, se quiser) daquela outra, a Rita Lee, bem mais saudável e sem efeitos colaterais.
Mas não é só de Ritalina que vivem nossas crianças. Por conta do TDAH, há prescrições que trazem ansiolíticos, neurolépticos, estabilizadores de humor, etc., prova cabal da incompetência terapêutica dessas drogas; convenhamos, houvesse uma só que curasse o TDAH, qual o sentido de tantas serem assim prescritas?
6. TDAH acompanha a pessoa pela vida toda? Como saber se o tratamento já pode ser interrompido?
Esses tratamentos se arrastam por anos. Geralmente são interrompidos quando o paciente cansa de seu médico ou ocorre uma significativa mudança na psicodinâmica familiar, mais uma prova de que esses casos são eminentemente de ordem comportamental, não psiquiátrica. Também chegam a termo quando o paciente, não por conta dos remédios, mas, sim, por ter durante seus anos de sofrimento desenvolvido recursos próprios, aprende a lidar melhor com seus problemas e percebe o quão relativa é a importância dos remédios. Essa conquista vem de dentro, nenhum remédio ensina isso. Quero dizer: a criança ou o adolescente podem ser até classificados por seus respectivos médicos como “doentes”, mas uma coisa é certa: nem por isso são idiotas. Ao longo dos anos, os que não sucumbem por causa de seus médicos e sobrevivem aos próprios pais acabam crescendo emocionalmente, e chegará o dia em que deixam espontaneamente de acreditar nos diagnósticos que lhes foram infligidos por modismo de mercado. É quando termina a maior parte desses tratamentos. Doenças da moda já fazem extensa lista, desde as colites do início do século XX, passando pelas escleroses múltiplas vistas em todas as gentes pela Escola Francesa, até as síndromes do pânico e os TDAHs de nossa conturbada época.
7. Quais os impactos que um tratamento desnecessário pode acarretar ao paciente?
Uma infinidade de efeitos colaterais, colecionados a curto, médio e longo prazo. O mais comum é que se fragilizem o fígado e os rins, órgãos de excelência no que se refere à metabolização e à excreção de medicamentos. Já no que se refere ao uso continuado de psicotrópicos, podem advir dessa prática dependências químicas das mais variadas e ainda a tolerância ao efeito dos medicamentos, o que faz necessário o uso de doses sempre maiores pra dar conta do que doses menores antes faziam. Além disso, há uma ampla gama de efeitos colaterais causados por psicotrópicos, desde confusão mental, insônia e alucinações até reações paradoxais ao efeito esperado. Alguns podem levar a estados de euforia, outros à ideação suicida. A longo prazo, aumenta o risco de demência devido aos processos degenerativos induzidos por essas mesmas drogas. Muitos médicos associam ainda anticonvulsivantes à Ritalina, com o que a toxicidade para o fígado e o pâncreas se multiplica, isso sem falar de lesões graves de pele que podem surgir decorrentes da interação de várias drogas. Quando há antipsicóticos na prescrição, então, mais facilmente as crianças se tornam primeiramente obesas para, em seguida, serem candidatas à diabetes. O uso destes últimos pode, inclusive, causar já nas primeiras doses a chamada acatisia, que se caracteriza por uma insuportável crise de agitação e inquietude. Frente a isso, é comum que médicos mal precavidos, em vez de retirarem a droga, julguem que a criança piorou e, além de aumentar a dose do antipsicótico, ainda acrescentem ansiolíticos à prescrição. Já não bastasse isso tudo, o uso prolongado dos antipsicóticos pode levar também a quadros intratáveis de coreia, por impregnação e lesão de certos centros nervosos. E frise-se que estou listando aqui apenas alguns dos incontáveis riscos implícitos, atrelados ao uso de psicotrópicos.
8. Que conselhos você daria aos pais que:
a) têm filhos inquietos, com baixo rendimento escolar, mas não têm certeza de tratar-se de TDAH?; b) aos pais que têm filhos efetivamente diagnosticados com TDAH, mas hesitam em iniciar o tratamento medicamentoso?
Os conselhos estão todos dados ao longo da entrevista. Quem leu e entendeu, cuide de estar presente, educar é uma bênção no caminho de pais e filhos. Caso haja necessidade de pôr algum médico no meio disso, nem sempre será ele quem deverá ditar as regras, o bom-senso vem primeiro; o mais simples costuma curar muito mais que os procedimentos complicados. Digo ainda que as causas de desvios de comportamento são eminentemente psicossociais, quase nunca se devem a distúrbios do cérebro. Quando o clima familiar é hostil ou há conflitos constantes entre os pais, é natural que os filhos sofram, afinal é sobre eles que estouram os rojões. Em muitas famílias, os filhos nem espaço para conversar têm, é como se lhes faltasse o ar. E, quando são levados ao médico porque andam incomodando, nem sequer são ouvidos suficientemente, com o devido respeito. Mais comum é que a consulta seja dada ao benefício dos pais; para os “filhos-problema”, só mesmo a Ritalina e o aprisionamento por anos a fio a um tratamento cuja receita controlada obriga o paciente a retornar mensalmente a fim de visitar seu médico. Diga-se ainda que quase nunca são os filhos que retornam ao consultório; ora, pra quê? Quem retorna são os pais à caça da famigerada receita, também a fim de pagar o profissional e com isso aliviar seu sentimento de culpa, dada a sua ausência na vida de seus filhos. E é tão falso o TDAH que, não nos esqueçamos, é doença tipicamente inventada para o bolso da classe média. Classes mais pobres, as estatísticas mostram, quase não apresentam esse quadro; aliás, se viessem a contrair essa praga, como extorqui-las? Não, não teriam dinheiro suficiente para pagar bons médicos e comprar a Ritalina.
Sim, o TDAH é uma das principais provas de que nossa sociedade, imersa em sua crise de valores, anda a privilegiar o utilitário em detrimento do humano, o ruído em prejuízo da paz, a louca correria em lugar das coisas simples e naturais. Por isso sofre imensamente, e sofre por falta de vergonha. Está na hora de pararmos de querer ganho rápido em todas as frentes; educação exige presença e é prática diária, cuidadosa, artesanal, assim como deveria ser o exercício da verdadeira Medicina, que, lembremos, é antes de tudo uma arte humana, muito mais que científica. O TDAH é o melhor exemplo dessa inversão de valores. Infelizmente, estamos vendo o mundo pender para a beira do abismo, e os psiquiatras adestrados pelos DSMs da APA têm colaborado imensamente para isso.
Dr. Paulo Urban é médico psiquiatra e criador de sua própria abordagem terapêutica, a Psicoterapia do Encantamento. Foi diretor clínico do Hospital Psiquiátrico Casa de Saúde de São João de Deus, de 1994 a 2000; e também professor voluntário na Escola Mutirão de Ensino Infantil, Fundamental e Médio durante os anos de 2000 a 2003. Foi articulista da Revista Planeta de 2000 a 2006 e editor-chefe da Revista Nova Consciência em 2007 e 2008.
Site: www.amigodaalma.com.br
E-mail: urban@paulourban.com.br