Edição 13

Matérias Especiais

Estatutos do Homem

Thiago de Mello

Artigo 1º Fica decretado que agora vale a verdade,
que agora vale a vida,
e que, de mãos dadas,
trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo 2º Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo 3º Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas;
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde, onde cresce a esperança.

Artigo 4º Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem,
que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

§ O homem confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo 5º Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo,
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo 6º Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos,
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo 7º Por decreto irrevogável, fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da caridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo 8º Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo 9º Fica permitido que o pão de cada dia
tenha, no homem, o sinal de seu amor,
mas que sobretudo tenha sempre
o quente sabor da ternura.

Artigo 10º Fica permitido a qualquer pessoa,
a qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.

Artigo 11º Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo 12º Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.
Tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

§ Só uma coisa é proibida:
amar sem amor.

Artigo 13º Fica decretado que o dinheiro
não poderá, nunca mais, comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo final: Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante,
a liberdade será algo vivo e transparente,
como um fogo ou um rio,
ou como a semente do trigo,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

CARNEIRO, Dias Agostinho, FARIAS, A. A interpretação do texto e o pretexto. Editora ao Livro Técnico. p. 21 – 23.

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