Edição 132

Em discussão

Ferramentas para lidar com as emoções…

Joanna Faber e Julie King

Por que há toda essa confusão em relação aos sentimentos?

Quando as crianças não se sentem bem, não conseguem se comportar direito.

A maioria dos pais que comparecem aos meus workshops demonstra muita impaciência com este primeiro tópico: ajudar crianças a lidarem com sentimentos difíceis. Querem ir direto à segunda sessão: como fazer com que os filhos façam o que os pais mandam. Não é que não nos importemos com aquilo que nossos filhos sentem. Simplesmente, isso não é a prioridade de um pai ou mãe atarantados. Vamos encarar os fatos: se eles agissem da forma que lhes disséssemos para agir, tudo aconteceria de maneira muito tranquila, e todos se sentiriam bem!

O problema é que não existe um bom atalho para conseguir fazer com que uma criança coopere. Você pode tentar, mas provavelmente vai se ver atolado num pântano de conflitos.

Pense nas vezes em que você ficou muito feliz por suas ações não estarem sendo filmadas e exibidas num reality show. Há vezes em que você grita tão alto com uma criança que a garganta chega a doer. Você acabou de dizer pela centésima vez para que não empurre a irmãzinha perto do fogão ou não puxe as orelhas do cachorro já idoso — “Ele vai morder você, e você vai merecer!!!” —, e ela continua a agir como se nada tivesse acontecido.

Imagino que situações assim tenham acontecido quando você estava se sentindo cansado, estressado ou irritado por alguma razão completamente diferente. Se o mesmo tivesse ocorrido quando você estava se sentindo mais alegre, é provável que tivesse achado graça. Talvez pegasse a irmãzinha ou o cão tão sofrido no colo, desse um beijo nela ou coçasse o queixo do animal e redirecionasse o pequeno selvagem com uma risada compreensiva.

Então, qual o motivo de tudo isso? A questão é que não somos capazes de nos portar bem quando não nos sentimos bem. E as crianças não conseguem se comportar bem quando não se sentem bem. Se não cuidarmos dos sentimentos delas antes, não teremos muita chance de conseguir sua cooperação. Tudo que nos resta é nossa capacidade de usar mais força. E como pretendemos reservar a força bruta para emergências, como arrancar as crianças do meio da rua na hora do trânsito, temos que encarar esses sentimentos de frente. Portanto, mãos à obra!

Boa parte de nós não tem muita dificuldade em aceitar as emoções positivas de nossos filhos. Isso é bem fácil: “Nossa, Jimmy é seu melhor amigo no mundo todo?”, “Você adora as panquecas que o papai faz?”, “E está empolgado com o bebê que chegou? Que fofura. É ótimo ouvir isso”.

Entretanto, é quando nossos filhos expressam uma emoção negativa que percebemos os problemas: “O quê? Você odeia o Jimmy? Mas ele é seu melhor amigo!”, “Vai dar um soco no nariz dele? Não se atreva a fazer isso!”, “Como assim você enjoou das panquecas? São suas favoritas”, “Você quer que eu devolva o bebê para o lugar de onde ele veio? Que coisa horrível de dizer! Não quero ouvir uma coisa dessas da sua boca nunca mais!”.

Não queremos aceitar emoções negativas porque elas são… bem… negativas. Não queremos dar poder a elas. Queremos corrigi-las, diminuí-las ou, de preferência, fazer com que desapareçam por completo. Nossa intuição nos diz para afastar essas emoções da maneira mais rápida e brusca possível. Mas esse é um exemplo no qual nossa intuição não está certa.

Minha mãe sempre me diz: “Se você não tem certeza da coisa certa a fazer, experimente a si mesma”. Vamos fazer isso, então. Considere sua reação a esta situação: imagine que você acordou e não está se sentindo muito bem. Não dormiu o bastante na noite passada e sente que uma dor de cabeça vem chegando. Resolve parar para comprar um café antes de ir para a pré-escola e encontra uma colega de trabalho. Você diz a ela:

— Amiga, não quero ir trabalhar hoje e dar de cara com todas aquelas crianças briguentas e barulhentas. Tudo que quero é voltar para casa, tomar um Tylenol e passar o resto do dia na cama!

Qual seria sua reação se sua amiga…

… fizesse pouco caso dos seus sentimentos e lhe desse uma bronca por esse tipo de atitude?

“Ei, pare de reclamar. As crianças não são tão ruins assim. Você não devia falar sobre elas desse jeito. E, de qualquer forma, sabe que vai se divertir quando estiver lá. Vamos lá, abra um sorriso.”

… ou lhe desse um conselho?

“Escute, você precisa tomar as rédeas dessa situação. Você sabe que precisa do emprego. Devia se livrar desse café, tomar um chá de ervas e meditar no carro antes de as aulas começarem.”

Não queremos aceitar emoções negativas porque elas são… bem… negativas.
Não queremos dar poder a elas. Queremos corrigi-las, diminuí-las ou, de preferência, fazer com que desapareçam por completo.”

… ou talvez um sutil sermão filosófico?

“Olhe, não existe emprego perfeito. A vida é assim mesmo. Não adianta reclamar. Ficar remoendo os pontos negativos não é produtivo.”

… comparasse você com outra professora?

“Olhe só para Liz. Ela sempre fica contente quando vai trabalhar. E você sabe por quê? Porque ela está sempre ultrapreparada. Sempre tem ótimos planos de aula prontos e está com tudo nas mãos com várias semanas de antecedência.”

Será que algumas perguntas ajudariam a melhorar a situação?

“Você tem dormido bem? A que horas foi dormir ontem à noite? Será que está ficando resfriada? Está tomando vitamina C? Está usando aqueles lenços umedecidos que a escola comprou para não pegar os germes das crianças?”

Estas são algumas reações quando apresentamos esse tipo de situação em nosso grupo:

— Jamais vou falar com essa pessoa de novo!
— Isso não é atitude de uma amiga!
— Você não faz a MENOR IDEIA do que está acontecendo!
— Odeio você! Vai para o inferno!
— Blá, blá, blá.
— CALA A BOCA!
— Nunca mais vou falar com essa pessoa sobre meus problemas; prefiro ficar só, comentando sobre o tempo, daqui por diante.

Olhe, não existe emprego perfeito. A vida é assim mesmo. […] Ficar remoendo os pontos negativos não é produtivo.”

— Sinto-me culpada por deixar a situação chegar a esse ponto.
— Fico me perguntando por que não consigo lidar com essas crianças.
— Estou me sentindo horrível.
— Nossa, como odeio essa Liz.
— Sinto-me como se estivesse sendo interrogada.
— Sinto que estou sendo julgada. Você deve achar que sou imbecil.
— Não posso dizer isso em público, mas vou usar as iniciais… F*-se!

Esta última resposta expressa perfeitamente a intensidade da hostilidade que às vezes sentimos quando alguém faz pouco caso de nossas emoções negativas. Podemos passar rapidamente da infelicidade para a fúria quando alguém conversa conosco dessa maneira, e o mesmo acontece com nossos filhos.

Então, o que seria bom ouvir em situações como essas? Imagino que um pouco do seu mal-estar seria aliviado se alguém simplesmente reconhecesse e aceitasse suas emoções.

— Nossa. É horrível ter que ir trabalhar quando não está se sentindo bem. Especialmente quando você trabalha com crianças. O que precisamos é de uma bela nevasca ou talvez um pequeno furacão. Algo que fizesse a escola fechar por apenas um dia.

Quando seus sentimentos são reconhecidos, as pessoas se sentem aliviadas: “Ela me entende. Já estou me sentindo melhor. Talvez não seja algo tão ruim. Talvez eu consiga dar conta do que está por vir”.

Realmente falamos dessa maneira com nossos filhos — corrigindo-os, repreendendo-os e lhes passando um sermão quando expressam uma emoção negativa? O grupo não tem problemas em citar exemplos. Aqui estão alguns dos mais comuns.

Negação das emoções

“Você não odeia a escola de verdade. Vai se divertir quando estiver lá. Sabe que gosta de brincar com blocos de madeira.”
Alguma criança já respondeu algo como: “Ah, sim, você tem razão. Acabei de lembrar que amo a escola, de verdade!”?

Filosofia

“Olhe aqui, garoto, não existe justiça na vida. Você tem que parar com essa coisa de ‘Ele tem mais que eu’, ‘O dela é melhor’.”

Qual é a probabilidade de que seu filho responda: “Nossa, eu estava muito bravo, mas agora que você explicou que a vida não é justa estou me sentindo bem melhor. Obrigado, pai!”?

Perguntas

“Por que você jogou areia depois que lhe disse para não fazer isso?”

Que criança diz: “Hummmm, por que fiz isso? Acho que não tinha um bom motivo. Obrigado por me lembrar. Não vai acontecer de novo”?

Comparação

“Olhe como Olívia fica sentada, quietinha, esperando a vez de brincar!”

Que criança diria: “Minha nossa, vou tentar ser igual a Olívia!”?

É mais provável que ela tente dar uns cascudos na Olívia.

Fingir que meu filho é adulto não vai funcionar.
Se uma amiga adulta se comportasse como meu filho, não seria minha amiga por muito tempo.”

Sermão

“Por que você sempre quer um brinquedo assim que seu irmão começa a brincar com ele? Não demonstrava nenhum interesse há um minuto. Você só quer tirar o brinquedo da mão dele. Isso não é bonito. E, de qualquer maneira, aquele é um brinquedo para bebês, e você já é uma mocinha agora. Precisa ter mais paciência com seu irmãozinho.”

E onde está a criança que responde: “Ah, vá em frente, querida mamãe. Estou aprendendo muita coisa com esse seu discurso. Deixe-me fazer umas anotações no iPad para vê-las mais tarde”?

Certo, certo, ouço você dizer: “Mas é fácil demonstrar empatia por um amigo adulto. Adultos são civilizados! Crianças não são assim. São menos lógicas. Meus amigos não acabam com minhas noites de sono. Pelo menos, a maioria deles não faz isso. Não tenho que mandar os meus amigos irem à escola, ou escovar os dentes, ou parar de bater nos irmãos. Fingir que meu filho é adulto não vai funcionar. Se uma amiga adulta se comportasse como meu filho, não seria minha amiga por muito tempo”.

Tudo bem, eu entendo. Não podemos tratar nossos filhos da maneira que tratamos nossos amigos adultos. Mas, se quisermos cooperação voluntária em vez de hostilidade, precisamos encontrar uma forma de usar o mesmo princípio de reconhecer as emoções quando uma pessoa está incomodada.

Vamos dar uma olhada na nossa caixa de ferramentas e ver como podemos identificar nosso arsenal para lidar com os pequenos.

Ferramenta 1: Reconhecer sentimentos com palavras.

Na próxima vez que seu filho disser algo negativo e exaltado, siga esses passos.

1. Cerre os dentes e resista ao impulso de contradizê-lo imediatamente!
2. Pense na emoção que ele está sentindo.
3. Dê um nome a essa emoção e coloque-a numa frase.

Com sorte, você vai ver que a intensidade da emoção ruim diminuirá drasticamente.

Sentimentos bons não podem surgir até que sentimentos ruins sejam extravasados. Se você tentar represar esses sentimentos ruins, eles vão ficar ainda mais potentes.

Por exemplo:
Quando uma criança diz:
— Eu odeio o Jimmy. Nunca mais vou brincar com ele.

Em vez de dizer:
— É claro que vai. Jimmy é seu melhor amigo! E não diga “odeio”.

Experimente:
— Rapaz, parece que você ficou muito bravo com o Jimmy agora!

Ou então: — Jimmy fez alguma coisa que deixou você bem irritado?

Quando uma criança diz:
— Por que sempre temos que comer panquecas? Odeio panqueca.

Em vez de:
— Você sabe que adora panquecas. É o que você mais gosta de comer.

Experimente:
— Parece que você está decepcionado com as panquecas do café da manhã. Acho que está a fim de algo diferente.

Quando uma criança diz:
— Esse quebra-cabeça é muito difícil!

Em vez de:
— Não, nada disso. É fácil. Vou lhe ajudar. Olhe só, essa é uma peça que vai no canto.

Experimente:
— Puxa! Quebra-cabeças podem ser muito frustrantes. Esse monte de pecinhas deixa uma pessoa doida.

Você vai dar a seu filho um vocabulário crucial de sentimentos ao qual ele pode recorrer nos momentos em que precisar.

Quando ele puder berrar “ESTOU FRUSTRADO” em vez de morder, espernear e agredir, você vai sentir a emoção do triunfo!

Todos os sentimentos podem ser aceitos.

É possível consertar as coisas! Você pode se afastar da trilha, ficar preso no pântano, coçar as picadas dos mosquitos e continuar a seguir a estrada.”

Algumas ações devem ser limitadas!

Não estou sugerindo que você deva ficar por perto e vibrar quando o Júnior socar o nariz do amigo Jimmy ou que deva começar imediatamente a preparar uma omelete de queijo cheddar com cogumelos para uma criança que acabou de reclamar das panquecas. Basta aceitar aquele sentimento. Quase sempre, o simples reconhecimento da sensação é o suficiente para neutralizar uma explosão em potencial.

Como a maioria dos grandes projetos, falar sobre essa coisa de aceitar as emoções é fácil, mas colocá-lo em prática é difícil. Para mim, a mais bela lição que pode ser aprendida com essas histórias é que você pode cometer quantos erros forem necessários, e não há problema nisso. É possível consertar as coisas! Você pode se afastar da trilha, ficar preso no pântano, coçar as picadas dos mosquitos e continuar a seguir a estrada. O local das picadas vai sarar, a lama pode ser lavada, e sua jornada continuará a ser agradável por mais algum tempo.

Quando uma conversa estava se transformando em conflito, minha mãe costumava fazer um gesto como se estivesse apagando uma lousa e dizia: “Apague e comece outra vez!”.

Mas isso é obsoleto. Ela é da geração do quadro-negro. As crianças têm noção do que são um quadro-negro e giz hoje em dia? Alguns pais, no meu grupo, usaram a palavra rebobinando ao saírem de costas de um quarto e, em seguida, voltarem a entrar com palavras de melhor aceitação. Até mesmo isso soa um pouco antiquado nos dias de hoje, uma vez que as fitas cassete se tornaram uma coisa do passado. Qual seria o equivalente moderno para pedir uma segunda chance? Talvez gritar “Control – Alt – Del!” ou “Reset!” com um gesto de um dedo pressionando um botão imaginário?

O mais importante é dar a si mesmo uma quantidade infinita de oportunidades, seja lá quais forem os gestos que você decidir usar. Aqui estão alguns exemplos dos meus anos como mãe de crianças pequenas em que consegui mudar a situação no meio das corredeiras, evitando que minha pequena jangada materna sucumbisse em águas revoltas.

KING, Julie; FABER, Joanna. Como conversar com crianças pequenas
para que ouçam e se desenvolvam. Tradução de Ivar Panazzolo Junior.
São Paulo: nVersos, 2019.

 

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